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setembro 27, 2013

O outro lado da picareta

Uma das maiores vulnerabilidades de um desbocado é ter que manter o silêncio quando outros, por exemplo numa posição mais confortável em dado momento, nos matam com o mesmo ferro. Pela emoção, colocamos de imediato o dedo no gatilho verbal e as palavras que são munições até se atropelam na garganta. Mas pela razão vemo-nos obrigados a desculpabilizar o discurso excessivo, a aplicar o mesmo critério que gostaríamos nos fosse aplicado em iguais circunstâncias embora saibamos que assim não é.

O desbocado parece merecer todos os castigos possíveis em matéria verbal. Tens a mania que podes falar com o coração? Nesse caso pega lá mais esta pancada nesse sítio onde mais te dói. Ou no orgulho, embora dê menos luta porque, lá está, o desbocado tem sempre uma mania qualquer, um complexo de superioridade ou assim, que o leva a acreditar-se livre para falar demais. E é fácil desequilibrá-lo por aí, com uma rasteira do mesmo veneno, com uma ferroada valente no lombo quando a ocasião se proporciona porque quem fala sem prudência tem (que ter) bom lombo para acolher umas bandarilhas.

Por isso o desbocado é alguém menos explosivo do que o esperado pela maioria dos observadores. Ou já disse ou está para dizer (ou fazer) algo de que tenha que se arrepender depois, talvez no momento em que lhe explodem nos tímpanos e no peito as palavras irreflectidas de outra pessoa a quem, por acaso, até já lançou granadas iguais. Ou ainda piores.
Depois acaba por ter que calar, perde sempre a razão por ir longe demais e no fundo até percebe, ou intui, que as outras pessoas também merecem o seu momento sem travões. Ouve e engole em seco enxovalhos ou simples desconsiderações, enfia a viola no saco e sorri amarelo ou baixa a crista em sinal de deserção de parte de si próprio que entende amordaçar para não se ver de novo em maus lençóis de uma cama que faz a toda a hora para nela o deitarem. Como no cliché da sepultura, a do próprio, que se cava quase sem perceber a natureza do trabalho executado.

É essa a cruz do desbocado. Nunca mete na cabeça que só ladra alto o cão a quem podem dar nozes porque tem dentes para morder. O outro rafeiro, desmotivado pelas coças do passado ou apenas sem solo firme debaixo das patas para defender qualquer argumento ou posição, refém da conjuntura ou da situação, ladra sempre baixinho.

junho 02, 2013

Noutra cela

Invejam-te, pássaro, pelas asas que te permitem voar. Talvez percebas de vez em quando no seu olhar uma expressão desagradável, um ar desconfortável perante aquilo que, por não terem, entendem de imediato como uma limitação.
Nunca lhes basta a imaginação, constroem equipamentos, procuram argumentos para te poderem imitar.
Como tu, querem voar. E cobiçam-te as asas, inventam anjos que são arquétipos da perfeição que se acreditam capazes de alcançar por mérito próprio, pecadores arrependidos, quando se juntarem a ti no céu de um paraíso de conveniência.

Invejam-te, pássaro, pelas asas que simbolizam liberdade e independência. Mas desenham uma realidade opressora, esculpida nos detalhes que são como o avesso das grades de uma prisão interior. Não querem asas sequer no amor que definem e compartimentam em regras desorientadas que entendem como pontos de referência para um modelo universal e obrigatório.
Nunca lhes basta o essencial, concentram-se no acessório, procuram saídas de emergência para o espaço de segurança que precisam acreditar, promessas de pessoas que julgam ser possível moldar personalidades com base nas realidades que impõem aos outros por norma, por regra, por costume e por tradição. E ainda lhe juntam a canga de uma religião castradora, seguem pela vida fora em espasmos de arrependimento ou em convulsões de desentendimento que os perturbam porque os tornam reféns de uma tristeza desnecessária, encarcerados na penitenciária que uma vida de mentira tão bem sabe construir.

