julho 31, 2011

A posta no Direito do Consumo

Só se perde o norte à importância do que fazemos na Blogosfera e ao que pode representar quando deixamos de reparar na crescente perda de relevância da Comunicação Social, em boa medida pela manifesta perda de independência que acontece lá fora como aqui (há exemplos de colagem tanto ao poder político como ao financeiro) mas também pelo critério de selecção vigente em matéria de temas a abordar, tanto no assunto escolhido como na perspectiva, normalmente preguiçosa, como o abordam.

Existe uma faceta lúdica nisto de blogar e eu nunca a reneguei. Porém, não consigo ficar alheio ao quanto podemos, se assim o quisermos, aproveitar este estatuto freelancer para tentarmos corrigir alguns desvios dos que acima destaco.

Isto não implica que a Blogosfera possa ou deva assumir um papel que compete aos jornalistas enquanto não destruírem a sua credibilidade de vez. Mas acaba por equivaler na sua essência à necessidade do surgimento de movimentos sérios de cidadãos no sistema democrático para compensarem o progressivo distanciamento entre os Partidos e a população.

Está em causa a existência de alternativas que a Democracia permite e a cada cidadão compete abraçar.

Esta, por ora, é a minha.

E nesse sentido vou debruçar-me ao longo da próxima semana sobre um assunto que me parece um viveiro de histórias mal contadas pela Comunicação Social, o que encaixa na perda de independência que refiro acima pois envolve os interesses directos do poder financeiro, nomeadamente as empresas a quem (e só a essas) o Direito do Consumidor, e é esse o meu alvo nos próximos dias, intimida.

Para o efeito irei basear-me no trabalho da única associação que considero legítima representante dos interesses dos consumidores e cuja falta de projecção me parece um péssimo sinal em termos do que está em causa nesta área tão delicada, a Associação Portuguesa de Direito do Consumo, e conto postar, para além das abordagens que me ocorram, uma entrevista ao Prof. Dr. Mário Frota.

Conto com o vosso interesse nesta minha incursão por um tema que a todos respeita e espero conseguir oferecer-vos um trabalho à altura das nossas expectativas.

julho 27, 2011

«A história das coisas»

Este vídeo, sugerido pelo Eduardo Martins (Ejemart) mostra os problemas sociais e ambientais criados como consequência do nosso hábito consumista, apresenta os problemas deste sistema e mostra como podemos revertê-lo, porque não foi sempre assim.
Vinte minutos preciosos sobre a produção, o consumo e o lixo.
"O vídeo fala de consumo. E do excesso do mesmo. E do “Fim do Mundo” como o temos conhecido.
Nesta situação de crise não só local, mas mundial, todos temos tido, com percentagens diferentes, culpas no cartório.
O bater com a mão no peito e dizer “mea culpa” e continuar a fazer tudo igual, só não perpetuará a situação, porque ela terá um (triste) fim a cada vez mais curto prazo…"
Eduardo Martins (Ejemart)

julho 26, 2011

Em busca da explicação perdida

Tenho  muitas questiúnculas, com muitas coisas e muita gente, já se sabe.
Uma delas prende-se com a ausência de explicações. Acredito firmemente que tudo tem uma causa, ainda que ignota, da mesma forma que todos os comportamentos terão um motivo, ainda que nunca me venham a dar conta dele ou, na pior das hipóteses, que eu tenha de o encontrar sozinha, sem certezas de ter encontrado o correcto.
Tarefa inglória?
Muito provavelmente.
But you can't blame me for trying.

julho 24, 2011

Das mensagens subliminares



Tenho um imenso problema com a falta de clareza.
Normalmente, num grupo de amigos, sou presa fácil para aquele tipo de piadas com segundas intenções, em que é suposto que alguém caia: não há que enganar, sou sempre a primeira (e normalmente a única) a cair. E rio-me muito quando percebo (porque alguém me dá o toque, ou antes, me explica direitinho) onde estava a ratoeira. Mas volto a cair (e a rir) logo a seguir.

Ora quanto a isto, nenhum problema.
O caso torna-se um nadinha mais grave quando é suposto que eu perceba mensagens veladas que não me são directamente dirigidas: uma boca, uma canção, um poema, a alusão a um facto de forma abstracta. Nunca parto do princípio que é a mim que se referem. Por que deveria partir?!
Quando me são dirigidas sem margem para dúvidas, também não basta: tenho de tentar perceber o que se quer dizer por detrás do que se diz, para bem da minha mente analítica e para mal da comunicação que o outro pretende erigir a partir daí.

Ora ponha-se a hipótese (meramente especulativa, já se sabe) de eu ter dado de caras com algo que, lá no íntimo, até creio poder ter sido feito/dito a pensar em mim. O meu procedimento é sempre o mesmo: encaro, tento chegar a todas as interpretações possíveis e nunca me satisfaço com nenhuma, porque todas as outras fazem igual sentido.
(De resto, sempre me fez uma imensa confusão quando, no secundário, em Português ou Filosofia, os professores me ensinavam que naquele verso/passagem, o autor queria dizer X. Mas como? Porquê? Se é necessário interpretar é porque a mensagem não é cartesianamente clara e distinta, logo... por que razão devo aceitar aquela interpretação como a mais correcta, afastando a angústia de nunca vir a saber a quem se referia Dom Dinis numa Cantiga de Amigo ou o que pretendia Lévinas dizer numa das suas muitas obras, sem margem para enganos?)

Adoraria ser daqueles indivíduos que não só percebem mensagens subliminares como respondem no mesmo tom. Acho cool. Mas sou incapaz, por mais sedutora que esta atitude, ao que parece, seja encarada pela maioria. E, voltando à meramente especulativa hipótese do parágrafo acima, aos algos que suponho terem sido publicados por mim (porque para mim não foram, uma vez que o meu nome não consta em parte alguma), se eu soubesse comunicar no mesmo comprimento de onda, responderia com uma música: Teresinha, de Chico Buarque de Holanda, supremamente cantada por Maria Bethânia (mas também por ele); e isto porque julgo que tem uma letra que se adequa. Quer dizer, adequa-se moderadamente, já se sabe, jamais conseguiria quedar-me pelo "toma lá a canção e lê aí o que quero dizer". Porque eu não quero certamente dizer o mesmo que Chico sentiu quando a escreveu ou Bethânia sente quando a canta. E não resistiria a acrescentar que àquele que "me chegou como quem chega do nada", não lhe bastava deitar-se na minha cama e chamar-me de mulher: tinha de me dizer quem é e ao que vem e não fazia mal nenhum que, como aquele que "me chegou como quem vem do florista", me chamasse de rainha. E, já que estava com a mão na massa, ainda acrescentaria uns petites riens de minha lavra.

