dezembro 28, 2008

Mais pistas sobre a mudança da hora

O Mário Nogueira, sempre atento a esta temática, enviou-me alguns links interessantes:

«Obama deveria cortar o Day-Light Time» - artigo da «Green Daily» em que referem "um estudo feito no Indiana, um estado que recentemente começou o DST, mostrou um aumento geral de 1% no uso da electricidade residencial com aumentos ocasionais de 2 a 4% no fim da primavera e no início do outono. (...) Enquanto o DST é bom para reduzir a iluminação dentro das casas, a mudança de hora exige ar condicionado durante os fins de tarde quentes de verão e aumento de aquecimento nas manhãs do início da primavera e do fim do outono. O consumo de energia para aquecimento e ar condicionado poderiam eliminar quaisquer poupanças da redução de iluminação e, como o estudo no estado de Indiana mostrou, de facto aumentam o consumo de electricidade."

«Mais munições para quem detesta o Daylight Saving Time» - artigo «Freakonomics» no «The New York Times»

«Bart Simpson e o DST» - ficheiro audio

Os portuguesinhos e o Euromilhões

Leiam no «Sol» o artigo «Portugal joga 96 milhões por semana no Euromilhões» e façam contas:

"prémios acumulados desde 2004 atingiram 1,8 mil milhões de euros" - os portugueses ganharam em média, desde 2004, 360 milhões de euros por ano no Euromilhões.

"em 2008 a despesa associada ao Euromilhões deverá oscilar entre 4,5 a cinco mil milhões de euros, o equivalente a quase 3% do Produto Interno Bruto (PIB)"

Conclusão - Belo negócio, portugueses. Mas não é para vocês! E não se queixem da crise. Quem gasta 5.000 milhões de euros num ano para receber 360 milhões só se pode queixar de si próprio e da sua falta de jeito para fazer contas.

dezembro 21, 2008

Eu não acredito em bruxas...

... mas o facto é que a estatueta «o professor» da Júlia Ramalho, que sempre esteve inteirinha cá em casa, partiu a cabeça.

dezembro 08, 2008

Quando não há argumentação racional que valha...

... até uma classe normalmente desunida se une. Esse mérito ninguém tira a este governo.
Eu só não apareço nas fotos porque fui o fotógrafo.

Manifestação dos professores em Coimbra no dia 28 de Novembro de 2008









novembro 14, 2008

Deixa cá ver se isto pega...

Aprendi no liceu (sim, sim, já não se usa) que as árvores durante o dia libertam oxigénio e à noite libertam dióxido de carbono.
Ou seja, como diria o já saudoso George Bush, as árvores são boas de dia mas más à noite.
Logo, por que não se cortam todas as árvores ao fim do dia e não são replantadas de manhã?

Não sei se esta ideia pega, mas já houve algo parecido que pegou mesmo:
Benjamin Franklin (1706-1790) escreveu um artigo humorístico para o «Journal de Paris em 26 de Abril de 1784 (quando já tinha 78 anos) com o título «Um projecto económico». Franklin queixa-se de os parisienses se levantarem tarde, já pelo meio dia. Ironicamente, assegura aos leitores que o Sol se levanta muito mais cedo, diz tê-lo visto com os seus próprios olhos... Sugere que a hora mude e que no Verão a vida comece 60 minutos mais cedo. Faz algumas contas e diz que Paris poderá assim poupar anualmente 32 mil toneladas de cera de vela.

Mais sobre a mudança de hora aqui.

Troféus Ovos de Ouro


São tantos os candidatos na área da Educação que tenho de fazer uma selecção dos mais fresquinhos (não quero problemas com a ASAE).
Estes troféus não são atribuídos e sim atirados... mas devagarinho, para o colo do Ministério da Educação.


Ovo "uau!"


Maria de Lurdes Rodrigues ontem - "Uma parte da burocratização [do trabalho dos professores] pode ter sido induzida pelo Ministério"




Ovo de Economia Doméstica

para José Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues, ex-aequo

Professora - É preciso comprarmos folhas de papel e tinteiros para a impressora.
Marido de professora - Mas ainda há pouco tempo comprei. Gastamos tanto dinheiro com coisas que deveria ser a escola a suportar...
Professora - Deixa estar. O que gastamos nisto, poupamos por não podermos sair de casa à noite, durante a semana, nem nos fins de semana, por eu ter de trabalhar para as papeladas da escola, para contactar os meus colegas para esclarecer pontos em que eles estão tão confusos como eu e para preparar as minhas aulas. Ah! E não vás trabalhar para o nosso computador que vou precisar de digitalizar documentos para a escola.


Ovo "OTL"

Pai de estudante do secundário - O teu professor de Geometria Descritiva já entregou o teste?
Estudante do secundário - Não, pai. Ele faltou nas duas últimas aulas. E os professores de substituição não entregam o teste, claro.
Pai de estudante do secundário - Então que têm feito nas aulas da substituição?
Estudante do secundário - O jogo da forca, por equipas.

novembro 13, 2008

Que raio de pedido de desculpas!

"Peço desculpa aos senhores professores por ter provocado tanta desmotivação, mas é do interesse dos pais, alunos e escolas"
Maria de Lurdes Rodrigues, ontem, na Assembleia da República

Tal como eu, por vezes as minhas filhas fazem disparates.
E elas sabem que, se há coisa que me revolta, é quando elas pedem desculpa com uma entoação que dá a entender que é um frete o que estão a dizer.
E, mais ainda, quando após o pedido de desculpas ainda pioram mais as coisas colocando os pais no papel de maus da fita.
Maria de Lurdes Rodrigues, ontem, para pedir desculpas aos professores da forma como o fez, mais valia ter estado calada. Ou ela acha que os professores não têm autoridade moral para contestarem as políticas do ministério da Educação?!
É do interesse dos pais e dos alunos que os professores não tenham tempo para preparar aulas?!
É do interesse das escolas chular (a palavra mais adequada que encontro é esta) os professores, roubando-lhes (sim, é isso mesmo) tempo da sua vida pessoal e familiar?! Ou que nome se pode chamar a alegar que "tempo de reuniões não conta para o horário de trabalho"?! E continuando a "assobiar para o ar" para a falta de meios nas escolas que obrigam os professores a comprar as ferramentas e os consumíveis de que necessitam para trabalhar?!
Quando digo isto, levo muita porrada de colegas e amigos que não são professores nem estão casados com um exemplar desses, como eu. Mas em geral ficam calados quando lhes pergunto como seria se, nas empresas ou instituições onde trabalham, tivessem que comprar um computador portátil e andar com ele entre a casa e o trabalho porque o patrão só disponibilizava um computador cheio de vírus para mais de uma centena de trabalhadores... e tivessem que produzir e imprimir em casa (à noite e aos fins de semana) a documentação que produzissem para a organização, pagando tudo isso (tempo e dinheiro) dos seus orçamentos familiares. Devia ser bonito, devia...

novembro 01, 2008

Mensagem nunca fora de horas

"Meu caro, sabes bem que estou solidário contigo no combate contra esta aberração de natureza. Claro que entendo o teu colega quando diz que só assina para a próxima. Era o que mais faltava raparem-nos agora mais uma horita de sono, neste tempo de crise instalada. Ainda que receie que se o Sócrates fizer as contas, venha a eliminar a mudança da hora desde que algum assessor lhe assegure que o rapinanço representará 0,0001% no cômputo do défice...
O que eu te posso assegurar, pela minha parte, é que a alvorada, cá por casa, se está a fazer às seis da manhã, acompanhando o nosso bio-ritmo, que o pobre (do bio-ritmo, entenda-se) já não está em idade de fazer adaptações tão violentas de seis em seis meses.
E assim me é sonegado, de uma forma ou de outra, o dia de 24 horas. Para nós passaram a ter 25 horas.
À meia-noite ainda só tenho o sono das 23 horas, mas acordo às seis porque o meu corpo me informa de que já são sete. É uma confusão do caraças!
Um abraço, sem horas.
OrCa"

outubro 26, 2008

Argumento «genial» contra a mudança de hora

Pois... mudou a hora mais uma vez.
Um amigo meu cantou-me hoje esta canção infantil:
"Vai mudar a hora...nhã,nhã,nhã,nhã,nhã,nhã!
Vai mudar a hora... nhã,nhã,nhã,nhã,nhã,nhã!"


