dezembro 13, 2012

Caridade versus solidariedade... ou o apagado e vil discernimento

Não me incomoda particularmente a existência das Isabéis Jonets deste mundo, tão cheio de tão maiores iniquidades e de imbecilidades não inocentes, nem a minha insistência neste tema deve ser considerado como qualquer ataque pessoal à personagem, tão caritativa ainda que tão sem graça.

Mas a personagem mediatizou-se. E fala. Fala pelos cotovelos, pelos pés, que não apenas pela boca, esse aparelho áudio do nosso cérebro. E, assim sendo, põe-se a jeito para colher ecos dos concidadãos, a quem não bastam os governantes fascistóides que vamos tendo, como ainda têm de aturar estes serôdios movimentos nacionais femininos do nosso descontentamento.

Atentemos em dois reduzidíssimos espasmos da suma Jonet, paridos em dois cruciais momentos da vida miserável que nos está a ser imposta, recentes ambos, que nos ilustram acerca de como uma economista arvorada em benfeitora dos pobres através do incremento das negociatas dos ricos, prova à saciedade e, já agora, também à sociedade, qual a barricada pela qual optou:  

«As pessoas passaram a achar que têm direito a todas as prestações sociais e dão-no como adquirido. Muitas vezes, preferem ir para o subsídio de desemprego do que ter um emprego, ainda que ele seja menos bem pago, porque sabem que vão ter a prestação social no final do mês.» (http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Vida/Interior.aspx?content_id=1870626)

«Eu sou mais adepta da caridade do que da solidariedade. A caridade é muito mais. A palavra está desvirtuada por ter uma conotação religiosa, mas para mim a caridade é a solidariedade com amor. Com entrega de si mesmo. A grande diferença é que caridade é amor e solidariedade é serviço(http://www.solidariedade.pt/sartigo/index.php?x=2149)

Perante a perplexidade que tais paupérrimos dislates nos suscitam e que  já foram sujeitos ao crivo de  milhentos comentários críticos, pelo que poupo os meus improváveis leitores a maiores arrazoados, olhemos, agora, com justificado pânico, através da sua biografia oficial, para as instituições onde a senhora, advogada destes (pre)conceitos obscurantistas e desumanos, exerce magistério de influência:

Isabel Jonet, Presidente do Banco Alimentar - Maria Isabel Torres Baptista Parreira Jonet, nasceu em Lisboa a 16 de Fevereiro de 1960, é casada e tem cinco filhos. Licenciou-se em Economia em 1982, na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa. Desde 1993 trabalha em regime de voluntariado no Banco Alimentar Contra a Fome, sendo actualmente Presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares Contra a Fome, Presidente do Banco Alimentar Contra a Fome de Lisboa e Membro do Conselho de Administração da Federação Europeia dos Bancos Alimentares. Nessa qualidade apoiou a criação dos 11 Bancos Alimentares portugueses.
 
É fundadora e Presidente da ENTRAJUDA, instituição de apoio a instituições de solidariedade social numa óptica de gestão e organização. Trabalhou no Comité Económico e Social das Comunidades Europeias, em Bruxelas, entre 1987 e Julho de 1993. Foi adjunta da Direcção Administrativo-Financeira da Sociedade Portuguesa de Seguros entre Março de 1983 e Dezembro de 1986 e da Direcção Financeira da Assurances Général de França em Bruxelas em 1987.
– Dados obtidos no sítio do Banco Alimentar contra a Fome - http://baeslc12.blogspot.pt/2011/05/biografia-de-isabel-jonet.html).

Se não fosse, realmente, digna de se lhe atribuir importância, para quê fustigar a criatura? Mas ela tem uma relevância assumida em cada uma destas instituições, para além de ser continuamente insensada como exemplo maior de altruismo, havendo então que a denunciar bem como a essas instituições como braços «armados» da sociedade esclavagista a que alguma desta gentinha parece apostada em fazer regredir a Humanidade.
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Nada tendo eu a opor ao conceito de caridade, mas não estando nada de acordo com o conceito de que a caridade esteja desvirtuada por conotações religiosas – o que poderá ocorrer na casa e entre os amigos da senhora mas está longe de ter a abrangência que ela lhe quer vestir –, repugna-me muito especialmente que a alminha tenha escolhido criar essa dicotomia de caridade versus solidariedade.   