Invejam-te, pássaro, pelas asas que te garantem poderes partir em qualquer direcção sem barreiras ou limitações, sem amarras nem prisões, para o céu que tanto se esforçam por merecer mesmo que seja para acontecer apenas depois do seu fim.
Como tu, querem voar.
Mas preferem invejar a felicidade que simulas quando cantas, assustado pelo que vês sempre que espreitas para o lado de fora desse cárcere que vês espelhado na expressão vazia, abandonada, dos seus olhares.
Sempre que espreitas para o lado de dentro desses pássaros sem asas, enfiados eles próprios em gaiolas às quais soldam aos poucos as portinholas até não lhes restar qualquer esperança de que alguém um dia as possa abrir.

março 03, 2013

A posta que o futuro imediato é uma desconcertante incógnita


Sempre que se coloca a questão de como dar a volta à situação que o país atravessa esbarro numa parede que o raciocínio impõe e dou comigo num beco sem saída.
Em causa está a relação entre a dimensão do problema, nomeadamente do ponto de vista financeiro, e o leque de alternativas disponíveis num cenário eleitoral.
Quando vejo cidadãos mobilizados para as diferentes formas de luta que uma democracia digna desse nome nos faculta entendo perfeitamente as suas razões e, em mais do que um momento, sinto-me compelido a também fazer qualquer coisa.
O problema, e é aqui que de repente me vejo no tal dilema, está na nítida sensação de que derrubar o actual governo (e é esse o mote de todas as manifestações populares acontecidas ou por acontecer) pode confrontar-nos apenas com cenários ainda mais complicados no contexto da aflição generalizada, como o exemplo italiano cuidará de comprovar.

Cruzar os braços é sempre uma opção impossível perante a progressiva degradação do tecido empresarial e respectivo impacto no número de gente desempregada que pode apenas recorrer aos mais próximos para se valer e também a maioria desses sente na pele o efeito da austeridade. O consequente efeito bola de neve arrasta até a geração dos avós para o turbilhão e a em termos sociais o país começa a acumular tensões indisfarçáveis que só não eclodiram ainda como o caos nas ruas porque olhamos para os gregos e percebemos que nem essa hipótese resolve seja o que for.
Porém, todos sentimos que urge fazer algo e com a máxima urgência.

As opções que nos restam limitam-se a males maiores. A desordem não serve. Eleições antecipadas não resolvem. Não há dinheiro e devemos milhares de milhões, pelo que a dependência externa é total e não é realista equacionar a saída do Euro ou a desresponsabilização relativamente aos compromissos assumidos.
Perante isto, o que fazer?
É aqui que ninguém apresenta sugestões minimamente consensuais. Toda a gente consegue apontar culpados e exigir a respectiva responsabilização. Contudo, nesse lote incluem-se os maiores partidos e só uma minoria leva a sério as opções que restam.

Um novo partido, alheio aos já existentes e livre das várias cargas pejorativas, surge no horizonte como a única hipótese no âmbito do sistema democrático que o bom senso recomenda e a racionalidade impõe. Uma alternativa distinta das já existentes, capaz de congregar vontades em torno de um projecto simultaneamente realista e milagreiro, seria nas conjecturas de muitos de nós a aposta ganhadora.
Mas no meio do furor demagogo que a desorientação facilita, quem nos garante que não estaremos a investir numa solução sem pernas para andar ou que, como no exemplo italiano que acima referi, não consiga mais do que tornar-se num estorvo à possibilidade de constituição de uma maioria parlamentar capaz de sustentar uma solução governativa estável?