Conclusão?
Sedutora é a transparência, são as palavras ditas olhos nos olhos, as músicas cantadas mão na mão e as emoções sentidas com verdade. Isso sim, é sexy e absolutamente irresistível.

julho 23, 2011

Por analogia

É por analogia que, tacteando, vamos conhecendo o mundo.
É porque um sítio nos faz lembrar outro que nos faz recordar emoções felizes que passamos a gostar dele. Compramos o livro seguinte de um autor que já nos agradou e recusamos o de outro, porque o anterior pusemo-lo de parte aos primeiros parágrafos. Do mesmo modo, o inverso: porque uma música parece possuir acordes semelhantes aos de uma outra, que nos enerva, pômo-la de parte. Porque um país tem um clima similar ao de outro, que nos desagradou, guardamos a viagem para as calendas gregas.
Mas isto é o mundo e com o mundo lidamos bem.
O problema são as pessoas, cada uma dona de infinitos mundos, de que só conhecemos a ínfima parte que nos é mostrada. Vai daí, há que tactear: se A tem um comportamento que nos recorda B e a nossa relação com B não é das melhores, temos tendência a anular A, para cortar caminho e poupar dissabores; se C tem uma gargalhada que nos remete para D e D nos faz feliz, mantemos C e, injustamente, esperamos dele o mesmo que D nos dá (ou deu).
E assim vamos engavetando pessoas e, em cada pessoa, características. Como se de um catálogo de tratasse. Porque é mais fácil engavetar do que adoptar a postura destemida de quem se predispõe a conhecer alguém que deixamos que seja uma novidade absoluta.
E proporcionalmente a catálogos e gavetas arrumadinhas, vamos perdendo tudo o que não podemos arrumar em lugar algum.

julho 22, 2011

Direita radical

Os medíocres são todos de Esquerda, pois numa sociedade onde só os melhores podem chegar à fortuna e ao que de melhor o dinheiro pode comprar, as pessoas sem esperteza, garra e ambição nunca passam da cepa torta.

Esquerda radical

Os medíocres são todos da Direita, pois numa sociedade com rendimentos mais nivelados as pessoas só conseguem dar nas vistas pelo que são, pelo que valem de facto, e não apenas pelo que possuem.

julho 20, 2011

O postigo de oportunidades

A (com)fusão entre o público e o privado, em Portugal, tem contornos de relevância histórica porventura já capaz de ombrear com a gesta dos Descobrimentos ou com a capacidade de resistência popular às invasões napoleónicas…

Vem esta reflexão muito psico-sócio-antropológica a propósito de um singelo facto que tenho vindo a presenciar em diversas artérias lisboetas de (muito difícil) circulação e que consiste no seguinte:

- a par da praga pseudo-moralizadora das máquinas caça-níqueis da EMEL, que proliferam na capital com a bênção interessada da autarquia alfacinha – perdoem-me o desvio, mas não sei porquê, esta coisa faz-me sempre lembrar uma daquelas siglas mais elaboradas e distintivas, muito pós-25 de Abril, do tipo Câmara Municipal de Lisboa (m-l) – coexiste e floresce essa originalidade luso-urbana dos «arrumadores de carros».

E passa-se, então, esta coisa estranha e inovadora… ou talvez não: depois do munícipe pagar com língua de palmo a espórtula à caixinha da EMEL, desembolsa, em paralelo, o eurito ao solícito arrumador, tão solícito que chega a gerir a fluidez do trânsito na gestão dos lugares da sua área de influência, em manifestações surrealistas de poder popular ou sinaleiro de novo tipo, mas perante as quais o munícipe avisado pondera e acaba por considerar melhor largar mais uma moedita, em acumulação, que lhe assegure a tranquilidade de não ter a surpresa do inusitado risco na pintura – o que, se calhar, nem passa, afinal, de outro mito urbano.

Chega a coisa ao desplante organizacional de se poder combinar formas expeditas de dar a volta à fiscalização da EMEL através de acordo com o arrumador de serviço, que se encarregará de ir alimentando, moedinha após moedinha, a gananciosa maquineta apenas em função do aparecimento do fiscal no horizonte.

Para isso, o timorato ainda que espertalhóide utente chega a disponibilizar a chave da sua viatura ao arrumador, numa prova de confiança que, de algum modo, transcende o meu entendimento sobre a natureza humana e a sua infinita diversidade – logo eu que até sou um imensamente crédulo…

Excesso de zelo poderia conduzir-me a rotular o esquema como algo de incipientemente mafioso, ainda, digamos, no seu estado larvar, ficando-me sérias dúvidas quanto à conivência aparentemente patenteada pela autarquia e respectivas «forças da ordem».

Mas não. Má análise esta minha. Creio que devemos mais considerar que se trata daquele espírito de inventiva e criatividade, aquela arte de bem cavalgar toda a sela do desenrascanço, que nos fez e faz passar a vida a dar novos mundos ao mundo.

E se perspectivarmos a coisa em termos de novidades neo-liberais, não é este mais um excelente exemplo da sociedade que (alguns, poucos…) pretendem construir? E, pelos vistos, perante a passividade e avacalhamento instalados, vão podendo.

Não há, no exemplo citado, nenhuma diferença de fundo no que respeita à «capacidade empresarial» que se pede hipocritamente a uma juventude com formação e sem emprego.: que se desenrasquem, mesmo sem norte ou objectivos, mas que deitem mão à moedita diária da sobrevivência, que a EMEL, pela parte que lhe toca, já tem o negócio oficialmente montado.

Pelo caminho, uma versão moderna da lei da selva ou do salve-se quem puder. No que toca a pagar, pagarão os do costume, por hábito, por dúbio civismo ou por elementar medo. E não havendo janelas de oportunidades abertas, que nos baste um postigo.

Belo futuro, se assim nos mantivermos…   

julho 19, 2011

Manobras militares - ainda a propósito de corrupção...

... a Margot fez aqui o seguinte comentário:

"(...) lembrei-me de uma cena com o orçamento do exército.
Há uns anos, muitos anos..., trabalhava eu numa empresa que fabricava hardware e software, veio a divisão do orçamento do Exército pedir-nos uma demonstração do software que nós vendiamos para fazer folhas de cálculo. Estranhámos o pedido, porque nós só vendíamos sistemas de maior porte e não fazia sentido terem que comprar um mainframe para instalar uma folha de cálculo. Por isso tentamos perceber a razão de tão estranho pedido e a resposta veio rápida: «Já tentamos ver as folhas de cálculo que há para PC´s, mas não dão para o tamanho da que nós já temos hoje e que ainda tem que crescer...»
Pedimos-lhes então o ficheiro para convertermos para o nosso formato e lhes fazermos a demonstração. O ficheiro ocupava 3 discos (que hoje seria o cagagésimo de uma pen, mas na altura era um tamanho absurdo) e quando o lemos o que é que vimos?
O orçamento anual do exército português!
No dia da demonstração, apresentaram-se mais de uma dezena de oficiais fardados. Mostrámos a dita folha a correr maravilhosamente na nossa máquina, mas explicámos-lhes que uma folha de cálculo não era propriamente o software indicado para gerir o orçamento de uma organização. E até lhes mostramos o que nós, empresa americana com delegações nos 5 continentes, usávamos na nossa própria empresa, para eles verem as vantagens que tal ferramenta dava. E foi quando eles nos disseram, muito certos do que estavam a dizer: «ah, mas nós aqui na nossa folha podemos alterar os dados todos à vontade, mesmo em orçamentos de anos anteriores, e isso dá-nos muito jeito».
Ah, tão ingénuos que éramos..."
Margot