Vejamos: quando esta senhora assume as suas obrigações fiscais no Estado em que se integra está a praticar um acto de caridade ou um acto solidário? E, cuidado, pois se ela menospreza o carácter solidariamente cívico do pagamento de impostos, poderá estar a promover a desobedência civil... O Gaspar que se acautele. E quando ajuda a erguer o velho que acabou de se estatelar na rua, está a ser  solidária ou caridosa, ou ambas? Ou, caridosa, ajuda o pobre velho a erguer-se e, logo mais, solidária, oferece-se para o levar a casa, mas chama, entretanto, um polícia para participar do buraco no passeio que provocou a lamentável ocorrência?

Se podemos de boamente afirmar que a caridade é um sentimento ou uma acção altruísta de ajuda a alguém sem busca de qualquer recompensa – o que nem sempre é claro, pois algumas almas impolutas sempre levaram isso à conta do deve-haver de acesso ao paraíso… – já o conceito de solidariedade, incidindo sobre o mesmo altruísmo, traz em si, mais entranhadamente, conceitos mais burilados como consciência social, atitude racional e voluntariamente assumida.

Em qualquer dos casos não fará grande sentido criar oposição entre os conceitos, como Isabel Jonet o fez e que, como já se disse, se só servem para perturbar mais mentes já perturbadas, por outro lado desmascaram a sua clara posição ideológica. Porque isto, meus amigos, quer se queira quer não, anda tudo ligado...

E então assim todos ficamos a saber que esta caritativa Jonet é muito mais adepta de oferecer ao faminto o peixinho frito – a tal caridadezinha muito sua  – do que lhe fornecer a cana de pesca, transmitindo-lhe também as condições e os ensinamentos necessários – a solidariedade que Jonet desmerece – para que o tal faminto possa deixar de o ser, mas através da sua individualidade, pela força das suas próprias mãos e na dignidade do seu próprio trabalho.   

E isso, além de imperdoável, está muito fora de todos os avanços civilizacionais ocorridos de há uma pipa de séculos a esta parte. 

27 comentários:

  1. Só me dá para cantar...

    Vamos brincar
    à caridadezinha
    festa popular
    e muita comidinha...

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  2. Esta coisa que as pessoas têm de julgarem estar no vértice superior do polígono da razão, pelo facto de professarem uma fé qualquer que por acaso acreditam ser a única verdadeira...
    A caridade é uma coisa asqueroza, se me é permitida a opinião. Não se deve ser caritativo, mas sim solidário.
    Quando o acto de dar é sinónimo de aumento de vendas, publicidade gratuita e vantagem pessoal, não é legítimo considera-lo de outra forma que não seja esta; asqueroza.
    Dar um pacote de arroz e de leite a quem ficou sem emprego, sem casa e sem família é quase kafkiano.
    Um mero apuramento diário das comissões que um só Banco cobra, por tudo e por nada de forma abusiva todos os dias aos seus clientes, supera várias vezes
    o esforço genuíno dos que contribuem para estas causas.
    Paradoxalmente os que dão são quase todos também vítimas dos saques intermináveis das instituições bancárias e do próprio Estado para o qual descontamos para que este seja solidário, mas do pouco que tem ainda sobre algo para dar...
    Isabel Jonet parece satisfeita com este estado de coisas. Defende a caridade, quando deveria defender a revolta. Ser solidário não tem nada ver com o ser caritativo. Solidariedade é dar o braço á dignidade, ser caritativo é também braço, mas braço direito da subserviência e da conformação,

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  3. Eu nem quis ir tão longe, caro Charlie... Assim c'umàssim, meto a caridade como componente menor de algo maior chamado solidariedade. Mas ela não sabe, a pobre. Ou, pelo contrário, sabe-o demais.

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  4. Eu não só não iria tão longe como acho que classificar a caridadezinha de asquerosa é esquecer que, se calhar, às vezes, o que as pessoas precisam é mesmo um pacote de leite e uma caixa de bolacha Maria. Porque, infelizmente, cada vez há mais gente que até possui a cana de pesca, só não tem é mar onde pescar.
    A caridade não é o pólo oposto da solidariedade e reduzi-las a alternativas mutuamente exclusivas é incorrer na tal falácia do falso dilema (do preto ou branco) que aniquila com tantos raciocínios.
    Grande vénia, OrCa. Ver os cinzentos é o mais difícil mas tu, como sempre, estás lá.