Como baratas tontas, acabamos quase todos paralisados perante tantas dúvidas (legítimas) e o tempo esgota-se ao sabor dos caprichos de cada um dos países de uma União Europeia refém de si própria e do efeito dominó de uma crise em roda livre, sem o amparo federalista.
Ainda assim, e caso queiramos insistir na democracia como opção (não existe outra), só mesmo através da criação de novos partidos, movimentos de cidadãos e quaisquer formas de mobilização organizada de cidadãos poderemos alimentar a esperança no surgimento de uma nova ideologia com propostas exequíveis ou, no mínimo, de alternativas credíveis de liderança.

fevereiro 19, 2013

A posta num beco sem saída


À liderança bicéfala do Bloco de Esquerda corresponde a gestão bipolar da maioria da classe política e, só não vê quem não quer, de um grande contingente dos seus eleitores.
Prestar demasiada atenção aos discursos de políticos e às reacções populares é meio caminho andado para dividir qualquer mente mais esclarecida em duas partes que se antagonizam. Uma delas insiste em disparar alertas perante a evidente (descarada) dissonância entre a prática governativa mais a da sua oposição que se reparte entre o vai vem neo-frouxo e o agarrem-me senão desgraço-me pseudo radical.
No meio disto tudo andamos nós, os críticos de sofá que falam muito mas fazem népia, os manifestantes só porque sim e depois logo se vê, os ignorantes que refilam sem fazerem ideia contra o quê em concreto e toda uma massa de aflitos a sério e de chorões da treta, uma pasta viscosa, disforme, de gente à beira de um ataque de nervos e sem qualquer esperança possível de sustentar a partir do que se ouve, do que se vê e do que se pode pensar a partir desses elementos dispersos que apenas nos ilustram e alimentam uma perturbadora desorientação.

A panaceia inventada pelo BE para colar com cuspo as frágeis ligações entre as suas múltiplas correntes, tentando aguentar a coisa até à salvação que um resultado eleitoral menos catastrófico possa constituir, é apenas uma das caricaturas das muitas possíveis a partir do desnorte que reina no cenário confrangedor da política caseira, em nada diferente da que percebemos noutras nações.
Os políticos, à esquerda como à direita, nos governos como nas oposições, andam à nora para descobrirem a pólvora sem fumo de uma solução milagrosa para um problema cada vez mais global que é o descrédito da própria democracia à mercê da multiplicação de fracassos de que a Primavera Árabe é um exemplo flagrante: depõem-se governos ou regimes sem existirem opções concretas de poder, acabando este confiado a quem soa mais credível no meio de tanta mentira, de tanta incompetência, de tanta desilusão.
E entretanto acontece um colapso financeiro que arrasta boa parte da população de países ditos ricos para uma indisfarçável pobreza que o tempo a passar (como o exemplo da Grécia demonstra) ameaça tornar numa miséria como há muito o hemisfério norte não experimenta e com a qual já provou não saber como lidar.

Uma no cravo e outra na ferradura acaba por ser o recurso de quem se vê a braços com uma gestão impossível do caos em crescendo que vai eclodindo a partir da revolta abafada por anos confortáveis para a maioria burguesa, a classe média que se vê apanhada pelo turbilhão da falta de soluções enquanto fonte mais à mão de receitas urgentes para tapar os buracos que a corrupção e o desmazelo ao mais alto nível criaram e a crise financeira deixou à vista desarmada dos que mais a sentem na pele.
Identificados na qualidade de responsáveis indirectos (os que não perceberam ou fingiram não perceber) ou directos (os que mergulharam no esterco do compadrio que parasitou fundos colectivos em proveito próprio), aos políticos parece restar o pontapé para canto de uma falsa indignação que não representa nem propõe qualquer solução concreta para o problema grave cujas repercussões ainda agora vão no adro.

A crise é também ideológica e dos pensadores que deveriam conceber alternativas aos modelos falhados e cada vez mais desacreditados resultam apenas críticas a uma esquerda radical assente em teorias do século XIX ou pouco mais recentes, a uma esquerda moderada sem soluções para os seus dilemas e paradoxos na complexa adaptação ao capitalismo que entendeu abraçar e uma direita desmembrada e incapaz de entender a complexidade dos desafios colocados pela falência do principal pilar das suas certezas e convicções, a economia de mercado a quem a globalização deu a estocada final por associar um efeito epidémico a qualquer convulsão.