Um colega meu disse-me anteontem: "Só assino uma petição que tu faças para acabar com as mudanças de hora depois desta de Outubro. Agora está quietinho que eu quero recuperar a hora que me tiraram antes do Verão".

O Mário Nogueira enviou-me este recorte de um jornal que, pela cidade do leitor (Albury) e pela referência à CSIRO, deduzo que seja australiano:
Tradução livre:
"A causa da seca clara como o dia

Quando era criança nunca tivemos seca após seca.
Entretanto começou o horário de verão. Até começou com um pouquinho mas agora temos horário de verão durante seis meses do ano.
Tornou-se demasiado para o meio ambiente aguentar.
É tão lógico: durante seis meses do ano temos uma hora extra por dia de tardes quentes.
Li algures que os estudos científicos tinham demonstrado que actualmente há muito menos humidade na atmosfera, o que significa que temos menos chuva.
Eu acho que é esta hora extra de sol que lentamente evapora toda a humidade de tudo.
Porque é que o governo não pode pôr a CSIRO a fazer estudos sobre esta matéria, ou melhor ainda, a acabar com a hora de verão?
Eles têm que fazer algo antes que seja tarde demais.
Chris Hill
Albury"


Com amigos assim, quem precisa de inimigos?

Argumentação parabancária

(excertos de uma carta que circula pela internet, alegadamente enviada ao BES por autor não identificado)

"Exmos. Senhores Administradores do BES

Gostaria de saber se os senhores aceitariam pagar uma taxa, uma pequena taxa mensal, pela existência da padaria na esquina da v/. Rua, ou pela existência do posto de gasolina ou da farmácia ou da tabacaria, ou de qualquer outro desses serviços indispensáveis ao nosso dia-a-dia.
Funcionaria desta forma: todos os senhores e todos os usuários pagariam uma pequena taxa para a manutenção dos serviços (padaria, farmácia, mecânico, tabacaria, frutaria, etc.). Uma taxa que não garantiria nenhum direito extraordinário ao utilizador. Serviria apenas para enriquecer os proprietários sob a alegação de que serviria para manter um serviço de alta qualidade ou para amortizar investimentos. Por qualquer outro produto adquirido (um pão, um remédio, uns litros de combustível, etc.) o usuário pagaria os preços de mercado ou, dependendo do produto, até ligeiramente acima do preço de mercado.
Que tal?
Pois, ontem saí do BES com a certeza que os senhores concordariam com tais taxas. Por uma questão de equidade e honestidade. A minha certeza deriva de um raciocínio simples.
Vamos imaginar a seguinte situação: eu vou à padaria para comprar um pão. O padeiro atende-me muito gentilmente, vende o pão e cobra o serviço de embrulhar ou ensacar o pão, assim como todo e qualquer outro serviço. Além disso impõe 'taxas de'. Uma 'taxa de acesso ao pão', outra 'taxa por guardar pão quente' e ainda uma 'taxa de abertura da padaria'. Tudo com muita cordialidade e muito profissionalismo, claro.
Fazendo uma comparação que talvez os padeiros não concordem, foi o que ocorreu comigo no meu Banco.
Financiei um carro, ou seja, comprei um produto do negócio bancário. Os senhores cobram-me preços de mercado, assim como o padeiro me cobra o preço de mercado pelo pão. Entretanto, de forma diferente do padeiro, os senhores não se satisfazem cobrando-me apenas pelo produto que adquiri. Para ter acesso ao produto do v/. negócio, os senhores cobram-me uma 'taxa de abertura de crédito' - equivalente àquela hipotética 'taxa de acesso ao pão', que os senhores certamente achariam um absurdo e se negariam a pagar. Não satisfeitos, para ter acesso ao pão, digo, ao financiamento, fui obrigado a abrir uma conta corrente no v/. Banco. Para que isso fosse possível, os senhores cobram-me uma 'taxa de abertura de conta'.
Como só é possível fazer negócios com os senhores depois de abrir uma conta, essa 'taxa de abertura de conta' assemelhar-se-ia a uma 'taxa de abertura de padaria', pois só é possível fazer negócios com o padeiro depois de abrir a padaria.
Antigamente os empréstimos bancários eram popularmente conhecidos como 'papagaios'. Para gerir o 'papagaio', alguns gerentes sem escrúpulos cobravam 'por fora' o que era devido. Fiquei com a impressão que o Banco resolveu antecipar-se aos gerentes sem escrúpulos. Agora, ao contrário de 'por fora' temos muitos 'por dentro'.
Pedi um extracto da minha conta - um único extracto no mês - os senhores cobram-me uma taxa de 1 EUR. Olhando o extracto, descobri uma outra taxa de 5 EUR 'para manutenção da conta' - semelhante àquela 'taxa de existência da padaria na esquina da rua'.
A surpresa não acabou. Descobri outra taxa de 25 EUR a cada trimestre - uma taxa para manter um limite especial que não me dá nenhum direito. Se eu utilizar o limite especial vou pagar os juros mais altos do mundo. Semelhante àquela 'taxa por guardar o pão quente'.
Mas os senhores são insaciáveis.
A prestável funcionária que me atendeu, entregou-me um desdobrável onde sou informado que me cobrarão taxas por todo e qualquer movimento que eu fizer.
Cordialmente, retribuindo tanta gentileza, gostaria de alertar que os senhores se devem ter esquecido de cobrar o ar que respirei enquanto estive nas instalações de v/. Banco.
Por favor, esclareçam-me uma dúvida: até agora não sei se comprei um financiamento ou se vendi a alma?
Depois de eu pagar as taxas correspondentes talvez os senhores me respondam informando, muito cordial e profissionalmente, que um serviço bancário é muito diferente de uma padaria. Que a v/. responsabilidade é muito grande, que existem inúmeras exigências legais, que os riscos do negócio são muito elevados, etc., etc., etc. e que apesar de lamentarem muito e de nada poderem fazer, tudo o que estão a cobrar está devidamente coberto pela lei, regulamentado e autorizado pelo Banco de Portugal. Sei disso, como sei também que existem seguros e garantias legais que protegem o v/. negócio de todo e qualquer risco. Presumo que os riscos de uma padaria, que não conta com o poder de influência dos senhores, talvez sejam muito mais elevados.
Sei que são legais, mas também sei que são imorais. Por mais que estejam protegidos pelas leis, tais taxas são uma imoralidade. O cartel algum dia vai acabar e cá estaremos depois para cobrar da mesma forma."

outubro 09, 2008

Economia paralela sempre é melhor que economia oblíqua!


