Parafraseando um conhecido eterno
comentador e actual candidato, esta não lembra ao careca…
Um piropo ou uma ordinarice
deliberadamente obscena? Uma questão de verbalizar uma manifestação de apreço
ou um assédio sem pudor e com recurso a violência verbal para dar largas a um
lamentável espírito de macho frustrado e javardo? Em suma: uma sedução ou uma
violentação?
Nada me parece claro ou em vias
de clarificação numa iniciativa legislativa do PSD no passado Agosto – e apenas
agora divulgada, vá lá saber-se porquê… – e, conforme se pode ler no DN de 28 de Dezembro e da autoria de
Fernanda Câncio, se trata «de um aditamento ao artigo 170º do Código Penal,
"importunação sexual", o qual criminalizava já o exibicionismo e os
"contactos de natureza sexual", vulgo "apalpões".»
Vejamos, e se alguém disser à personagem onde lhe anda focalizado o
interesse qualquer coisa do género: «Senhora, a sua beleza confunde-me; faça-me um homem feliz e aceite jantar
comigo…». Não será isto um caso flagrante de «proposta de teor sexual»? Em
princípio, o convite para jantar não se destinará a culminar num jogo da bisca. E, além da
desgraceira de uma muito provável nega, o presuntivo e incontido amante ainda
corre o risco de ser preso. E não de amores!
Eu até nem teria, à partida, grande coisa em contrário
relativamente a esta iniciativa, mas sempre que se legisla sobre questões
educacionais, culturais, civilizacionais, éticas, enfim, como se se pudesse
alterar a correnteza da vida meramente por decreto, tenho tendência para ficar
cheio de reticências e de urticária.
Interessa, entretanto, esclarecer – não vá o Diabo tecê-las… –
que gosto tanto do chamado sexo oposto ao meu, considerado ele em abstracto e
genericamente mas também e muito especialmente em concreto, que o meu respeito por ele é sem
medida. Creio que terá sido coisa que me foi incutida pelos meus pais e, até,
por outros educadores, ao longo da vida.
Talvez por isso não é meu uso proferir qualquer comentário
quando uma mulher que me é sugestiva mas estranha cruza o meu caminho. Mas receio
que o meu olhar possa ser algo indiscreto ou revelador de alguma saudável (pelo
menos assim a reputo) perturbação que comigo ocorra… E quantas vezes a
imaginação voa, desatinada e sem barreiras perante alguma evidência
circunstancial mais apelativa?
Julgo, mesmo, que, em tempos de imberbe juventude, um rubor,
incómodo e indiscreto, me inundava a face com perturbadora frequência quando
uma bela jovem ou mulher era, por alguma circunstância, minha interlocutora. Timidez,
seguramente. Condimentada por pensamentos porventura indizíveis mas
incontroláveis. Porém, se a intensidade fosse por demais intensa, poderia
chegar ao ponto, como sói dizer-se, de meter conversa a esse propósito, a bem
de alguma sanidade mental, que os recalcamentos nunca foram bons conselheiros.
Claro que, aqui chegados, interessa sabermos que não somos todos
(nem todas) iguais e o escalonamento de atitudes será, decerto, tão diverso
quanto o mundo.
Isto traz-nos à incomensurável dificuldade em apurar, então, o
grau do acto criminoso em cada caso que, por acaso, não me parece, no contexto
legislativo, que seja indiferente ao género, nomeadamente.
Além disso, poderei eu queixar-me do flagrante, ainda que
improvável, assédio por parte de uma vizinha ou de mera passante? E que fazer,
nesses casos, para obter meio de prova? Andar sempre acompanhado por duas
testemunhas insuspeitas, ou ter sempre um gravador ligado no bolso, para o que
der e vier?
Por outro lado, não será igualmente e socialmente perigoso
entrar num elevador sem dar os bons dias a quem lá esteja? Imagine-se que a
menina Ofélia, do 3º esquerdo, sofrendo de depressão profunda, leva a ausência de
cumprimento à conta de agravamento da sua falta de auto-estima e, subindo ao
nono andar, se suicida logo ali? Não será de acautelar legislativamente a
obrigatoriedade de cumprimentar os vizinhos nos ascensores, para evitar casos
análogos?
É que, nestas coisas, nunca se sabe e mais vale prevenir…
Afinal e pelo meio destas minudências, onde fica posicionado o
tão estimulante jogo da sedução? Ou, até, pior: como iniciar uma relação, um
namoro? Impossível! À primeira abordagem, qualquer um/a corre o risco de
deparar com um/a interlocutor/a desarvorando numa grita aflitiva de que está
ali um/a caramelo/a com segundas ou terceiras intenções e o/a pobre corre o
risco de ir bater com os costados na cadeia, com um amor por cumprir…
Por outro lado, deparamos nesta legislação com um manto diáfano
sobre a expressão de «assédio sexual», essa, sim, coisa mais concreta, definida
e nada rara, que vitima tanta mulher – e, porventura, alguns homens – e que se
revela através do recurso a pretensas prerrogativas de hierarquias que, apenas
por serem tal, presumem que o estatuto é extensivo ao direito de chegarem à cama…
ou a qualquer esconso de conveniência.
Mas dizer-se assédio, isso é que não, que a crueza do termo não é
compatível com alguns espíritos mais delicados e titubeantes.
Agora, o porquê da oportunidade de tão momentoso acréscimo legislativo,
na verdade, escapa-me. E logo numa altura de crise da construção civil, área de
onde é suposto emanarem algumas das pérolas javardolas…
Haverá razões que a razão desconhece nestas matérias legislativas. Mas
espera-se sempre que seja para nosso bem. Ou, quem sabe e à falta de melhor,
quiçá para reforçar a confiança dos mercados…
Ora, façam é o favor de terem todos um óptimo 2016, com piropos e, se possível, muito amor, namoro e felicidades que tais! Se possível, também, a dois que a coisa assim assume outra graça.