No meio desta mixórdia de acusações recíprocas e de avaliação de culpas, assusta perceber que ninguém está próximo sequer de uma efectiva resolução do problema global e nem mesmo a revolução (um conceito algo estapafúrdio no contexto de democracias estáveis) representa um recurso viável por não existirem no horizonte quaisquer alternativas credíveis de liderança.

Aquilo que se vê e se sente é a degradação sistemática de todos os bastiões do sistema no qual se depositaram todas as esperanças do nosso mundo ocidental e que, por inerência, se tenta impor sem sucesso onde as ditaduras se revelam mais rebeldes e menos dóceis na aceitação da troca dos seus recursos naturais pelas esmolas de um ocidente em plena decadência. Sistemas judiciais em descrédito, comunicação social em falência, poderio militar ameaçado pela redução inevitável de orçamentos, ideologias incapazes de responderem aos anseios de populações em aflição.

E não se vislumbra no horizonte alguém capaz de inverter esta situação. 

outubro 11, 2012

A posta no Wikileaks pay per view


Wikileaks despertou paixões intensas no mundo inteiro, amores e ódios tão profundos que tiveram pelo menos o condão de expor às claras a aliança perigosa entre o poder político e o poder financeiro (veja-se o bloqueio bancário à organização, impedindo-a de recolher donativos, mais a actual condição de exilado de Assange).
Depressa a Wikileaks conquistou o apoio de outra organização semi-clandestina, os Anonymous, que igualmente pretende denunciar e mesmo boicotar a acção dos poderes que abusam, nomeadamente na luta pelo livre acesso à informação.
Há gente dos Anonymous detida por fornecer dados sensíveis à Wikileaks sob o pressuposto da divulgação pública e sem restrições dos mesmos.
E por isso, esta novidade no Wikileaks estourou como uma bomba e a cisão parece o menor dos problemas que a organização de Assange poderá enfrentar, tendo em conta as primeiras reacções dos seus parceiros que se afirmam traídos e não são conhecidos por se ficarem…

Como diz o povo, não havendo dinheiro não há palhaços. E a Wikileaks, por via do boicote acima referido e provavelmente também pela situação complicada do seu fundador, cedeu à tentação SCUT (na parte do utilizador pagador), escolheu uma forma radical (a paywall acima lincada) e nada consentânea com a moral da história como os Anonymous a pretendiam.
O dinheiro, uma das maiores ameaças como ambas as organizações o entendem, acaba assim por aterrar à bruta na sopa de quem protagoniza uma das maiores caldeiradas dos últimos anos e, curiosamente, torna-se pela sua falta num foco de divisão entre os que o atrapalham nas mais altas esferas da circulação monetária.

É frustrante, vista de fora, esta provável separação de esforços numa luta que continuará comum aos activistas de uma e outra organização.
Será claramente uma vitória para os (abusos de) poderes que combatem e cuja receita ganhadora passa também por dividir para reinar, mas é fácil de perceber como o pragmatismo (ou desespero de causa) da Wikileaks colide frontalmente com o espírito da coisa para os Anonymous.

Ou então é um problema de comunicação e aí recomenda-se ao Assange que contacte o Governo Português ou outro membro da liga dos eternamente incompreendidos mas sempre a abarrotar de boas intenções… 

setembro 15, 2012

A posta na prudência de activista de sofá


Perante a confrangedora falta de alternativas no panorama eleitoral, entre os partidos da coligação que nos governa, um maior partido da oposição com o menor líder da mesma e conotado com o descarrilar das contas, um PC à antiga portuguesa a quem só falta a clandestinidade para estar verdadeiramente na sua praia (a praia de há umas décadas valentes atrás) e um syriza light com um líder de saída e dois por entrar, a pessoa acumula a vontade de gritar bem alto o protesto com a impotência inerente à ausência de propostas alternativas credíveis.
E é assim que se fica sem saber o que fazer perante uma manif como a de hoje.