A economia anda estúpida.
Não é que alguma vez tenha estado bem. Só que agora estão a vir alguns podres ao de cima. E não são nem serão todos!
Com esta aflição dos bancos e dos governos que os querem «salvar», lembro-me das várias vezes em que tive que negociar com bancos (e com o Estado e a Segurança Social, diga-se) a dívida de empresas em dificuldades, tentando torná-las viáveis e evitando o desemprego de muitas pessoas.
Por mais que me esforçasse nas negociações, interiormente senti sempre que não poderia exigir muito, já que o perdão de dívida é uma forma indirecta de prejudicar as empresas concorrentes que conseguem cumprir os seus compromissos.
Faliram já muitas fábricas que acompanhei de perto (profissional ou emocionalmente) - têxteis, confecções, cerâmicas,... - ao longo dos últimos anos.
As pessoas (por vezes famílias inteiras) que ficaram desempregadas tiveram que se fazer à vida noutras actividades, emigrando,...
"São as leis do mercado", diziam-nos.
Espero que estas mesmas leis do mercado se apliquem agora aos bancos. Pessoalmente, não estou disponível para premiar, com os impostos que pago, gestões ineficientes e danosas, se as houve. Nem os salários e benefícios principescos que se praticam nesse sector. Quem especulou, que assuma as consequências dos riscos que correu. «É a vida!»
Será pedir muito?!
____________________________
Entretanto, o Raim consegue dizer mais que eu (como é hábito), com um desenho:


Raim's blog

____________________________
Em tempo: li hoje uma notícia no «Expresso» com o título «O golpe de Estado financeiro na América». Nesse artigo, as origens do actual 'crash' são explicadas por uma ex-'insider' da Wall Street, Catherine Austin Fitts, que em 1990 foi demitida do Departamento da Habitação, depois de denunciar o sistema ligado ao escândalo financeiro das Savings & Loans.
Desse artigo, achei especialmente interessantes dois parágrafos (os destaques são meus):
"O sistema cresceu e consolidou-se porque beneficiou toda uma cultura americana de viver a débito e de enriquecer com rendas nos instrumentos 'tóxicos', nas bolsas ou na exportação de capitais. Os gloriosos trinta anos de esplendor económico da América com três 'bolhas' sucessivas (dos anos 1980, depois das 'dot-com' e, finalmente, do crédito hipotecário) alimentaram-se dessa criatividade."
"Alguns analistas designam este período (transitório) que temos pela frente de "capitalismo de regulação" ou "capitalismo colete de salvação" (life-jacket capitalism). "O pacote de salvação ataca um sintoma de curto prazo, para impedir deslindar-se as raízes do problema", frisa a conselheira de investimentos que dirige a Solari."

Só um cego não vê!

outubro 01, 2008

O argumento da força

Esta crise financeira e económica está a revelar o que eu e o meu colega de faculdade Alexandre dizemos há mais de 20 anos: a economia é como um «peido da avó» (tipo de cogumelo em que o chapéu está cheio de ar e, quando se pisa, liberta esse ar e micélio).


(clicar para aumentar ainda mais a crise)


Cartoon: Oliphant

setembro 14, 2008

Professores para toda a colher

Este texto do Mestre Dom OrCa, que tal como eu tem a dádiva de estar casado com uma professora, põe mais uns dedos em mais não sei quantas feridas (e não há dedos que cheguem) do ensino em Portugal:

"alguns disparates sobre o Ensino que me ocorrem ao ouvir tantos disparates sobre o Ensino...

Um professor do Ensino oficial deve ter, como qualquer profissional, as suas competências. Neste caso, perfeitamente definidas e parametrizadas pela entidade para a qual presta serviço: o Ministério da Educação.
Uma e outra vez, ano após ano, a pesada máquina burocrática do Estado exigiu que cada professor declarasse as suas habilitações académicas para aceder a concurso de uma área lectiva específica e limitadíssima, em termos das tais habilitações literárias, condição sine qua non para garantir acesso à arte nobre de ensinar através dos malfadados concursos.
Com os tempos muito «modernos e tecnológicos», que assumiram algum fulgor com a Dona Manuela mas bateram forte com a Dona Maria, surgiram novas «lógicas» e preceitos que tudo subverteram, mandando às urtigas o edifício caótico que era o ME... para criarem outro tão caótico como este.
E começa a ouvir-se falar, com insistência suspeita, de polivalências.
Para promoverem a «polivalência» do pessoal docente - «polivalência» intimamente associada a conceitos (discutíveis) da mais estreita economia de meios e poupança de recursos, a que se chama abusivamente «racionalização», entenda-se... - passaram a promover algo que recorda um daqueles falsos silogismos que faziam as nossas delícias nas aulas de Filosofia: uma mesa tem pés, quem tem pés, tem dedos; quem tem dedos, tem unhas; ora, como quem tem unhas, toca guitarra, nada impede que uma mesa toque guitarra.
E eis os professores, mais ou menos titulares, transformados em guitarristas...
Não terão mesa, que as condições de trabalho são parcas, quando não porcas. Mas têm cátedra e, como é sabido, as cátedras também têm pernas, e quem tem pernas, tem pés, etc., etc.
Com uma oferta ilimitada de licenciados, sem destino nem futuro, a criar uma base amorfa e acrítica de carne para o canhão deste experimentalismo duvidoso, o futuro apresenta-se radioso para os mentores destas bizarrias.
Assim, a nova «lógica» tende a aproveitar os professores não através dos conhecimentos que os enformam, mas tão só pelo facto de serem... professores, prontos para todo o serviço, leccionando não em função das suas competências, mas sim em função das «apetências» de entidades mais ou menos oficiais, mas estranhas, no geral, ao ambiente da própria escola.
O modo abstruso como a sociedade portuguesa «evolui» também propicia o acomodamento quase diria sorna dos pais a este estado de coisas: descarregam-se os putos na escola, lá pelas oito da matina, o que dá tempo para uma bica antes de picar o ponto, e levanta-se o produto lá para as dezanove horitas, a tempo do telejornal e da telenovela. E até já trazem os TPC feitos!
Mas isto vai!... Daqui a uns anitos, qualquer professor do ensino básico público (e privado), em Portugal, fará inveja ao Leonardo da Vinci, com a gama de competências de que estará imbuído. Algumas de que o próprio Leonardo nem sonharia, como o de carpinteiro de toscos, pintor de paredes ou empregado da limpeza...
Também dificilmente se encontrarão baby-sitters mais qualificados e por tão baixo preço.
Espero bem - eu que vou entrando na idade - que esta filosofia vingue em estabelecimentos de ensino para a terceira idade. Vamos todos para a escola, que eles lá tomam conta de nós.Vejam lá o que vamos poder poupar em lares!"

OrCa

Despesas profissionais dos professores


«a fachada» - HenriCartoon


Já escrevi tanto sobre a falta de meios dos professores...
Mas tudo está na mesma, pelo que continuo na mesma a escrever sobre isso.
Desta vez transcrevo aqui uma mensagem de uma professora para a Ministra da Educação sobre despesas profissionais e as apregoadas «facilidades»:
"Dicionário Editora da Língua Portuguesa 2009 - Acordo Ortográfico - € 40,41
O Acordo Ortográfico é uma inevitabilidade e enquanto professora vejo-me obrigada a adquirir não só este dicionário como gramáticas e prontuários actualizados.
Sra. Ministra, não deveriam os professores ter um subsídio?
Afinal de contas, não foi o nosso primeiro ministro que há dois dias afirmou que "o tempo das facilidades acabou"?! Fiquei a pensar: somos nós que pagamos as resmas de papel, os tinteiros, as pens, os computadores, os dossiers, os separadores, as micas, as canetas, os acetatos, os lápis, as borrachas, os dicionários, as gramáticas, etc... A ser assim, apetece-me retribuir-lhe a mesma frase dizendo que todos os professores é que lhe têm facilitado a vida e o orçamento de Estado, Sra. Ministra."
Gotinha

A minha mulher ainda não iniciou as aulas mas uma resma de folhas brancas A4 e um tinteiro de impressora já marcharam... a bem da Nação, como se dizia antigamente! Já para não falar da «Agenda do professor» e de todo o material que a Gotinha lista.