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  5. Charlie, mistura o preto com o branco :O)

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  6. Pronto, é que se por um lado é preciso descernir que a realidade não é feita só de pretos e brancos e que há uma quantidade de transições cinzentas pelo meio, por outro lado, somos vítimas do cinzentismo, essa coisa que é sinónimo de um universo de significados tais como conformismos, desleixo, desinteresse, despersonalização e outros que tais.
    E de facto há muita gente com cana de pesca, que sabe pescar mas a quem é vedado o direito a viver o mar. A culpa não é do pacote de bolacha maria nem do pacote de leite mas relembra o sabor da chucha mergulhada em aguardente, essa nota do tempo da miséria que fazia calar a fome da criança através dos eflúveos da bebedeira.
    A ajuda limite nas situações em que um pacote de leite e de bolachas pode fazer a diferença é algo asqueroso, quando temos no extremo oposto, gente como Mira Amaral e muitos outros de todos os quadrantes que pelo facto de terem exercidoo um cargo qualquer durante meses, recebem uns quantos milhares de euros de reforma enquanto continuam na vida activa comprando e vendendo bancos.
    É esta gente que tem todo o mar, são tubarões cuja gula não termina nunca e que faz com que os outros se tenham de satisfazer com um pacote uma ou duas vezes por ano e dado por outros que precisam tanto quanto eles.
    Não à conformação nem ao cinzentismo: não é igual o que é diferente e quando é preciso dizer que algo é preto que não faltem os tomates para dize-lo

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    1. Não me parece que faltem por aqui tomates, Charlie.
      Mas ainda assim gostava que me explicasses em que medida a minha contribuição para a Missão Sorriso (hoje) ou para o Banco Alimentar (que o é com ou sem Jonet) há uma ou duas semanas é asquerosa, se vai ajudar gente que precisa. Esquece lá o Mira Amaral e a pandilha que por cá anda desde que o ser humano percebeu que pode viver à custa do outro ser humano - porque isso é toda uma outra questão que até podemos discutir, mas que não me parece que tenha grande pertinência aqui.
      Aqui, tens gente que precisa e gente (como eu) que pode dar. É isso que está em causa. E não dar, fundamentando a minha atitude em argumentos pouco relevantes para quem ficaria sem o pouco que recebe, parece-me ainda mais asqueroso.

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    2. Eu achoi que estais a falar de coisas diferentes. E eu concordo com ambos. Mas, em termos práticos, não me revejo nesta forma de angariar comida para quem precisa. Não pelos que compram e oferecem, que admiro, mas pelos que se abotoam com isto, como é o caso do Continente.

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    3. Êxactamente São Rosas
      A Ana é uma mulher linda e generosa e a dádiva dela é genuina e solidária.
      Já o mesmo não posso dizer da caridade como instituição permanente, conceito que nos remete de imediato para a estratificação da sociedade coisa que quero que seja dos tempos passados.
      A solidariedade como valor permanente do viver colectivo e isso é expresso nos valores da sociedade, trabalho e respeito pelos outros sendo a caridade (passe o termo)aceitável apenas como excepção, muito excepcional e não o festim - nas campanhas recorrentes - para os Hipers que passam para a opinão pública o compromisso com a solidariedade expressa na dádiva de bens que eles VENDEM!
      Ou seja, ganham, lucram, com a generosidade alheia, e isso é asqueroso...

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    4. Por outro lado, tendo participado em tempos em coisas dessas, ainda hoje sinto um amargo de boca pelo facto de saber o destino que muitas das dádivas levam.
      Ainda está recente o resultado de uma ultima grande campanha que deixou apodrecer grande parte dos alimentos, e fez desaparecer outros .... sem rasto

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    5. Pois... eu acho que à Ana faltam esses dados...

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  7. Não me faltam dados alguns, caríssimoa. Conheço até quem afirme a pés juntos que alguns dos (melhores) bens recolhidos vão directamente para casa dos participantes das campanhas.
    E mais, não estamos a falar de coisas diferentes, não senhores, só não concordo convosco. Afirmar o que estão a afirmar (que este tipo de solidariedade é asquerosa - porque sou solidária, não caridosa ou generosa - só porque alguns elementos são desonestos ou algumas campanhas acabaram mal, é equivalente a dizer que o subsídio de emprego deveria acabar porque (como diz uma faixa da sociedade) serve para sustentar quem não quer trabalhar.
    Se calhar era giro pensarem um bocadinho melhor sobre o assunto, digo eu...

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    1. Ana, relê o que escreveu o Charlie. Ele diz em algum lado que a solidariedade deste tipo é asquerosa por parte das pessoas que dão os produtos?! E agora incluis-me como estando a afirmar isso?!
      Se não te faltam dados em relação ao que o Jorge escreveu e o Charlie comentou, então temos claramente opiniões diferentes. BOA! Haja algo em que discordemos!