julho 17, 2011

A corrupção e os murcões - Charlie


A propósito da posta do Shark sobre a corrupção, o Charlie fez este comentário que, por estar em férias com uma "pen da Sapo", não pode publicar:
"O importante na análise sobre a corrupção é precisamente a noção de corrupção: a fasquia. A fasquia, o ponto a partir do qual uma atenção passa a ser mais do que isso mesmo. E isso varia de sociedade para sociedade.
Ridículo que se quisesse há tempo considerar uma oferta até 50 €uros uma «não corrupção» e, a partir daí, já era corrupto quem aceitasse um relógio de 51 €uros!
Os incorruptos Alemães estão até ao pescoço enterrados em obscuridades no que toca aos negócios dos submarinos. As empresas Americanas que actuam no estrangeiro têm todas uma rubrica na contabilidade que se chama «verba para corrupção e subornos». Em África, o suborno e corrupção é o modo de vida dos funcionários públicos: mal pagos que são de modo geral, faz parte da paz social toda a gente pagar qualquer coisa para ter os assuntos resolvidos, nem poderia ser de outro modo já que o Estado, ao quase não pagar aos funcionários, fecha os olhos e conta com a motivação pessoal dos que recebem por fora para resolver os assuntos, sem que para isso tenham que aumentar os orçamentos para pagar vencimentos.
Mas... corrupção é pagar e receber. É privilegiar e preterir, é esconder e denunciar, premiar e castigar, ameaçar ou elogiar, assediar e repudiar. Tudo feito ao sabor dos interesses sem que necessariamente tenha que haver lugar a qualquer dispêndio monetário. Por isso... o que nos choca é sempre a nossa noção de corrupção. O que para nós é corrupção pode ser normal para outros povos e o seu contrário também. Eles podem sentir-se confusos e desconfortáveis com o facto de que uma pequena lembrança, oferecida em troca de um serviço, possa socialmente ser desconsiderada e mal vista.
(...) Os conceitos éticos, que variam ao longo dos tempos, esbarram constantemente com os diabos dos interesses egoístas.
Quando se compra numa loja chinesa por um baixo preço uma coisa qualquer, não saberemos que os preços se devem a exploração de trabalho mal pago, infantil muitas vezes e em condições desumanas? E falamos nós de ética? Ao preferir produtos importados, prejudicando assim os produtores concidadãos e todo o tecido económico associado, desemprego, etc., estamos a ser o quê? Teremos estofo moral para falar de ética? Ou apenas as condutas daqueles a quem se chama de corruptos é que é eticamente condenável?
Numa sociedade marcada pelo cinismo, podemos atirar pedras a quem? Acho que deveríamos fazer como os primitivos Lusos, para não cumprir serviço militar entre os Romanos e ter de combater os seus, partiam a mão direita com uma pedra. Ficavam assim «murcões» e, não podendo pegar numa arma, ficavam dispensados. Talvez fizesse falta atirarmos umas pedras a nós mesmos de cada vez que acusamos alguém de fazer algo que condenamos e não termos que gramar o nome de murcões sem termos a mão que atira as pedras devidamente assinalada com umas pedradas."
Charlie

julho 15, 2011

Super-poderes a sério: a incorruptibilidade absoluta

O povo é sábio e afirma que todo o homem (ou mulher) tem um preço.

Se tivermos em conta a realidade actual será um preço de saldo ou o fenómeno da corrupção não teria proliferado ao ponto de minar o bom funcionamento de países inteiros.

Por outro lado, algures no passado a corrupção era como a pobreza, envergonhada, e ninguém ficava indiferente à respectiva denúncia ou exposição. Isso acontecia porque as pessoas sentiam a corrupção como uma fraqueza ou mesmo uma desonra e tentavam abafá-la dourando a pílula com os factores exógenos ou com as desculpas de circunstância para a falha que não se iria repetir.

Parece ficção, num mundo onde a corrupção é praticada de forma sistemática da base até ao topo das hierarquias e sem critérios de índole social ou outros. Varia o preço que os homens têm e o valor do que se venha a obter de forma que, até ver, dizem indevida.

Mas toda a gente é cúmplice, nos actos ou nas omissões, da generalização desta lei da selva civilizada que distorce a realidade porque desequilibra a igualdade de oportunidades e pode até influenciar de forma definitiva as vidas de quem saia a perder.

Essa é uma das características inevitáveis desse jogo que é a corrupção: não há empate possível.

O tal povo que é sábio sabe mesmo do que fala quando refere a existência de uma tabela com o preço de cada pessoa. Apesar do conforto dos maus exemplos que vêm de cima (a saída airosa mais medíocre de entre as várias possíveis) e que conferem alguma paz de espírito aos aparentes macaquinhos de imitação (se os grandes fazem…), a chamada pequena corrupção é meiga na denominação mas só se nos esquecermos que uma formiga isolada é inofensiva mas ninguém se queira ver enterrado até ao pescoço com um bando delas nas proximidades.

O tal preço individual pode ser determinado pela permeabilidade às tentações como pela ganância intrínseca (há quem prefira chamar-lhe ambição desmedida) ou até pela pressão de determinada conjuntura. Mas se lhe chamam preço é porque algo se vendeu e algo se comprou e dizem que a mercadoria nestas transacções é a alma de quem nelas intervém, corruptores e corrompidos, e nem a tolerância excessiva da própria Justiça perante os poucos casos que a enfrentam conseguiu até agora pintar cor de rosa um fenómeno que só alimenta circuitos medonhos.

Num mundo onde predomina a gula pelo poder e pelos bens materiais ou outros que este confere é muito difícil, se não impossível, encontrar um ser humano absolutamente incorruptível.

E se algum dia descobrirmos uma pessoa dessas talvez valha a pena nem arriscar a democracia e entregarmos de imediato a esse super-herói as rédeas do maior poder que tivermos à mão.

julho 14, 2011

A posta que faço na mesma

Pelos vistos a coisa obedece a um padrão qualquer. Quem se afirmou favorável à despenalização do aborto passou a ser a favor da respectiva prática. Quem advoga a eutanásia é um entusiasta do homicídio. E quem rejeita os excessos legislativos no que respeita ao tabaco veste de imediato a pele do adepto fervoroso da prática fumadora.