Adenda do OrCa, sempre a tempo:
"E as mensagens «de serviço» remetidas para a caixa do correio e para serem lidas em casa, provenientes dos Conselhos Executivos e de outros colegas? E a aquisição de material para motivação nas aulas? E a baba dos deficientes a lavar da roupagem, a bem da higiene de todos? E o risco na pintura do carro pelo 3 dado a quem queria 5 e merecia 1? E o processo disciplinar proposto por aquela mãe cujo filho levou uma lamira do professor quando se encontrava a estrangular alegremente um colega com metade do tamanho? E e e e e e e....."

Como já escrevi, se eu fosse professor exigiria tudo o que fossem os recursos necessários para a minha actividade. Mas nesta classe estão habituados a queixar-se e não a exigir os meios para cumprirem com os seus deveres. Assim, não vão longe... e os governos agradecem o que poupam à custa dos orçamentos familiares dos professores.

agosto 30, 2008

Memórias da nossa infância

O Jorge Castro, ou Mestre Dom OrCa, escreveu recentemente o livro «Farândola do Solstício - memórias de infância por terras de Miranda», editado pela Apenas Livros.


Mesmo não tendo sido a minha infância passada em Miranda e sim por trás da serra da Estrela, revi-me na maioria das aventuras do puto Jorge Castro e dos seus amigos, desde as actividades a que nos dedicávamos, os episódios engraçados, a companhia silenciosa mas firme dos rochedos de granito, os paus e câmaras de ar de que se faziam fisgas, o arco, as esferas, a primeira bicicleta (que também foi da marca Vilar, roda 20), os passaritos que se caçavam com pressão de ar ou com as aúdeas nos costis ("só quem nunca depenou os cinco gramas de um passarito é que não pode avaliar o frete em presença!" como bem resume o Jorge Castro), os peixes da ribeira que eram enormes quando tinham mais de sete centímetros, as batidas à fruta e às galinhas (no nosso caso tínhamos o Ernesto, batedor de hortas, pomares e galinheiros, que era o informador para as saídas nocturnas), o pavor do cemitério à noite, a piscina do ti'Vasco, os primeiros namoricos,...

Não resisto a transcrever aqui «Sabedorias - poema bilingue» (em português e mirandês) com que o Jorge Castro termina o livro. Soberbo, como são sempre os seus poemas:

"bibir en boca de lhobo
é uivo
quedar en rastro de lhiêbre
é caça
sentir filo de nabalha
é sangue
mercar las cuntas de bida
é fome
frenar la risa de l tiêmpo
é morte
preziar l aire desnudo
é vida
peinar l plaino camino
é obra
dourar l berde planalto
é sonho
bondar ser Fraga de l Puio
é sorte
sonar la gaita de fuôlhes
é festa
beilar al son de l pingacho
é grito
pintar la boç pelingrina
é vento
sonhar ser fuôlha de l'arble
é jogo
tamién ser águila en bolo
errante
al fin quisera ser tudo
não pude

al fin bolber a ser home
inteiro

sei mais mas bou cansadico de l die
sei mais
que num te-lo you digo"

O melhor elogio que posso fazer a este livro - que foi a minha leitura de férias - é que me desafia a, um dia, ter a mesma iniciativa do Jorge Castro e escrever as minhas memórias de infância de trás da Serra.
Para adquirir o livro «Farândola do Solstício», cujo preço de capa é de € 20, envie um e-mail para jc.orca@gmail.com.Aproveite e peça-lhe informações sobre os seus outros livros.
_________________________
E o OrCa mima-me tanto que eu sei lá...
"Não se mede a amizade
nem um gesto
ou um olhar
Mede-se o tempo que temos
mede-se o céu
e o mar
Mas não se mede a amizade
nem quem tem tanta p'ra dar!"

OrCa

agosto 15, 2008

Contra pseudo-factos, bons argumentos

O Pedro Laranjeira, mestre da comunicação social, da vida e da amizade, publicou em livro o seu trabalho de investigação sobre a origem de Cristóvão Colombo. «O Alentejano que descobriu a América - 1492 - a Viagem Épica do português Salvador Fernandes Zarco mais conhecido como Cristóvão Colombo» tem já uma segunda edição.
Baseado em dados sólidos ou, quando tal não é possível, em especulações devidamente fundamentadas e bem explicadas, o Pedro Laranjeira mostra como não terá sido possível que o italiano Cristophoro Columbo, tecelão genovês, fosse o navegador; clarifica o nome (Colon e não Colombo) e justifica-o como pseudónimo; apresenta o enquadramento político e geo-estratégico (sim, naquele tempo Portugal tinha uma estratégia!) e o plano que terá sido urdido por D. João II para enganar Espanha... com o auxílio de Colon. E que resultou no Tratado de Tordesilhas, que protegia os interesses portugueses na Índia... e no Brasil.
Tiro o chapéu (mesmo não usando) ao Pedro Laranjeira por conseguir sintetizar, em poucas páginas, esta tese que, para qualquer mente aberta à argumentação racional, deixará decerto pelo menos instalada a dúvida.
Como qualquer boa tese, estará aberta à polémica, a contra-argumentos e, não duvido, ao desprezo de quem acha incómoda a discussão sobre a verdade histórica.


O livro pode ser encomendado directamente ao autor (€ 8 incluindo já despesas e portes de envio) através deste formulário.
Boa malha, Pedro Laranjeira!

maio 24, 2008

A Décima Primeira Carta de Trás da Serra desta vez foi para mim

Escreveu-ma a minha queridíssima madrinha Natália, que vive agora em Unhais da Serra. É tão deliciosa que não resisto a transcrevê-la aqui. Perdoe-me, madrinha, mas seria uma pena que não houvesse a oportunidade de outras pessoas conhecerem o seu sentido de humor e as suas experiências de vida que tanto marcam a minha maneira de ser.

Riacho (Unhais da Serra) - foto de L.Ag"Carta das Unhas da Serra
para o querido Cruijff:

Bem hajas pelo mimo que me ofereceste. Gostei!
Puseste-me a rir e muito apreciei esse teu jeito de contar
o sério casado com bom humor e vivências saudosistas. São textos com sabor a coisa sã e genuína. (...)
Não desistas de intervir nesta sociedade perversa, mantendo a tua
independência e o teu bom humor.
Essa do
efeito do poder - ser visto e não ver - leva o meu voto para virar provérbio popular.
A questão dos ajustes das horas e do teu estômago desajustado trouxe-me à ideia a minha vivência de cinco anos (dos 25 aos 30) na aldeia de camponeses - Sto. António do Marmeleiro, onde tive a minha primeira escola como efectiva. Ninguém traumatizava relógios. Sabiam das horas pelo Sol e pelo estômago. Não havia crise. Também não faziam seguros de nada que tivessem. Qualquer desastre acontecido a alguém era prontamente resolvido pela comunidade. Assim aconteceu quando ardeu toda a casa, vacaria, currais e celeiro aos pais de três alunos meus. Logo foram acolhidos em casas de amigos e imediatamente todos iniciaram a reconstrução de tudo, revezando-se no trabalho que a todos tocou. No final, sobraram quinze contos (naquele tempo era dinheiro) e o bom do homem, já com tudo novo e animais todos novos, não queria aceitar tal dinheiro, alegando que devia ficar num banco para outra necessidade que surgisse. Mas teve de aceitar porque tinha sido pedido para ele. Gente verdadeiramente cristã que, a estas horas, de certo já está diferente pela força da vida.
Gostei de relembrar essas
vivências do Sr. Prof. Rogério com a pequenada. E o que é certo é que me fizeste voltar às minhas e deixo-te aqui algumas que me saltaram logo da memória já cansada.
Olha só:
Resposta de um rapazito (Sintra), num teste escrito, à pergunta:
- Como defender-nos dos perigos de quedas, na rua?
- É andarmos tão depressa, tão depressa, ó Senhora, tão depressa que os sapatos não têm tempo de escorregar.
Outro sintrense em redacção de tema livre, solicitada na sala de aula:
«Vou falar dos extraterrestres porque tenho pena deles. Eles fogem da gente porque vêem muitos automóveis e julgam que são animais devoradores. Coitados! Sabem construir discos mas ainda estão muito atrasados».
No ano de 51 a 52, na minha primeira escola, no Alvito da Beira, após a aula de religião. Pergunta:
- Rui, és capaz de contar-nos o que aconteceu a Jesus, quando saíu da última ceia com os apóstolos?
De olhos pregados no chão, o meu melhor aluno recusou-se a falar, com a cabeça pendida e como que envergonhado. À terceira insistência para que dissesse o que bem sabia, respondeu com voz sumida:
- Então... Jesus foi às oliveiras...
E agora esta redacção de uma aluna da 3ª classe de Sto. António do Marmeleiro, que até era inteligente mas que só escutava o que muito bem a motivasse. Pediu-me a Direcção Escolar para enviar redacções sobre o tema «Camões», para um concurso de todas as escolas do distrito. Lá me dispus a colaborar naquele crime de falar aos meus pastorinhos (quase todos) de duas ou três cabrinhas, do nosso Vate.
A Isaura, miúda muito despachada, saíu-se com esta:
«Camões era um homem bom que que foi rei de Portugal, mas ele tinha muitos inimigos que foram dizer mal dele àquele que mandava, e logo o mandaram de castigo para a Espanha e os reis de Espanha deram-lhe cabo de um olho. Aospois ele já andava muito chateiado e veio-se imbora da Espanha prafora, mas no caminho afundou-se».
E remato com esta de um espertalhão (Sintra) que geralmente arranjava maneira de se safar de perguntas "indiscretas" para a sua sabedoria.
Pergunta em teste escrito:
«Que diferença existe entre estes sinais de matemática?»
Resposta: «É que o sinal mais ainda não está cansado».
Tu é que já estás cansado de ler, se é que arranjarás tempo para ler de um fôlego.
(...) Só lamento que
os cem mil abraços não tenham sido todos consumidos. Aos professores, falta-lhes o metal para comprar jornais e ainda mais o tempo de lê-los.
(...) Deixo-te para que siga hoje a carta.
Beijinhos e abraços para serem consumidos por todos Vós.
Bem hajas!
Tua madrinha amiga,
Natália"


E não haveria melhor forma de concluir a excelente experiência que foi escrever dez Cartas de Trás da Serra na revista «Perspectiva».

abril 15, 2008

"Bem... da terra, da santa terrinha, já não vêm só abóboras"

Comentário do OrCa à minha 10ª carta de trás da serra:

"Bem... da terra, da santa terrinha, já não vêm só abóboras. Agora chovem merecidas catilinárias. Ainda bem! Deve ter algo a ver com aquela história de fazer o combate de dentro para fora...
Como sabes, estou contigo a 100% e, se for preciso mais um bocadinho, é só dizer, que rapidamente chegaremos aos 110%!
Chateia e irrita esta moleza institucional, este «no pasa nada», quando tu, como eu, como tantos outros, assistimos, conscientes, ao despautério que ocorre na «res publica», acumulado com tanta delapidação dos chorudos impostos que pagamos.
Quanto aos professores... Enfim, dos lápis que dão aos alunos, ao trabalho noite adentro, diário e continuado, ao desgaste diário, também, de aturar as criancinhas que tantos pais não sabem, não querem ou não podem educar, como se diz, só não vê quem não quer ver!
E a atitude destes pseudo-tecnocratas que vão desaguando no ministério, a arremedar ao neo-liberal, entoando loas a um status mirífico e a um estatuto educacional para o País que eles próprios nunca praticaram, nem advogaram, a não ser quando se alcandoraram ao poder, fede que tresanda!
Estou com o Junqueiro: «Truculenta manada obesa de hipopótamos, ó Humanidade, enxota-mos!»
Um abraço.
OrCa"

abril 06, 2008

Recensão do meu livro «Persuacção»

Rolando Almeida fala sobre o meu livro no seu blog A Filosofia no Ensino Secundário:

"Filosofia aplicada à Gestão
Recentemente descobri um interessante livro que deveria constituir a regra, mas que, curiosamente, é uma excepção. Já aqui referi sobre a importância do pensamento crítico e da sua transversalidade no conjunto dos saberes (ver aqui, aqui, aqui e aqui). O pensamento crítico é transversal pois é ele quem fornece as ferramentas para o raciocínio consequente. No nosso país, o pensamento crítico aparece já nos currículos de alguns cursos superiores, como os de engenharia, mas é ensinado pelos professores de matemática, o que é manifestamente errado.

Rolando Almeida

Para alguém com formação em filosofia é algo chocante saber que os filósofos andam no desemprego, ao passo que o mercado que lhes é próprio é absorvido por outras formações. Uma pessoa com formação em matemática ensinar pensamento crítico é tão aberrante como alguém com formação em filosofia ensinar geografia ou biologia. O pensamento crítico consiste basicamente no conhecimento das regras da lógica informal que são aplicadas ao raciocínio em geral. Paulo Proença de Moura, o autor deste Persuacção, O que não se aprende nos cursos de gestão (Edições Sílabo, 2005) apercebeu-se das potencialidades do pensamento crítico e da filosofia para o ramo da gestão. A tomada de decisões do gestor é mais segura se o mesmo possuir uma formação sólida no raciocínio e, acima de tudo, souber pensar com consequência. O autor ficou admirado quando percebeu que o pensamento crítico praticamente não se ensina nos cursos de gestão em Portugal e resolveu publicar este livro que é também o resultado da sua tese de mestrado. Todo o capítulo 2 , que leva o título, «A filosofia e argumentação na gestão» é um pequeno tratado de filosofia e de lógica formal e informal. O livro é útil, sobretudo, para nos revelar as potencialidades da filosofia e a sua aplicabilidade prática numa área tão pouco dada a especulações como a da gestão. No início deste texto mencionei que este género de livros deveria constituir a regra, isto se a filosofia que se tem praticado em Portugal acordar para a realidade e deixar de ser uma formação só ao alcance dos ricos e do carreirismo. Na verdade, estas obras abundam no mercado anglo saxão e com resultados evidentes, enquanto nós por cá vamos alimentando a ideia que a filosofia é só investigação pura e dura completamente avessa à divulgação pública. É pena! Dei-me conta deste livro tardiamente (a edição é de 2005), mas não podia deixar passar em branco esta assinalável coragem do autor."