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    2. Não, não diz, de facto. Mas as pessoas só dão os produtos porque há campanhas do BA e afins. De outro modo, até se esquecem (como eu), ou afirmam (como tantos afirmam) que não há fome em Portugal.
      Temos opiniões diferentes, temos.

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  8. Porque a Jonet é uma besta enquanto pessoa e o que a move serão valores diferentes dos meus, mas está à frente de uma instituição que fez mais por quem precisa do que eu alguma vez serei capaz de fazer. Ou vocês. E das duas uma, ou vamos para lá nós, para que aquilo mude e os alimentos não se estraguem (o que me parece, inclusivamente, estranho, porque o tipo de bens que pedem não deveriam estragar-se assim), ou montamos uma instituição diferente para melhor, ou temos de nos refrear no tipo de crítica e pensar (sempre) na argumentação do outro lado, sob pena de caírmos em extremismos e de pensarmos abrindo só uma "gaveta" (ver post anterior).
    Quanto ao Continente, nem sequer entendo: o Continente, o Pingo Doce, a mercearia da esquina são empresas com fins lucrativos, que vendem bens em troca de um valor - isso é errado? Se não querem comprar lá os produtos para dar a quem precisa deles, fabriquem as bolachas, a massa e o arroz - que isso não seja um impedimento!
    Desculpem-me, mas acho que estão a ser dogmáticos e de facto, se assim for, não estamos no mesmo comprimento de onda...

    P.S. - Não sei o que é que a beleza (discutível)e a generosidade (que não é qualidade minha) são para aqui chamadas, ó Charlie, mas obrigada pelo que penso ser um elogio, ainda que infundado. :)

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    1. Olha, só li epois de comentar ali em cima.
      Estamos a ser dogmáticos?! Eh, pá, por dizermos (pelo menos eu digo) que isto da solidariedade dá pano para mangas de desvios aos princípios com que aparecem?! Estás a por-me a cabeça confundidinha de todo, Ana...

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    2. Estão a ser dogmáticos na medida em que o Charlie diz que a "caridadezinha" é asquerosa e tu fundamentas a tua concordância com o "abotoamento" do Continente. Claro que (como tudo) dá pano para mangas. Mas ou a caridadezinha é asquerosa ou não é. Pode ser mais ou menos asquerosa, também. Eu prefiro focar-me em ajudar quem tem fome, na medida das minhas possibilidades e egoísmos, através do BA ou não. Porque não sei fazer mais, não tenho estômago para voluntariadio e admiro quem tem.
      Se abolíssemos tudo quanto implica desvio de fundos e (sobretudo) de princípios, já pensaste com quanto ficaríamos? Pois.

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    3. Ana, como eu já disse: respeito e admiro quem dá para estes peditórios. Eu é que passo por foleiro (até contigo... só que me chamas dogmático) por ter que gramar os olhares de desdém das pessoas que me esticam um braço com o saco à frente da entrada do Continente e eu faço um gesto de pedido de desculpa por não levar o saco.
      Gostava de me sentir bem fazendo o que tanta gente faz (o nosso amigo Rafaelito, por exemplo, cruzou-se comigo no dia do peditório, porque foi de propósito lá só para fazer compras para o Banco Alimentar), mas não consigo.

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    4. Paulo, chamo dogmático a quem quer que seja que esteja tão agarrado a uma ideia ou atitude que não seja capaz de ver a ideia ou atitude contrária. Não leves a mal, não foi com um intuito insultuoso, como sabes é parte do meu vocabulário diário. Por princípio, também não daria, porque não acho que deva ser função minha ou do BA a almimentação de quem tem fome. Mas a fome dos outros não se compadece dos meus princípios, porque eles não enchem barriga. Percebes?