Uma pessoa acredita que o senso comum consegue distinguir a defesa da liberdade de escolha, no caso do aborto, e a apologia da sua prática. Mas isso do senso comum foi chão que deu uvas no tempo em que as consciências pareciam uniformizadas num conjunto de valores que se queriam universais à força mas depressa a liberdade, essa marota, os liberalizou ao ponto de quase se substituírem os valores colectivos pela soma de uma colorida paleta de interpretações individuais.

A verdade dos factos ensina-nos que, sobretudo nas questões ditas fracturantes, a emoção sobrepõe-se à lucidez e por isso a compaixão para com o sofrimento terminal de alguém que me move na defesa do direito individual à escolha do momento do fim será sempre distorcida na perspectiva de quem se sinta insultado por essa heresia como muitos a sentem.

Na Islândia, esse país gelado com molho de lava quente, depois de serem banidas coisas tão perniciosas para cérebros congelados como a pornografia, parece que a próxima cruzada nacional incidirá no tabagismo.

Ao que sei os islandeses estão a considerar algo que nem aos fanáticos anti-tabagistas norte-americanos lembrou: condicionar a compra de tabaco à emissão de uma receita médica para o efeito.

Ou seja, e espero ter percebido mal, a pessoa tem que ir ao Centro de Saúde para obter o ámen de um médico para poder comprar um maço de tabaco.

E lá estou eu outra vez na função de advogado do diabo por sentir como uma heresia tentarem impor uma espécie de pedido de licença, de beija-mão, a quem gosta ou depende do consumo de uma substância que a partir desse precedente passa a estar na fronteira da ilegalidade que tresanda ser o objectivo último de quem decide assim.

Mais uma vez não estão em causa as melhores intenções de quem gostaria de ver erradicado no futuro o consumo do tabaco. Esse é o ponto de convergência entre mim e os paladinos anti-tabagistas e sou um apoiante fervoroso de todas as iniciativas tendentes a afastar os mais jovens do contacto com algo que os pode matar no futuro (como o uso de um motociclo, mas esse ainda não entrou na lista negra proibicionista).

Porém, o abuso de poder inerente a esta interpretação da pessoa que fuma, a este misto de infantilização com marginalização sistemática por via legislativa, pode provocar uma alteração de mentalidades que na minha visão do mundo não encaixa.

Estes cruzados das causas politicamente correctas nunca saciam a sua ânsia proibicionista e compram guerras à peça para se manterem activos na perseguição de tudo quanto consideram feio, sujo ou mau. E assim vão impondo um modelo de perfeição com base na intensa pressão exercida sobre quem possa dar corpo às suas pretensões.

É esta a ameaça que representa para mim o mesmo que o sexo, o tabaco, as drogas leves e qualquer fonte de prazer vulnerável do ponto de vista de uma moral duvidosa nas cabeças pseudo-impolutas de autênticas seitas que se congregam em torno das batalhas por uma sociedade sem vícios públicos e, numa intrusão inadmissível, cada vez mais também os privados.

É esta a minha opinião e defendo-a com todos os argumentos ao meu alcance.

Mas não vou por isso tentar mudar a dos outros à força. A da Lei ou outras.

julho 13, 2011

Meio Pão e um Livro
alocução de Federico Garcia Lorca...

...  ao povo de Fuente de Vaqueros (Granada), em Setembro de 1931, aquando da inauguração de uma biblioteca.

(Virá a propósito de breve reflexão, da qual não podemos deixar escapar a data em que foi proferida, mas que nos traz um dos condimentos mais preciosos para a saúde e sanidade dos povos. Com pobre tradução minha, pela qual conto com a vossa indulgência...)  

Quando alguém vai ao teatro, a um concerto ou a uma festa de qualquer índole, se a festa é do seu agrado, recorda imediatamente e lamenta que as pessoas que ele ama não se encontrem ali. «Como gostaria de assistir a isto a minha irmã, o meu pai», pensa, e já nem desfruta do espectáculo a não ser através de uma leve melancolia. Esta é a melancolia que eu sinto, não pelas pessoas de minha casa, que seria coisa pequena e vil, mas por todas as criaturas que por falta de meios e por desgraça sua não gozam do supremo bem da beleza que é vida e é bondade e é serenidade e é paixão.  

Por isso nunca possuo um livro, porque ofereço quantos compro, que são infinitos, e por isso estou aqui honrado e contente por inaugurar esta biblioteca da aldeia, a primeira seguramente em toda a província de Granada.

Nem só de pão vive o homem. Eu, se tivesse fome e estivesse desvalido na rua não pediria um pão; pediria sim meio pão e um livro. E daqui eu ataco violentamente aqueles que apenas falam de reivindicações económicas sem nunca nomearem as reivindicações culturais que é o que os povos pedem aos gritos. É bom que todos os homens comam , mas também que todos os homens saibam. Que gozem todos os frutos do espírito humano porque o contrário é convertê-los em máquinas ao serviço do Estado, é convertê-los em escravos de uma terrível organização social.

Eu tenho muito mais pena de um homem que quer saber e não pode do que de um faminto. Porque um faminto pode acalmar a sua fome facilmente com um naco de pão ou com umas frutas, mas um homem que tem ânsia de saber e não tem meios, sofre uma terrível agonia porque é de livros, livros, muitos livros que necessita e onde estão esses livros?  

Livros! Livros! Eis aquí uma palavra mágica que equivale a dizer ‘amor, amor’ e que os povos deviam pedir como pedem pão ou como anseiam pela chuva para as suas sementeiras. Quando o insigne escritor russo Fedor Dostoyevsky, pai da revolução russa muito mais do que Lenin, se encontrava preso na Sibéria, afastado do mundo, entre quatro paredes e cercado pelas desoladas imensidões de neve infinita, pedindo socorro por carta à sua distante família, apenas dizia: «Enviem-me livros, livros, muitos livros para que a minha alma não morra!» Tinha frio e não pedia fogo, tinha uma sede terrível e não pedia água: pedia livros, isto é, horizontes, isto é, escadas para se guindar aos cumes do espírito e do coração. Porque a agonia física, biológica, natural, de um corpo pela fome, sede ou frio, dura pouco, muito pouco, mas a agonia da alma insatisfeita dura toda a vida.   

Já o disse o grande Menéndez Pidal, um dos sábios mais verdadeiros da Europa, que o lema da República deve ser: «Cultura». Cultura porque só através dela se podem resolver os problemas em que hoje se debate o povo, cheio de fé, mas falho de luz.

julho 12, 2011

Reflexão sobre crise e Democracia...