O dilema é óbvio: se não faltam pretextos para irmos para a rua gritar, sobejam as ausências de soluções, de hipóteses alternativas ao que se quer combater. A estratégia de ir derrubando governos e depois logo se vê é arriscada, porque a instabilidade política é terreno fértil para o caos, além de ser inócua em termos de resultados práticos.
O protesto é necessário e entendi o impulso dos que contribuíram nas ruas para o derrube de Sócrates. Contudo, comparando uma e outra iniciativas, se entendo ainda melhor o impulso dos promotores do Que Se Lixe a Troikacompreendo ainda menos os seus objectivos e ambições.

Uma manif é sempre um sinal de pujança democrática, se há povo nas ruas é porque existe liberdade e existe força para lutar contra o que esteja mal e precise mudar, sobretudo quanto se trate de protestos pacíficos e com objectivos concretos em vista e alternativas para propor.
É neste último aspecto que a porca torce o rabo, pois começam a tornar-se numa moda (correndo a passos largos para a vulgarização) as manifes cheias de gente com vontade de demitir alguém mas vazias de gente com vontade de fazer ou de propor algo de melhor.
Para mim a questão coloca-se de forma simples: temos que pagar o que devemos e nos termos que nos impuserem. A alternativa, mais abébia menos abébia da troika, resume-se ao abandono do Euro e depois logo se vê.
Não vejo seja quem for a sugerir a alternativa mais radical, o papão do fim da classe média confortável a acobardar tudo e todos por falta de, lá está, um programa concreto de salvação nacional em tais circunstâncias, a saída voluntária (ou não) do Euro com todas as consequências que isso iria acarretar.

Não querer sair mas sem saber como ficar

Mas se a saída do Euro implica o pandemónio instalado no dia imediatamente a seguir à ocorrência, a permanência parece caminhar para o mesmo resultado mas com uma agonia mais prolongada no tempo. E parece-me ser essa percepção das coisas que mais gente levará às ruas no dia 15, a de que estamos todos a penar para chegarmos todos a lado algum. Ainda assim, se ninguém faz peito com o orgulhosamente sós e pelintras, também não vejo quem seja capaz de encimar a manif com uma proposta alternativa (a que passa por continuarmos no Euro e por isso pagarmos as dívidas nos termos dos credores) que garanta aquilo que o actual Executivo parece não lograr com as suas opções.
Temos pois mais um levantamento popular contra os que lá estão sem que alguém se preocupe com quem lá vamos meter depois, ou mesmo o Presidente da República por nós, caso a coisa até resulte na demissão do Governo.

É aqui que a lógica me trai na vontade, mesmo sem acesso ao Facebook onde agora tudo parece acontecer, de ajudar a engrossar fileiras. Não me revejo em iniciativas capazes de provocarem um efeito que ninguém pelo menos se afirme capaz de controlar, em climas de instabilidade política que ainda fragilizam mais as nações em aflição, como os exemplos grego e italiano tão bem ilustram.
Vejo imensa vontade de desfazer coisas, governos e assim. Mas não noto indícios de alguém saber como recompor as mesmas coisas depois.

E as lições da História, tão ignoradas, confirmam que são sempre uma péssima ideia os becos sem saída políticos quando se circula nas ruas da amargura financeira e social.

maio 01, 2012

É que os sindicatos não fazem desconto em cartão...


Hoje é Dia do Trabalhador e as grandes superfícies decidiram abrir as portas, privando os seus colaboradores de celebrarem esta data tão cheia de valor simbólico.
Os sindicatos, em sintonia com os seus princípios mas não com os fins da população, insurgiram-se contra essa prepotência do patronato.
O patronato reagiu, com promoções de arromba.
E o público aderiu em massa à forma de luta moderna, a compra violenta, instalando o caos nos hipermercados.