A minha décima carta de trás da serra na revista Perspectiva

má Educação

Não sei onde te meteste nesse dia, que não te vi, mas terias feito bem em ir conversar com as cem mil pessoas que foram desfilar pelas ruas à capital. Decerto concluirias que, ao contrário do que diz a ministra da Educação, os professores sabem do que estão a falar quando dizem que estão cansados e fartos.
Já me ouviste dizer isto centenas de vezes desde a nossa infância, mas sabes que gosto sempre de repetir: a minha política é a política do trabalho. Foi uma frase que foi gravada na minha memória pelos meus pais e pela minha avozinha – ai de mim se a chamasse sem este diminutivo gramatical – muito antes do 25 de Abril de 1974. Lembro-me de o meu pai um dia, ao regressar do café, dizer-me pedindo segredo aquilo que um amigo lhe contou: a sigla “VMPS” (da água mineral de “Vidago Melgaço e Pedras Salgadas”) queria afinal dizer “Vamos Mandar Prender Salazar”.
Lembras-te de te contar quando eu estudava no liceu da Covilhã, logo a seguir à revolução dos cravos, aquele episódio da aula de ginástica em que o professor faltou? Como estávamos equipados, fomos jogar futebol. Havia um colega que queria ir para a baliza. Mas para a outra era sempre um impasse, porque ninguém aceitava ficar ali quieto a levar com boladas enquanto os outros podiam marcar canelas. Um colega mais matulão sugeriu: “Fazemos uma votação para quem deve ir para a baliza”. Ainda mal tinha acabado a frase e disparou logo uma pergunta, colocando o braço no ar: “Quem vota no Paulo Moura para ir para a baliza?” o que levou à unanimidade nos braços levantados… mas no meu caso foi um manguito, uma declaração de voto – “Porra para a vossa democracia” – e uma corrida para os balneários mudar de roupa. Só ao longo da vida assimilei as várias lições deste dia: uma delas foi que a democracia pode ser perigosa, quando desrespeita as minorias, ao quebrar aquela velha máxima de “a nossa liberdade acaba quando começa a liberdade dos outros”; outra foi que ser franzino não ajuda nada a fazer valer a nossa posição; e a principal foi que eu e o futebol não combinamos.
Eu sei, eu sei, é como se estivesse daqui, na Cova da Beira, a ouvir as tuas gargalhadas. Aposto que te estás a recordar dos meus tempos da escola primária em que, mesmo nos dias em que levava eu a bola, não me escolhiam para nenhuma equipa. E pior ainda era quando havia um número ímpar de jogadores e eu ficava para o fim. Até que os dois que escolhiam as equipas chegavam a acordo: “Tu tens a equipa mais forte, ficas também com o Paulo Moura”.
A minha alcunha dos tempos de juventude reflectiu tudo isto: Cruijff.
Na primeira vez que fomos jogar para o pinhal da cerca do conde, o Zé Papas começou por gritar aos colegas de equipa “não deixem o Cruijff desmarcar-se” mas, ao fim de poucos minutos, já gritava “passem a bola ao Cruijff que ele remata para fora”.
Não falando de política nem de futebol, resta-me falar de trabalho. E deixa-me que insista: a malta que manda ainda não se convenceu que os professores do ensino público não têm meios para trabalhar como lhes é exigido. E muito menos ainda para o que desejariam fazer!
Se eu pudesse, falaria com cada professor e dizia-lhe para exigir, na sua escola, os meios para poder exercer a sua actividade. E quando falo em meios é no sentido mais lato possível: ambiente social e respeito pela profissão; enquadramento e protecção legal; formação; equipamentos funcionais (informáticos, multimédia, internet,…); consumíveis; gabinete de trabalho para actualização de conhecimentos, preparação de aulas e de testes, bem como para a sua correcção; apoio administrativo; e, o recurso mais escasso de todos: tempo. Exijam que se cumpra o Estatuto da Carreira Docente: “O direito ao apoio técnico, material e documental exerce-se sobre os recursos necessários à formação e informação do pessoal docente, bem como ao exercício da actividade educativa”. E nos regulamentos da avaliação: “O docente tem direito a que lhe sejam garantidos os meios e condições necessários ao seu desempenho, em harmonia com os objectivos que tenha acordado”.
Ou terão que ser os cônjuges dos professores a cobrar do Estado tudo o que este devia providenciar? Algum professor já apresentou factura dos riscos que lhe são feitos no carro? Do tempo que trabalha em casa fora do horário laboral? Dos tinteiros, resmas de papel e outros materiais que paga do seu bolso?
Sabes que mais? Se as coisas se mantiverem como estão, a culpa é dos professores, ao permitirem, com o seu voluntarismo, que o Ministério da Educação continue a fazer omeletas sem ovos, usando o truque de pôr a cabeça de cada professor.... num ovo!
Cem mil abraços,

Paulo Proença de Moura
Página on-line da revista «Perspectiva». Na secção das Crónicas estão disponíveis os meus textos anteriores.

março 31, 2008

Triste ensina...

... mas feliz de quem recebe um retorno do que escreve:

"Bom dia
Estive a ler
este artigo agora, antes de sair para a escola, e realmente, sem falar de mim, chego a ter saudades da minha esposa que, também sendo professora, pelo menos duas vezes por período praticamente não existe para mim nem para a minha filha.
É difícil entender isto sem se estar por dentro.
Obrigado pelas suas palavras.
Cumprimentos

Graciano Torrão"

Entretanto, soube por amigos professores e amigos de professores que a minha carta "triste ensina..." tem andado por aí, a circular por e-mail.
Já agora, aproveito para informar que a minha próxima carta de trás da serra será publicada na revista «Perspectiva» que sairá com o «Público» de 6 de Abril. Vou revelar os meus dotes de futebolista desde a infância... e dizer o que penso sobre o que os professores mais devem exigir: meios.

Quero a minha hora de volta! *

Quando recuperar da hora que adiantou no domingo (e do despertador que tocou uma hora mais tarde porque me esqueci de acertar esse relógio) prometo que tratarei da petição à Assembleia da República para se acabar com esta desgraça.

* e não vale dizer que ma devolvem só em Outubro...

março 13, 2008

Subprime - o que é e o que se pode esperar?