Num post anterior, e a propósito da informal entrevista concedida em plena rua pelo mestre Galeano, sobrou-me uma reflexão publicada pelo autor deste blogue, como corpo de texto, a sublinhar o respectivo trecho em vídeo e depois um desabafo, o qual agora desenvolvo e partilho em post. Um desabafo triste pela tristeza em que me faz mergulhar a Humanidade, tão fácil de conduzir pelas sendas da estupidez de regresso à barbárie. E apetece-me de repente ser antidemocrático.
Imagino um cenário: centenas de homens, no conforto do seu entorno que os envolve. Uma muralha que os protege na viagem que em conjunto encetam na procura de produtos que a terra proporciona e dos quais vivem. Quando avançam, a muralha avança com eles, metro a metro, passo a passo no meio duma grande alegria. O seu andamento é ditado primordialmente pela morfologia do terreno, quanto mais liso melhor, mas se aliado à lisura, for de toada descendente, tanto melhor: para baixo todos os santos ajudam. No entanto, um dos homens é diferente de todos os outros e passa o dia em cima do muro a olhar mais além dos limites deste. E eis que vê de repente o perigo: a poucas centenas de metros numa dessas viagens, o terreno, fértil e abundante, começa a descer de forma acentuada, o que irá agradar de sobremaneira aos seus companheiros. Mas, logo a seguir, um enorme precipício escancara a sorte: será o desastre se continuarem a avançar na direcção que há tempos vão tomando. O aviso incomoda o povinho que vem espreitar para fora, por entre nesgas do muro. E o que vêem? Nenhum precipício, apenas um terreno em plano inclinado e cheio de coisas boas. Então perante a insistência no perigo vindouro que o homem em cima do muro não pára de acenar, decidem democraticamente qual o caminho a seguir. E democraticamente decidem por maioria que o caminho a seguir é sempre em frente... rumo à fartura e à desgraça... colectiva.
Este cenário, apresentado deste modo, hiperboliza e coloca ao nível da caricatura algo que nos é terrivelmente característico. A História mostra à saciedade como os mecanismos de conforto acabam por aprisionar as sociedades. As protecções criadas acabam por aprisionar e condicionar todo o desenvolvimento e comportamento crítico consequente. Perdendo-se a noção de causa efeito, todos os desconfortos ou ameaças futuras são relegadas para planos, ou secundários ou fantasiosos, perante o desconforto imediato do derrube da (aparente) segurança instalada. Os problemas criados pelo Homem em consequência da sua própria criatividade tem conduzido a sua História pelos caminhos mais díspares: por um lado o avanço do conhecimento; por outro lado a detenção dentro dos muros do interesse e do conforto dos benefícios trazidos por esse mesmo conhecimento. Este comportamento é transversal e é característico em todos os campos da actividade humana. Desde os tempos mais primitivos, desde o segredo do fogo, até às cidades muralhadas, da Grande Muralha da China às patentes de propriedade, em todos os campos o Homem cria e condena a criatividade alheia no campo do qual se apropria, mesmo que essa apropriação seja em última análise e, de forma paradoxal, prejudicial aos seus próprios interesses. Um povo a marchar para a desgraça envolvido pela "propriedade" que o protege de ver a desgraça para onde caminha, eis um cenário que poderia bem ser adaptado aos tempos modernos: um salto sem para-quedas verdadeiro, calmamente perpetrado pelo saltador equipado de óculos virtuais, através dos quais aterra com suavidade no estatelamento fatal.
É um facto que resulta extremamente dificil mudar os hábitos instalados se estes implicarem a noção de sofrimento e de perda, mais uma vez devido ao apego aos paradigmas, à noção básica de conforto instalado em torno da observação de símbolos considerados incontornáveis e essenciais. A ruptura e adopção de novos costumes que impliquem algum sacrifício são dolorosos e desconcertantes para a grande maioria das pessoas e, de modo geral, para o funcionamento das Sociedades. Agimos como um grande Ser colectivo que tem de ter alguns valores perenes em comum e aí entra a dificuldade da mudança graditiva e harmoniosa. Quase nunca ela é possível, como a História mais uma vez demonstra, sem convulsões e passagens violentas: uns sofrem para não ter de sofrer mudanças enquanto outros sofrem para mudar por não quererem viver em sofrimento. Mas o que dizer quando é fundamental, premente até, romper para evitar a catástrofe, e a sociedade não quer mudar e exerce essa vontade pela expressão democrática?
Interrogamo-nos sobre qual a razão pela qual a Humanidade tem de passar periodicamente pela descida à Barbárie, sempre que as soluções civilizacionais em vigor, subordinadas a esses valores, entram em crise. No fundo, o que ressai é a constatação surpreendente, ou talvez não, de que continuamos a ser de facto pequenas tribos primitivas, preocupadas antes de mais nada em sobreviver sejam quais forem os custos, desde que não questionem o intangível à volta do qual tudo se reúne, que em simultâneo envolve e a que de algum modo se possa chamar de Deus(es), num ambiente em que se muda apenas o suficiente para que tudo continue, no fundamental, na mesma....

julho 10, 2011

A posta na mecânica da coisa

Tempos atrás um dos mais ilustres rostos da alta finança mundial concebeu um gigantesco embuste, embarretou pessoas, empresas e até nações.

Foi um safanão terrível na credibilidade do próprio sistema financeiro e o tal ilustre acabou dentro e provavelmente lá acabará os seus dias como castigo para o dispendioso pecado que cometeu.

Boa parte desta aflição, desta crise generalizada a uma escala cada vez mais global, teve início nessa Dona Bronca americana que o subprime afundou. Tem a ver com a tal confiança de que o sistema necessita para poder funcionar conforme previsto: sacar cada vez mais lucro com cada vez menos escrúpulos quanto aos meios e, se possível, de forma discreta o bastante para evitar bolsas credíveis de contestação que possam emperrar os mecanismos fazedores de fortunas que são os fins.

A coisa vista assim soa tenebrosa. E é. E os factos comprovam.

O maior sarilho que Madoff arranjou, dinheiro perdido a malta (“aquela” malta) recupera, foi ter virado os holofotes para uma debilidade do sistema que a populaça desconhecia e o deixa em maus lençóis: a ingenuidade.

De repente ficamos todos a saber que no céu onde o dinheiro a sério acontece, mesmo que para isso a vida dos pelintras cá em baixo se torne num inferno, há diabinhos capazes de aldrabarem as contas para inventarem rendimentos. E há anjinhos capazes de permitirem que isso aconteça de forma impune diante dos seus narizes que, presumia-se, teriam faro de perdigueiro para os malabarismos contabilísticos.

Mas se calhar o sistema estava constipado no sector da fiscalização...

É aqui que a crise a sério começa, quando os analistas descobrem aos poucos as incongruências de um sistema ao qual se destapam também as promiscuidades como a de existirem nas agências de rating ligações a empresas que compram a dívida pública “tabelada” pelos isentos seus associados.

Nenhum sistema, por bem montada que seja a marosca, resiste a tanta devassa das suas fraquezas quando a confiança dos investidores (as bolsas de valores, por exemplo, são muito sensíveis à prudência excessiva) é um dos pilares da sua actuação.

O efeito bola de neve transforma-se numa avalancha de ameaças para estas peças mal oleadas do mecanismo e num instante passamos da constipação fiscalizadora ao motor gripado por lhe falharem as correias de distribuição.