Acho que quanto aos valores estamos conversados. E a avaliar pelo cenário nas caixas dos hipermercados serão com toda a certeza valores elevados...

março 06, 2012

A posta que o que faz falta é acordar a malta


Desabafava tempos atrás o Primeiro-Ministro no exílio, José Sócrates, que não há coisa pior para um político do que uma crise. Concordo.
Deve ser terrível para quem não tem ovos sequer para uma omoleta de promessas e se vê obrigado a substituir o sorriso polaroid por uma carranca mais consentânea com o figurino geral.
Isso preocupa-me enquanto cidadão dependente de uma política mais sorridente, claro.
Porém, embora admita essa ligeira consternação pelo drama humano de um político sem coelhos na cartola ou, no caso concreto, mesmo já sem cartola, tenho que puxar a brasa à minha sardinha de pelintra e aproveitar a engenharia do raciocínio acima:
Não há pior para um gajo teso do que a falta de dinheiro.

Isto dito assim parece bem menos profundo do que é. Mas mesmo as ideias de quem não completou a licenciatura mas assume isso com toda a frontalidade podem ter baixios.
O problema não é menor, se tivermos em conta as proporções entre a aflição do político obrigado a gerir uma crise e a de um gajo teso intimado a resolvê-la.
De resto essa diferença passa pela descontracção com que o actual PM assume a sua determinação em gozar as férias no Algarve como de costume, enquanto para a maioria dos tesos isso das férias é apenas mais um período no qual se torna demasiado óbvia a falta de liquidez.

Mas dizia eu que a falta de dinheiro atrapalha imenso o gajo teso. Isto acontece porque o sistema está pensado no sentido de punir quem se atrasa a cumprir, numa lógica perversa porque desenhada para enterrar ainda mais quem já nada em problemas. Ou seja, a pessoa tem falta de dinheiro e isso implica penalizações pecuniárias que a agravam.
É fácil de perceber como a coisa funciona numa dinâmica trituradora de efeito dominó que só abranda quando o gajo teso já nem mexe porque nada sobra para lhe confiscar, numa bola de neve que se torna imparável depois de somadas todas as alcavalas.
Este ciclo vicioso acaba por ilustrar aquele que os governantes sentem na pele de terceiros quando se vêem a braços com uma crise não propriamente sua, com as perdas e penalizações e juros a não permitirem a saída do vermelho porque, lá está, a lógica do sistema não engloba a abébia para os prevaricadores: se tem pouco e não chega, para castigo fica sem nada. Ou ainda pior, fica com menos qualquer coisa do que nada porque as dívidas são para honrar mesmo quando já não existam meios para o efeito e empréstimos são para quem deles não precise porque até consegue pagar a respectiva prestação.

Nestes becos com saída garantida do sistema a falta de dinheiro é mesmo do pior porque a quem menos tem é a quem a coisa mais faz doer, implacável na sua purga dos que não merecem pertencer ao mundo dos que valem apenas porque têm e os restantes constituem-se embaraços, maus exemplos como grãos numa engrenagem pensada para a prosperidade globalizada e incapaz de processar a situação inversa.
E enquanto aos políticos apanhados por uma crise é atribuído um rótulo de incapazes que os afasta do centro do poder político mas os aproxima do poder financeiro ávido de retribuir uma simpatia para encorajar outras, aos gajos tesos apanhados no mesmo contexto é exibido o chicote do flagelo social associado ao estatuto de caloteiro para os manter à distância de qualquer poder que não aquele que lhes permite votar nos que depois retribuirão o gesto, nunca se abstendo, uma vez esmifrados até ao tutano, de os votarem ao maior ostracismo que a democracia permita e a sociedade seja capaz de tolerar.

fevereiro 12, 2012

A posta que eu acho (em tons laranja e laivos rosados)