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    5. Atropelaste-me... mas estou bem... fora uns ossos partidos :O)

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  9. Só para que fique claro: o (meu) ideal é um mundo em que ninguém passe fome e o conceito de dar seja reservado para presentes supérfluos - não porque deixemos de ser generosos mas porque ninguém precisaria.
    Não sou contra a estratificação da sociedade porque isso é ser contra a dependência do ar que se respira. As pessoas são todas diferentes e nunca haverá igualdade absoluta, para além da de oportunidades, que pode ser forçada.
    Mas também sei que essa desnecessidade da ajuda nunca vai acontecer, pelo que nem vale a pena afastar o papel essencial que as associações sem fins lucrativos têm nestes casos. O Continente tem publicidade gratuita (como o PD, o Lidl e afins)? Tem. E as pessoas também: põem fotografias no Facebook com as t-shirts da ordem e podem invocar o seu passado e presente de voluntários. Quem ganha? Todos, desde que isso sirva para que as pessoas contribuam mais.
    É a minha visão, não é lei e pode ser discutida. Mais do que a idealista que já fui, tento ser prática - e isto sou eu a ser prática: não me rala mais o que move as pessoas (desde que não atentem contra direitos, liberdades e garantias) do que o resultado que tem. Ou seja: há gente que não tinha o que comer e agora tem? Então bestial. E se o tio Belmiro ganha em publicidade e se dão tempo de antena à Jonet (e só dão porque as pessoas a ouvem) e se os voluntários enchem o peito para dizer que o são, tudo isso é menor. Há gente que tem a bolacha Maria (ou o sortido da Cuétara) que não teria de outro modo.

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  10. Olha, só aqui vim agora dar com esta chuva de meteoritos opinativos - o que é sempre bom, diga-se - e que eu terei desencadeado lá mais para cima... Então, já agora, lá opino eu também, numa de consensualização:

    - Na verdade, à medida que há mais homens, assiste-se a um aumento de desumanidade, o que é uma coisa terrível.

    Há, então, algo em nós (não em todos, é certo, mas em muitos de nós...) uma necessidade imperiosa e urgente de pensarmos ou lembrarmo-nos do «outro». E acudir-lhe na necessidade, talvez como resquício de conceito de sobrevivência tribal que nos é atávico. Talvez por (de)formação cultural, com mais ou menos religiosidade à mistura...

    Dar o que temos em demasia - seja património material ou imaterial - é, pois, próprio do homem e cada uma dessas dádivas será um acto que reflecte o que temos de mais nobre em nós.

    Por força desta minha opinião, devo confessar dogmaticamente que quem dá o que quer que seja tem, para mim, o perdão reconhecido e imediato.

    Já o mesmo não me ocorre em relação a quem - sempre, claro, imbuído das melhores intenções - organiza as dádivas alheias. E apenas aqui bate o ponto.

    Dou-vos um exemplo preverso: a campanha de recolha de livros oficial que foi feita, há una anos, para Timor deu origem a vários contentores com livralhada a apodrecer, em Dili, por falta de burocracia expedita e capacidade organizativa de promover a sua distribuição. Quase ninguém falou disso...

    Mas uma campanha idêntica posterior, feita por uma instituição sedeada em Lisboa e cujos mentores se deslocaram ao terreno, arrostaram com a burocracia e outras dificuldades, e distribuíram a segunda recolha, poderemos dizê-lo, «porta a porta», teve um sucesso espantoso, manifestações de júbilo e reconhecimento geral, com plena divulgação em todo o território timorense.

    Qual a diferença? Pois, apenas o empenhamento no resultado final, com acompanhamento directo, como é imperativo.

    Assim dito, até parece que se resgata a imagem da Jonet. Mas não. Porque na origem esteve a dádiva voluntária, num e noutro caso. No resultado final verificou-se o empenho e a organização de uns contra o alheamento de outros, que se esgotaram no acto da recolha.

    O problema que nós discutimos é outro, entretanto. Imaginem que a recolha de livros apenas poderia ser feita com exemplares adquiridos na Bertrand ou editados pela Leya... Ah, aí eu nunca teria oferecido livros para Timor, como fiz na primeira e na segunda vezes.

    É apenas isso que está em causa. Tirando isso, bela é a Ana, o Charlie, a São e eu próprio. Somos lindos de morrer - o que calha bem, pois o mundo acabará hoje...

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    1. Pois, damos, é bom dar, dar reconforta a quem recebe e a quem dá.
      Mas transformar isso numa instituição alivia as obrigações que o Estado assume e impõe aos cidadãos. Se querem saber, gosto de dar, e dou muitas vezes em muitas circunstãncias nomeadamente no âmbito profissional, mas dar para uma coisa que é uma caixa negra, é-me muito desconfortável. A palavra caridade tem para mim, talvez de forma exagarada, assumo pela proximidade de uma má experiência, uma conotação negativa.
      Deixar apodrecer alimentos, livros, gestos de solidariedade que alimentam máquinas económicas e Estados filhos-de-puta que sugam os cidadãos é-me .... (a palavra feita)

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