A dúvida instalada depois do escândalo Madoff alertou até os maiores beneficiários da oficina de fortunas para a necessidade de, talvez tarde demais, renunciar à batota e levar o mecanismo à inspecção com a regularidade e o rigor devidos.

O problema é que a dúvida, quando estão em causa as descidas bruscas das classes médias, faz arrefecer os vários entusiasmos indispensáveis para tudo funcionar na perfeição, nomeadamente o consumista que, por sua vez, é a ignição do comercial e de repente temos países inteiros a ligar para a assistência em viagem da divina misericórdia (esta última o sistema não engloba de série).

Por outro lado, quando duvidamos pode dar-nos para questionar realidades que antes nem se equacionavam.

Por exemplo: se o Madoff conseguiu enrolar tantos durante tanto tempo e o subprime com bicho apodreceu maçãs tão lustrosas como a Islândia, quem nos garante que um dia não estaremos a olhar para o passado que nos mandou para a penúria conscientes de que tudo isto da notação financeira era afinal mais uma vigarice de topo que ninguém, sobretudo os lorpas dos políticos que lhe dão o beneplácito e que são enrolados a torto e a direito pelas verrugas do sistema financeiro, topa hoje nessa condição?

julho 09, 2011

"Não sou troca-tintas, eu sou é muito erudito!"

O Prof. Cavaco Silva, reputado académico e economista, ministro das Finanças da AD de Sá Carneiro e por duas vezes eleito Primeiro-Ministro de Portugal, disse, em 2010 (e como bem relembra a TSF) que "não valia a pena recriminar as agências de rating", minorando as possíveis consequências de, à época, Portugal ter sido colocado ao nível "lixo" pela Moody's.
E ficar-lhe-ia lindamente a superioridade intelectual de quem, como muitos, já percebeu que as ditas agências são meros veículos de ataque ao euro, em prol do dólar norte-americano, se ontem não tivesse vindo afirmar que, afinal (e o "afinal" é todo meu), tais agências (que fizeram o favor de nos descer o rating quatro níveis) são uma ameaça.
Em que ficamos, xô p'ssôr? - foi o que quiseram saber (e bem) os jornalistas.
É que afirmar A e não-A de uma mesma realidade, nas mesmas circunstâncias e sob uma mesma perspectiva, é contraditório (já o velhinho Aristóteles o teorizou); mas se as circunstâncias mudaram, se pensámos melhor ou se  novos factos nos levaram a reelaborar o ponto de vista, só temos de expôr o nosso raciocínio e seremos entendidos. Poderão não concordar connosco, mas entender-nos-ão.
Mas para o homem que um dia afirmou nunca se enganar e raramente ter dúvidas isso são pormenores: quem crê que o apanhou em contradição é porque não tem estudos, não sendo, por isso, capaz de proceder à mesma análise económica.

Sim, sim, senhor professor.
Essa de atirar as culpas para os outros quando fizemos merda é muito boa.
Mas só funciona até aos 5/6 anos.
Depois dessa idade, dá jeito reconhecer o erro, pedir desculpas por ele e corrigi-lo.
Mas isto é só mais uma ignorante a falar...

julho 08, 2011

Depoimento de Eduardo Galeano na praça Catalunya, 24/05/11

Jornalista e Escritor Uruguaio nascido em 1940, fala sobre a sociedade e a crise, durante a «acampada» na Plaza Catalunya, em Barcelona.



Charlie:
"Mestre Galeano, um intelectual que diz não o ser.
O dinheiro livre não liberta, aprisiona, diz ao mesmo tempo que cita Goya, sobre a frieza monstruosa da razão isenta de coração.
E não saberemos isto? Não nos soa tudo a déjà vu? A uma verdade de la Palisse? Certamente que sim, dirão todos os nosso cobloguistas.
Mas aí cometemos o erro de julgar que todos julgam tudo pela nossa bitola de valores. Por mais que nos doa vivemos em castas, mais ou menos herméticas. Na era da informação global, é confrangedor darmo-nos conta como pensam e falam as pessoas pertencentes a determinados círculos. Os donos dos Hipers sabem bem, assim como os gestores dos meios de comunicação de massas, chamam-lhes público-alvo e dão-lhes "ratings" - O público tipo A gosta deste ou daquele produto, sempre de excelente qualidade e, no seu conjunto, representa X facturação em potencial de Euros, o do tipo B compra mais barato e adora música pimba mas compra BMW e Sony e se calhar vale tanto como o do tipo A. O do tipo C gasta telenovela TVI e lê a bola e o record e as páginas de notícias escabrosas do correio da manhã e aponta os números de telemóveis das putas que anunciam massagens. As mulheres compram tudo nos chineses e dos 350 euros que ganham num trabalho qualquer queimam mais de três quartos no tabaco e telemóvel. Os homens vão à quinta-feira ver as lutas clandestinas de cães e apanham uma piela. Nunca jantam em casa e têm da família uma noção difusa... Sim, conheço a realidade, entro em muitas casas e sei que vós sabeis que é assim, o meu discurso varia ao sabor do nível do cliente e tenho na boca o sabor a pão amassado pelo diabo.
Isto está mau, não se aguenta a vida, dizemos todos, mas a razão fria de cada um tem uma onda de calor que separa as razões de cada qual.
A praça cheia de gente unida sob uma vontade única de mudança é um momento que de vez em quando a História concede ao Homem.
Mas não nos esqueçamos de algo, terrível, perverso por demais: os Mercados que nos arruínam somos nós mesmos, que compramos e vendemos acções, que queremos juros simpáticos nos depósitos a prazo, que trocamos uma amizade por um bom preço, que queremos o nosso fundo de pensões valorizado. Alguém parou para pensar um pouco que os nossos bancos, tão ávidos de dinheiro, fazem parte dos "mercados" que emprestam, a juros gordos, dinheiro ao Estado, que depois nós pagamos em impostos, ao mesmo tempo que queremos mais juros dos dinheiros a prazo?
Acham que esta lógica autofágica e suicida, tão simples de entender, é acessível a mais de 5% da população? Se não acreditam, têm essa legitimidade, mas experimentem falar com algumas pessoas desenvolvendo um tema numa cadeia de raciocínio com mais de duas etapas: ao entrar na terceira, já o parceiro boceja e pergunta quem é que joga no sábado com o benfica... (pronto, Ana, pode ser o Porto, Briosa para o Paulo...)"

julho 07, 2011

A posta no lixo despejado à porta deles

Reprimo a custo uma daquelas bujardas que às vezes me saem quando vos digo que o que a Moody’s merecia era que fossem dez milhões de portugueses a despejarem o lixo ou mesmo a defecarem à sua porta.

Sim, eu sei que esta é uma forma um nada suja de pôr as coisas. Mas quando penso que andou a Padeira de Aljubarrota a distribuir fruta nas moleirinhas dos castelhanos para virem agora uns engravatadinhos sinistros chamar lixo a uma das nações mais antigas da Europa passo-me.

