setembro 01, 2007

A minha quinta carta de trás da Serra na revista Perspectiva

Olá,

Espero que as coisas estejam mais calmas aí pela capital, agora que têm um novo presidente da Câmara, pois já andávamos todos demasiado preocupados com tantos problemas que Lisboa apresenta. Nem conseguíamos dormir, a pensar nos radares da segunda circular, nos contentores entre a cidade e o Tejo, no endividamento da Câmara, nas contas das empresas municipais, nos indícios de corrupção, nos assessores dos vereadores, nas alterações do PDM,...
Mas o que mais me tira o sono são os ataques pessoais e polémicas constantes entre pessoas de partidos diferentes e o vergonhoso fechar de olhos – quando não há mesmo elogios públicos – às maiores boçalidades que possam ser ditas ou asneiras que possam ser feitas, quando se trata de alguém do mesmo partido. É por estas e por outras que dou razão aos meus Pais e à minha Avozinha, professores primários (agora seriam professores do ensino básico), que me ensinaram, quando eu era criança, a resposta a dar quando me perguntassem qual é o meu partido: "A minha política é a política do trabalho". E, de facto, há valores que parecem ser inconciliáveis, pelo pouco que me posso aperceber daqui, detrás da Serra.
Recordas-te quando o meu Pai voltava a pôr no ninho, nos beirais do telheiro da escola, os passaritos que de lá caíam e conseguiam sobreviver? De o ver ajudá-los a voar quando já tinham penas mas ainda não confiavam em si próprios? Lembrava-me depois dessas avezitas sempre que, ao longo dos anos, tantas pessoas o iam visitar a nossa casa, muitas vezes vindos daí, da capital, ou de França, ou de outros países para onde tinham emigrado... para o rever e lhe transmitir como foi importante nas suas vidas.
O meu Pai tinha sempre uma anedota ou uma história engraçada da sua vida para contar. Como aquele aluno que tinha cinco anos de escola mas não conseguia passar da primeira classe. Um dia, o meu Pai escreveu um "i" no quadro, esmerando-se em realçar com o giz a pintinha em cima. E chamou o Zé:
- Zé, vem ao quadro e vê se me dizes que letra é esta.
O Zé olhou para o quadro fixamente e afiançou:
- Eu sei... mas não me lembro!
- Vê lá, Zé, que até tem uma pintinha no cimo – recordou-lhe o professor.
- Ai, Jesus! Mas eu sei! – tornou a afirmar o Zé, metendo um dedo na boca, num esforço enorme para se lembrar. O professor tornou a ajudá-lo, com a paciência das causas perdidas:
- Ó Zé, então qual é a única letra que aprendemos a escrever até agora que tem uma pintinha?
Como um relâmpago, o dedo do Zé sai disparado da boca e aponta para o quadro, enquanto da sua boca orgulhosa sai a resposta tão esperada:
- Ah! Pois! É o que eu pensava: é um nove!
Um caso idêntico foi o de um moço que, após vários anos na escola, também não conhecia sequer as letras. Como estava muito alto, não podia continuar à frente, junto das crianças de sete anos. E por isso o meu Pai colocou-o nas carteiras de trás, onde estavam os alunos da terceira classe. Foi eufórico que o garoto chegou a casa nesse dia e disse para a Mãe:
- Ó Mãe! Hoje passei para a terceira classe!
Noutra ocasião, numa campanha de educação de adultos, uma colega do meu Pai reparou que, na prova de redacção, um aluno bufava, suava... enfim, estava apatetado de todo. E tentou animá-lo:
- Então, o senhor sente-se mal? Quer um copo de água?
Responde o adulto:
- Não, minha senhora, eu não estou mal. Estou preocupado com o palerma do meu irmão, que na redacção se foi meter com o boi e a vaca. Ora, eu já me vejo atrapalhado só com o boi, quanto mais meter a vaca também!
Se quisermos e se estivermos atentos, podemos aprender muito com estas histórias, não achas?
E é com os olhos rasos de saudade que me despeço e te mando um abraço que, mesmo distante, é bem apertado.

Paulo Proença de Moura
Página on-line da revista «Perspectiva». Na secção das Crónicas estão disponíveis todos os meus textos anteriores.
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O meu colega e amigo dos tempos de faculdade, Fernando Bravo, enviou-me esta história idêntica, que se passou com ele:
"Embora tenha o privilégio de ter conhecido a história do Zé em primeira mão, fiquei muito contente de te ver (em fotografia não mudaste muito) e de te ler (não sabia que eras escritor, mas agora com a Margarida Rebelo Pinto...).
Relativamente ao teu artigo só lhe faltou o shotaque para ser perfeito, mas enfim, não se pode ter tudo.
Já agora aí vai uma que se passou comigo e podes usar: Uma aula de Ciências da Natureza, 6º ano, em que o professor (este humilde servidor público) já estava com os cabelos em pé com a quantidade de «Zés» que tinha na turma. De cabeça perdida digo: «Vocês são é burros!». Responde o Francisco, todo zangado: «Eu não sou burro. Não tenho cornos!» Fez-se silêncio e muito suavemente começam a ver-se sorrisos, depois risinhos e, por fim, gargalhada geral. Nisto há um dos outros «Zés» que corrige o colega: «Ó burro! Aquilo que tem na cabeça são orelhas!». Resposta do Francisco, um pouco encabulado: «Ou isso!»."

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