Eu acho que dar importância à expressão “piegas” quando provinda da boca de um Primeiro-Ministro de uma nação mergulhada numa crise sem precedentes no tempo de vida dos portugueses a quem a dedicou é um desvio colossal da concentração necessária para cumprir à risca as instruções do ministro das finanças alemão (ou chinês, ou angolano, ou qualquer outro que se disponha a entrar com a massa) e tudo o resto são pintelhos a que nem um líder da oposição que se recusa a governar o país antes de 2015 (deve ter várias entorses agendadas até lá), numa abstenção violenta perante a gestão ruínosa como ele próprio a define, ousaria enfatizar nas suas intervenções tão discretas quanto inconsequentes.

julho 04, 2011

A posta muda para melhor

A maior ameaça para a coerência, essa aparente bitola da idoneidade e até da inteligência de uma pessoa, é a passagem do tempo.

Claro que podemos equacionar um cenário de absoluta imobilidade e ausência de comunicação por parte de alguém maníaco da coerência, quem não tem a sua (a mania)? Mas aí temos a coerência tão posta em causa, filosoficamente se quiserem, pela incoerência óbvia entre a humanidade de quem liga a essas coisas e a postura inerte de um vegetal, como pelos efeitos da dinâmica de qualquer existência sobre as melhores intenções e as mais firmes convicções de que sejamos capazes.

A coerência é um ideal utópico, como qualquer outro dos que abraçamos para podermos manter viva a luta pelo absurdo a que chamamos perfeição.

É uma cenoura como outra qualquer para nos obrigar a combater a preguiça mental, bute lá ser coerentes para alguma coisa nesta vida feita de incógnitas e de imprevistos fazer sentido.

E a malta entretém-se assim, nem que seja a debater a incoerência dos outros para reforçarmos a fé na que julgamos dominar mesmo quando os factos nos obrigam a inventar desculpas para as falhas inevitáveis.

Ah e tal, virei à esquerda quando devia ter virado à direita mas foi só para não atropelar a velhinha que ia atravessar na passadeira. A incoerência esbate-se assim na obrigação de arrepiar caminho por força das circunstâncias, mesmo que a tal velhinha estivesse apenas a espreitar a montra do outro lado da rua e sem qualquer intenção de atravessá-la.

São as nossas decisões tomadas em função das conjunturas que muitas vezes nos obrigam a reconhecer (nem que seja pela crueldade de todos os outros a identificá-la) a incoerência que nos faz sentir tão desorientados por constituir um dos pilares da nossa estrutura de funcionamento básico. Digamos que se fossemos um barco à deriva a coerência funcionaria como uma espécie de farol à vela e com um GPS programado para estar sempre à nossa vista mas sem que alguma vez o pudéssemos alcançar.

A tal cenoura que referi acima...

Não julguem que não tenho a noção de que estando desse lado que é o vosso, a ler os dislates de um marmanjo qualquer que nesta ocasião sou eu mesmo, pensaria de imediato: olha o cabrãozinho a tentar dar a volta à coisa a ver se passa despercebido nas toneladas de incoerências que este mesmo blogue regista...

É essa a nossa reacção instintiva contra qualquer ameaça à coerência pela qual tanto pugnamos e nos permite, por exemplo, apanhar os intrujas com a boca da mentira na botija da estupidez. Sim, a coerência é valiosa também como mecanismo de defesa contra a incoerência que possa trair quem nos queira ludibriar. E por isso, há que defendê-la a todo o custo mesmo que isso possa revelar-se incoerente relativamente à nossa firme disposição de confiar no próximo e assim.

Lá está, a legítima defesa sobrepõe-se à coerência como aliás qualquer pretexto o consegue tendo em conta a tal necessidade imperiosa, visceral, de garantirmos a tal luz que nos guia ao fundo de um túnel sem paredes que atravessamos quase às escuras numa existência minada por pontos de interrogação que, de resto, são outra ameaça letal para a coerência.

Se ninguém perguntar nunca corremos o risco de responder errado, da forma incoerente que, como todos sabemos, é meio caminho para a pessoa, mais depressa do que o coxo, ser apanhada a (des)mentir.