E agora vou prosseguir.

Podem vir os teóricos da coisa à vontade com as suas explicações lógicas e razoáveis para existir aquilo do rating, podendo até fazerem prova do cariz imprescindível desse mecanismo para podermos continuar a comprar Mercedes a leasing.

Dêem a volta que derem jamais conseguirão fazer-me entender e ainda menos aceitar que meras empresas consigam arruinar um país com base no seu trabalho que, e isto faz mesmo muita diferença, até pode estar mal feito.

A Europa governada por passarocos capazes de deixarem que a sua União seja rapinada desta forma não pode permitir este tipo de situação, esta destruição financeira de países por ordem decrescente da sua aflição nas contas que destrói as vidas das respectivas populações.

Não há lógica que possa sustentar esta condição de países reféns das suspeitas, repito: suspeitas de que algo possa correr mal no futuro a menos que passemos a reconhecer as bolas de cristal como instrumentos científicos.

Portugal está em maus lençóis por uma questão de palpite dos fulanos de uma empresa com nome de restaurante de fast food. Digam-me lá se isto faz sentido nas vossas cabeças ou nas vossas algibeiras cada vez mais depenadas por estes especuladores estrangeiros…

Algo está profundamente errado no esquema que foi montado em torno do capitalismo que abraçámos e aí não há volta a dar. Dúvidas havia, esta pena capital aplicada pelo sistema, esta humilhação nacional, dissipou-as.

Perante factos deste calibre, o nacionalismo surge no horizonte em letras gordas como única opção ao nosso alcance para compensar a ausência de capacidade de resposta por parte da União Europeia à qual se exigiria uma posição firme e imediata que, de resto, poderá surgir agora, tarde demais para os gregos e para nós, por aparecer agora a Espanha na cauda do pelotão e ser óbvia a sua condição de próxima a ser literalmente lixada pelos desmandos das agências de rating e dos interesses obscuros que as suas decisões irão favorecer.

Eu não aceito ver o meu país a morrer às mãos destas jogadas financeiras de um sistema medonho, de uma dimensão paralela que não tem lugar no mundo se permite estes trambolhões na condição de vida das pessoas e das nações.

Prefiro-nos pelintramente sós.


julho 06, 2011

«Rating» - o significado

Imagem: The Honolulu Grub Club Blog



Pela Infopédia:

rating ['reItIN]
nome
1. avaliação
2. classificação
3. NÁUTICA marinheiro
4. descompostura, reprimenda

No meu ponto de vista:

Invasão de ratos

julho 05, 2011

O medo da adultez

Não é raro ser surpreendida por alunos ou ex-alunos que, na iminência de acabarem o primeiro ciclo dos seus estudos superiores (a chamada licenciatura, na nomenclatura pré-Bolonha), dizem "quando eu for adulto/a" ou "vocês, os adultos". Costumo encolher os ombros e perguntar (-lhes, se tiver confiança suficiente, ou para mim, apenas, se não houver proximidade) se a data em que se entra na idade adulta também ocorre quando um adolescente quiser, como o Natal.
Na semana passada, enquanto folheava uma daquelas revistas semanais de actualidades (Visão, Sábado ou Focus, não estou certa de qual tenha sido), deparei-me com a citação das palavras de uma actriz nacional, nascida em 1979 (e, portanto, com 32 anos), que afirmava qualquer coisa como "não sei quando se é adulto mas eu não me sinto como tal" (trata-se de uma citação de memória).
Foi nessa altura que percebi que alguém que é muito mais da minha geração do que da dos meus alunos tem um discurso semelhante ao deles, como se temesse a idade que se crê ser a das responsabilidades. E pensei no meu avô materno, enviado para Lisboa aos 9 anos, quarta classe acabada, para ser marçano. Ou na minha mãe, a quem não havia dinheiro para pagar os estudos depois dos 15. Nenhum deles escolheu ser adulto, foi-o à força. Como é que as coisas mudaram tanto em duas gerações? De ser-se adulto forçado aos 9 anos passa-se a escolher não o ser, já depois dos 30?! E será que se, por um acaso, eu decidir voltar atrás e já não me apetecer ser adulta também, perdoam-me os impostos sobre o rendimento ou as multas de estacionamento?

Só não vociferei um "este mundo está perdido" porque prometi sempre a mim mesma não me refugiar em dislates generalistas e sem real fundamento.

O que quiseres ver


Foto: Shark



Qualquer crente na existência de vida extraterrestre tecnologicamente mais avançada e por isso capaz de visitar o nosso planeta, mantendo uma prudente distância que lhes confirma a superioridade intelectual, a bordo de sofisticadas naves espaciais que na ignorante perspectiva terráquea são OVNIS, sabe que uma das maiores armadilhas do encontro imediato é a ilusão de óptica.

Balões meteorológicos, protótipos de aviões de combate, fenómenos naturais, tudo serve para desiludir os mais afortunados com a bênção do avistamento que as autoridades e os desmancha-prazeres sempre encontram forma de explicar de uma forma mais racional do que a destes que a terra há de comer.

É sempre difícil desmentirem-nos aquilo que os olhos, órgãos da nossa inteira confiança, nos transmitem. E compreende-se que seja difícil, tendo em conta que a maioria das deturpações não ocorrem na captação da imagem (ou da ideia) mas na respectiva edição.

Quando processamos aquilo que vemos (ou ouvimos, que também se deposita uma moderada confiança na audição) acrescentamos sempre um ponto que é o resultado da combinação entre o que nos diz a lógica propriamente dita e o que nos sussurra a conclusão subjectiva a que chegamos depois de lhe incutirmos tudo aquilo que nos faz.

Dessa distorção nascem imensos equívocos (quem não viu já o padeiro ou o amigo todo agarrado à patroa, um flagrante aparente que depois é esclarecido com o desmaio momentâneo ou assim) porque no fundo acabamos por ver o que e como queremos, sempre mais ou menos do que a vista nos mostra.

A realidade é percepcionada da mesma forma que o burro se albarda: à vontade do dono. O meu OVNI, aquele que passou mesmo diante do meu nariz, pode ser o reflexo do sol no peito de um pato para o parceiro do lado, pois isto do barulho das luzes envolve sempre algum ruído de fundo e neste caso é a predisposição de cada um para os factos que nos confrontam.

Se a minha bisavó, que nunca ouviu falar de discos voadores excepto os de 78 rotações, pesadíssimos, que podiam planar sobre a sala até ao toutiço do meu bisavô no meio de uma desavença, visse uma luz a bailar no céu teria de imediato a certeza de que estava a assistir a uma aparição da santinha e acabava por não ver nada enquanto ajoelhava a benzer-se.

E se calhar a minha bisneta vai olhar o mesmo fenómeno e desabafar a maçada de ter que aturar mais uma excursão de venusianos a bordo do seu autocarro espacial.

Mas em causa estão as tais certezas que uma simples ilusão óptica ou um raciocínio inquinado pela subjectividade inevitável podem fazer desmoronar num ápice. Nem tudo o que reluz é ouro no mundo das observações precipitadas, tal como uma observação cuidada e atenta não garante o desvendar de uma receita alquimista capaz de desmentir o pressuposto atrás enunciado.

Pouco, quase nada, é garantido e a maioria das certezas não passam de enganos que nos alimentam uma falsa sensação de segurança equilibrada de forma precária num amontoado de convicções, também elas exclamadas em pontos que parecem claros à partida mas a própria vida pode escurecer até os transformar, à chegada da maturidade mais analítica, em embaraçosos (mas estimulantes) pontos de interrogação.

julho 04, 2011

A posta muda para melhor

A maior ameaça para a coerência, essa aparente bitola da idoneidade e até da inteligência de uma pessoa, é a passagem do tempo.

Claro que podemos equacionar um cenário de absoluta imobilidade e ausência de comunicação por parte de alguém maníaco da coerência, quem não tem a sua (a mania)? Mas aí temos a coerência tão posta em causa, filosoficamente se quiserem, pela incoerência óbvia entre a humanidade de quem liga a essas coisas e a postura inerte de um vegetal, como pelos efeitos da dinâmica de qualquer existência sobre as melhores intenções e as mais firmes convicções de que sejamos capazes.

A coerência é um ideal utópico, como qualquer outro dos que abraçamos para podermos manter viva a luta pelo absurdo a que chamamos perfeição.

É uma cenoura como outra qualquer para nos obrigar a combater a preguiça mental, bute lá ser coerentes para alguma coisa nesta vida feita de incógnitas e de imprevistos fazer sentido.

E a malta entretém-se assim, nem que seja a debater a incoerência dos outros para reforçarmos a fé na que julgamos dominar mesmo quando os factos nos obrigam a inventar desculpas para as falhas inevitáveis.

Ah e tal, virei à esquerda quando devia ter virado à direita mas foi só para não atropelar a velhinha que ia atravessar na passadeira. A incoerência esbate-se assim na obrigação de arrepiar caminho por força das circunstâncias, mesmo que a tal velhinha estivesse apenas a espreitar a montra do outro lado da rua e sem qualquer intenção de atravessá-la.

São as nossas decisões tomadas em função das conjunturas que muitas vezes nos obrigam a reconhecer (nem que seja pela crueldade de todos os outros a identificá-la) a incoerência que nos faz sentir tão desorientados por constituir um dos pilares da nossa estrutura de funcionamento básico. Digamos que se fossemos um barco à deriva a coerência funcionaria como uma espécie de farol à vela e com um GPS programado para estar sempre à nossa vista mas sem que alguma vez o pudéssemos alcançar.

A tal cenoura que referi acima...

Não julguem que não tenho a noção de que estando desse lado que é o vosso, a ler os dislates de um marmanjo qualquer que nesta ocasião sou eu mesmo, pensaria de imediato: olha o cabrãozinho a tentar dar a volta à coisa a ver se passa despercebido nas toneladas de incoerências que este mesmo blogue regista...

É essa a nossa reacção instintiva contra qualquer ameaça à coerência pela qual tanto pugnamos e nos permite, por exemplo, apanhar os intrujas com a boca da mentira na botija da estupidez. Sim, a coerência é valiosa também como mecanismo de defesa contra a incoerência que possa trair quem nos queira ludibriar. E por isso, há que defendê-la a todo o custo mesmo que isso possa revelar-se incoerente relativamente à nossa firme disposição de confiar no próximo e assim.

Lá está, a legítima defesa sobrepõe-se à coerência como aliás qualquer pretexto o consegue tendo em conta a tal necessidade imperiosa, visceral, de garantirmos a tal luz que nos guia ao fundo de um túnel sem paredes que atravessamos quase às escuras numa existência minada por pontos de interrogação que, de resto, são outra ameaça letal para a coerência.

Se ninguém perguntar nunca corremos o risco de responder errado, da forma incoerente que, como todos sabemos, é meio caminho para a pessoa, mais depressa do que o coxo, ser apanhada a (des)mentir.


julho 01, 2011

Aumentar o IRS? Ora, assim também eu…!

Ele há passos que não deviam ser dados. Maus passos. Passos perdidos. Injustos. Passos denunciadores…

Terá mudado o estilo. Saímos daquele modelo amaricado-histérico para um assertivo-elegante, mas conforme os passos que se vão dando, sem nada se alterar, afinal, na substância.

De repente, apercebemo-nos de um zumbido diferente sobre os excrementos conhecidos. E isso nem á mau. É péssimo. Passos Coelho não tem a ingenuidade de querer ganhar a santa «confiança dos mercados» apenas e só à custa da perda de confiança dos portugueses, em receitas velhas e relhas, com velhos e relhos argumentos.

E será isso que está em causa. A injustiça obscena que recai sempre sobre os mesmos. A recorrente desmotivação que essa injustiça suscita da parte de quem trabalha, pelo que traz consigo de subversão de todo o edifício do chamado estado de direito… que nos devia enformar…

Enfim, na verdade e sem rodeios, a falta de respeito pelo trabalho e seus agentes, a cegueira do «capital» embrutecido perante a avidez do lucro, essas sim são as linhas de força que criam e sustentam as Grécias do mundo e do nosso descontentamento e nos atingirão também, inexoravelmente – ou talvez até já nos tenham atingido – em escaladas de gradação progressiva e exponencial, em que este tipo de atitudes – como o aumento do IRS - favorece.

Começa, pois, pelos mesmos passos o Passos primeiro-ministro. Sempre houve e haverá um argumento extraordinário para sustentar a argumentação falaciosa da «premência do momento face à revelação dos dados mais recentes». Sócrates recorreu a ele, como Cavaco já recorrera e como Passos, agora, recorre. O resultado, invariavelmente, é o mesmo: aumenta-se a carga fiscal.

Só que a «premência» passa e o futuro fica. E com ele fica um presente martirizado pela mentira e pela injustiça, recaindo sobre «os mesmos» desta história mal contada.

A tentação do dinheiro fácil é muita, principalmente em tempos de suposta grande carência.  

Mas não é essa «grande carência» o mesmíssimo argumento que sustenta e justifica um assalto à mão armada num beco esconso da noite escura?

Ora, pelo menos falando por mim, não tinha a ideia de ter sido chamado recentemente a votar para eleger um gang de assaltantes mais sofisticado do que o anterior. Mas, se calhar, eu é que estou enganado, iludido, mal pago e – recorrendo àquele termo extraordinário muito usado no tempo do regresso das colónias – espoliado.

Depois do episódio pouco nobre do Nobre, esta do IRS é a segunda clara decepção do novo elenco. E ainda não colhi uma medida que aponte, a sério, para as mudanças. Que raio de passos…