O que é o subprime
Fala-se muito na crise do "subprime" e do "mercado de crédito de alto risco nos EUA" mas pouco se consegue saber de concreto sobre este tema.
Há algumas décadas atrás, o sistema financeiro de crédito hipotecário consistia em instituições bancárias onde se faziam depósitos, os quais eram usados para financiar empréstimos para compra de casa. O risco de crédito, o risco da taxa de juro e o risco de liquidez eram todos da própria instituição bancária.
A partir de 1938, para gerar maior liquidez na economia, foi criada nos EUA uma entidade estatal que comprava esses créditos aos bancos e os geria, assumindo os riscos dessas operações. Nos anos 60, dado o sucesso desta solução, os empréstimos que esta entidade contraía para financiar as compras de crédito eram já uma fatia significativa da dívida dos EUA.
A partir de 1968, foi feita uma reorganização que privatizou parte do processo, passando algum do risco de mercado para investidores, eliminando essa fatia da dívida estatal. Uma fatia grande desta dívida passou a ser transaccionada em bolsa, como títulos suportados por hipotecas, comprados por investidores institucionais, milionários, e os próprios bancos. Este processo diluiu os riscos de mercado para os bancos e retirou dos seus balanços este risco. Permitiu ainda aos bancos terem disponível maior liquidez para as suas operações de crédito.
A gestão destes títulos passava normalmente por um paraíso fiscal off-shore, sob formas cada vez mais complexas e cada vez com maior sucesso. Em 2003, 76% deste mercado (nos EUA) era público e 24% era detido por instituições privadas. Em meados de 2006, a parte pública desceu para 43% e os privados subiram para 57%. Só que as entidades privadas tendencialmente passaram a conceder crédito a organizações com algum risco ou mesmo alto risco (clientes "subprime", muitas vezes até sem qualquer classificação de risco), ao contrário das entidades públicas, que mantinham critérios mais cautelosos de atribuição de crédito (clientes "prime", muitas vezes com a classificação AAA).
A partir de 1987, criou-se nos EUA um esquema colateral de títulos de dívida, com o objectivo de a repartir em tranches e classes de risco, com diferentes taxas de juro, com as mais altas premiando obviamente as tranches de alto risco (o mercado "subprime").
Em termos de prioridade de pagamentos, em primeiro lugar estão os créditos "prime". Os créditos "subprime" só são liquidados após os de menor risco e menor taxa de juro. Em condições normais do mercado, estes títulos podem ser renegociados, nomeadamente por fundos de alto risco ("hedge funds") e nos mercados de futuros (em que se assumem compromissos, com preços pré-estabelecidos, para compra e venda de títulos numa data futura). Estes "hedge funds" são pouco transparentes e "alavancam" os valores investidos. Por exemplo: um "hedge fund" com 100 milhões USD para aplicar, pode juntar-lhes 500 milhões USD de empréstimos para investir 600 milhões USD. Se pensarmos que estes títulos são renegociados, é fácil imaginar os números com muitos zeros que estas operações podem atingir. Associado a esta "bolha especulativa", estes títulos não são negociados em bolsa e sim bilateralmente, entre as entidades intervenientes. Alguns destes contratos contêm cláusulas ilegais. Os preços e volumes transaccionados são assim desconhecidos. E basta que não haja interessados em transacções para que este mercado fique sem liquidez. Foi o que se passou em Agosto de 2007, com os "hedge funds" a pararem as suas transacções. Os emissores dos títulos colaterais de dívida deixaram de ter quem os comprasse... e não emitiram mais, provocando um choque em cadeia, envolvendo os bancos e as outras instituições que investiam nesse mercado e, indirectamente, mesmo aqueles que transaccionavam só em mercados "prime", com risco reduzido. O impacto foi para os compradores potenciais de casas ou para quem quer fazer obras: os empréstimos pedidos não são concedidos. Daí a crise actual do sector de construção e imobiliário nos EUA. As estimativas mais recentes apontam para prejuízos até 600 mil milhões de euros.
O impacto maior deste choque em cadeia estará provavelmente ainda por aparecer. Muitas entidades ainda não reconheceram as perdas desta crise nos seus balanços. E penso que há muitas "fachadas" que irão ainda ruir.

O que se pode esperar
Os agentes económicos tendem a decidir e a actuar mais com base em expectativas do que em realidades.
Dou sempre como exemplo a frase de Durão Barroso «O país está de tanga», quando foi nomeado primeiro-ministro em Abril de 2002, que marcou um período de desânimo das empresas portuguesas de que ainda hoje não se recuperou. Nos meses seguintes àquela frase, os bancos e muitas empresas cortaram crédito e reduziram ou adiaram investimentos.
As mensagens que os bancos passam neste momento, incluindo o próprio governador do Banco de Portugal, não augura nada de bom para a economia. Mesmo que os indicadores fundamentais das empresas e bancos sejam "saudáveis", vão-se mostrar "doentes", aproveitando para tomar medidas mais gravosas para os clientes... e consumidores. No caso dos bancos, é uma tentação poder aumentar os "spreads" e, logo, a sua margem bruta de lucro.
Isto não augura nada de bom, nem para as famílias, nem para as empresas e nem mesmo para o Estado português, que apesar de não recorrer praticamente a empréstimos bancários, financia a sua dívida pública nos mercados internacionais e pode vir a ter dificuldades na colocação de novas emissões de Obrigações do Tesouro.
_____________
Fonte principal: artigo "Subprime: tentacles of a Crisis" da revista "Finance & Development", Dezembro 2007.

março 07, 2008

má Educação

«O que ouço nos protestos é revelador que as pessoas não sabem do que estão a falar»
Maria de Lurdes Rodrigues, ministra da Educação,
em entrevista ontem a Judite de Sousa, na RTP

imagem de ozlemarc - Worth1000.comJá todos estamos fartos de saber que a política é o domínio privilegiado da argumentação falaciosa.
Se eu fosse professor, ficaria ainda mais indignado e revoltado por esta acusação. E insistiria no que me parece ser objectivamente mais importante em tudo isto: a falta de meios nas escolas (humanos, materiais, financeiros e de tempo) para que os professores possam cumprir a sua missão.
E, mesmo não sendo professor, quero mostrar à senhora ministra que sei do que estou a falar.

Decreto-Lei nº 15/2007 de 19 de Janeiro (Estatuto da Carreira Docente dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário):

alínea c) do Artigo 5º - "Direito de participação no processo educativo - O direito à autonomia técnica e científica e à liberdade de escolha dos métodos de ensino, das tecnologias e técnicas de educação e dos tipos de meios auxiliares de ensino mais adequados (...)"
Artigo 7º - "Direito ao apoio técnico, material e documental - O direito ao apoio técnico, material e documental exerce-se sobre os recursos necessários à formação e informação do pessoal docente, bem como ao exercício da actividade educativa."

Decreto Regulamentar nº 2/2008 de 10 de Janeiro - Regulamentação do ECD:

Nº 2 do artigo 11º - "O docente tem direito a que lhe sejam garantidos os meios e condições necessários ao seu desempenho, em harmonia com os objectivos que tenha acordado."

Vamos ver se os professores permitirão que o Ministério da Educação continue a fazer omeletas sem ovos, continuando a usar o truque de pôr a cabeça de cada professor.... num ovo!
_____________
Comentário do OrCa:
"Uma vez mais, de acordo, meu caro.
Cá pelos lados de que falo, também sabendo do que estou a falar, a pelintrice chega a tais pontos que não há verba para programas anti-vírus, de tal forma que todos os equipamentos informáticos estão de tal forma infectados que se torna impossível trabalhar com eles - e estamos a falar de uma escola pública «topo de gama» da linha de Cascais!!!
O recurso é usar uma pen e fazer-lhe sempre uma «barrela» quando se chega a casa, pois a coisa até tresanda!...
O "choque tecnológico" é este: muito equipamento e ninguém que o mantenha, que o repare, que promova, sequer, acções de formação que permitam a cada professor ser utilizador precavido. O resultado é esse: trabalho para casa, acumulando o labor diário de aturar turmas com trinta galfarros, cheios de prosápia e costas quentes que este e outros santos governos proporcionaram, com o deslumbramento idiota de alguns pais feitos à pressa e por acidente.
A factura que todos vamos pagando, em nossas casas, derivada deste estado de coisas, alguém contabiliza?
A senhora ministra, seguramente, não. Aos mentores destas «políticas» basta-lhes dizerem que o mundo passou a ser quadrado, para que se convençam que assim passou a ser... Depois, tropeçam nalgum dos vértices da ilusão que alimentaram e escafedem-se no espaço sideral, para alívio do povo, mas com uma multidão de mazelas deixadas para trás.
Amanhã, levarão no focinho! Esperemos que ainda tenham emenda."

março 04, 2008

Estudo científico mostra que mudança de hora pode provocar aumento dos consumos de energia

Alguns excertos do artigo de Justin Lahart "Daylight Saving Wastes Energy, Study Says" no The Wall Street Journal:

"Durante décadas, a sabedoria convencional sustentou que a hora de Verão reduz o custo de utilização de energia. Mas uma situação invulgar no estado do Indiana (E.U.A.) fornece provas que desafiam esse ponto de vista: a hora saltar para a frente pode de facto desperdiçar energia.
Até dois anos atrás, só 15 dos 92 condados de Indiana avançavam uma hora aos seus relógios na Primavera e atrasavam uma hora no Outono. Os restantes mantinham-se na hora padrão todo o ano, em parte porque os agricultores resistiram à perspectiva de terem uma hora extra de trabalho às escuras da madrugada. Mas muitos residentes odiaram entrar e sair de sincronismo com negócios e residentes de estados vizinhos, o que fez prevalecer na Lei de Indiana a mudança de hora em todo o Estado, com início da Primavera de 2006.
Esta mudança deu ao professor Matthew Kotchen e à aluna Laura Grant, da Universidade da Califórnia - Santa Barbara, uma ocasião única para ver como a mudança de hora afecta o uso da energia. Usando sete milhões de leituras mensais da empresa Duke Energy Corp. cobrindo praticamente todos os lares do Sul do Estado de Indiana durante três anos, puderam comparar o consumo de energia antes e depois de os condados praticarem a mudança de hora. As leituras de condados que já tinham adoptado o 'daylight-saving time' serviram como grupo de controlo que lhes permitiu ajustar as mudanças meteorológicas de um ano para outro.
O que descobriram: Ter todo o Estado a praticar a mudança de hora, em vez de manter a hora padrão, custa aos lares de Indiana mais 8,6 milhões de dólares nas contas de electricidade. Eles concluem que o custo reduzido da iluminação durante as tardes é mais do que contrabalançado pelos custos mais elevados com ar condicionado nas tardes mais quentes e aumento de custos com aquecimento nas manhãs mais frescas. (...)
Não seria isso o que Benjamin Franklin esperaria. Em 1874, ele escreveu sobre «o imenso valor que a cidade de Paris poderia poupar em cada ano se usasse o sol em vez de velas" (o sr. Franklin não propôs que se adiantassem os relógios, em vez disso sugeriu satiricamente aplicar um imposto sobre as persianas e tocar os sinos das igrejas ao nascer do sol para acordar os parisienses e fazê-los sair mais cedo das suas camas)."

O artigo continua com o historial da aplicação das mudanças de hora. E refere que "um relatório de 1975 do U.S. Department of Transportation concluiu que a mudança reduziu a procura de electricidade em 1% em Março e Abril. Mas em 1976, num relatório para o Congresso de avaliação a essa análise, o National Bureau of Standards concluiu que não havia poupanças significativas de energia."
E constata que "os números de poupança de energia frequentemente citados pelos legisladores e outros derivam de pesquisas efectuadas nos anos 70. Mas há uma diferença crucial entre os anos 70 - ou, a esse respeito, da época de Ben Franklin - e agora: é a prevalência do ar condicionado."
Mas aponta para vantagens aparentes da mudança de hora, como benefícios sociais de quem regista "menos crimes, menos acidentes mortais rodoviários, mais tempo para recreação e aumento da actividade económica com a hora extra de sol ao fim da tarde".

Recomendo a leitura do artigo completo (em inglês).

Obrigado pela dica, MN ;-)

março 02, 2008

A minha carta pela blogosfera


Resistências Individuais - no
blog A Educação do meu Umbigo

Alguns excertos dos comentários:
António Ferrão: "Movimento dos Esposos Revoltados de Docentes Abusados? À parte o acrónimo, porque não? Vou já a correr. Basta."
Isabel: "Engraçado ,ao ler o artigo parecia que estava eu a falar, não de outra pessoa mas de mim, são tantos os pormenores de uma vida que realmente acabamos por nos resignar..."
morfeu: "Cá em casa somos dois os profs... sempre dá para combinar alguma coisa de jeito... mas essa dos esposos revoltados... iria nessa não fora eu próprio prof. Achei piada, no texto em causa aparecer o nome de alguém que julgo conhecer: O Jorge Castro,poeta excelente e amigo cá do je..."
Jorge Reis: "Humor à parte, acho que esta “carta” toca num problema em que tenho pensado e que não é tão marginal como parece. Não sou professor mas fui casado com uma professora e, para mal dos meus pecados, fiz a tremenda asneira de me casar, em segundas núpcias, com outra. Porque será que nunca aprendemos com a primeira asneira? Mas vamos em frente. Eis uma passagem de uma notícia de ontem à noite da TSF Online: “a ministra da Educação disse à TSF que na origem dos protestos dos professores está o aumento das «exigências» pedidas aos docentes, como «mais tempo de trabalho na escola»”. A táctica é sempre a mesma: os professores são uns privilegiados, são uns calões, não querem ser avaliados, não querem trabalhar as mesmas horas que os outros trabalhadores da Administração Pública nos seus postos de trabalho... Perdem-se os professores? Que se lixem. Ganhamos a opinião pública. Até somos capazes de aumentar os subsídios à CONFAP, para que estejam incondicionalmente do nosso lado. As crianças vão ter aulas menos preparadas neste ano lectivo porque os professores vão ter outras “tarefas”? Que se lixem... é preciso é passar a ideia de que estamos a fazer uma “reforma”, que este Governo faz alguma coisa. E eu que até votei neles e até sou militante do PS... Eu gostava de ter uma vida “normal”, com a minha mulher. Que ela não chegasse a casa já noite cerrada, esgotada, nervosa, sem paciência para me aturar. Raios! Sem querer ser machista... tenho direito a isso.
Cumpram-se as leis do trabalho. Onde se aceita começar a trabalhar às 8:30h, interromper às 14:00h e ter que voltar à Escola às 17:00h para uma reunião de trabalho que nunca se sabe quando acaba? Não terão os professores os mesmos direitos dos outros trabalhadores? Mas infelizmente, Senhores Professores, os senhores e as senhoras não têm sabido reagir às tácticas do Governo e da Senhora Ministra.
Não têm sabido “ganhar a opinião pública”. E era tão simples. Assim:
1
Nós os professores não queremos mais “privilégios”, queremos trabalhar, nas instalações das Escolas, as nossas 35 horas semanais, queremos cumprir os horários de trabalho legalmente como os outros trabalhadores. Temos direito ao respeito pela nossa vida privada e familiar. Temos o direito de, uma vez cumprido o nosso horário, prestar atenção aos nossos filhos, aos nossos cônjuges, como o podem fazer os outros trabalhadores, sem serem permanentemente obrigados a pensar no serviço. Cumpriremos também as horas extraordinárias que sejam legais exigirem-nos, mas... essas contabilizam-se e pagam-se.
2
Nós, os professores, não recusamos qualquer avaliação, antes pelo contrário, mas não aceitamos que, por exemplo, tenhamos que avaliar do ponto de vista científico, um/uma colega de área diferente da nossa, nem sermos avaliados por um qualquer colega ou Senhor Inspector com preparação científica de outra área que não a mesma que nós. (exemplo à parte: a minha mulher, que é professora de Inglês, vai ter que avaliar, e também do ponto de vista cientifico, uma colega de espanhol. Acho que a minha mulher sabe dizer “gracias“ e pouco mais... Já lhe disse que tem todo o direito de se declarar incompetente nesse item específico da grelha. Ela até não pode dar aulas de espanhol!...)
Francamente gostava de ver este tipo de luta, gostava de ver explicar isto claramente a todos os portugueses, gostava que os professores não se deixassem ingenuamente levar na onda propagandística do Ministério.
E gostava de ver nas notícias, por exemplo, o passado em termos absentistas do tal Senhor Secretário de Estado Valter Lemos, a relação das suas faltas de cumprimento de compromissos assumidos perante os portugueses, nomeadamente em Castelo Branco, e a descrição pormenorizada do seu percurso politico passado. Mas isso são águas de outro moinho..."
Olinda: "Parabéns aos esposos(as) de professoras(es) que tão bem escrevem testemunhando as suas experiências familiares. Deixo aqui um texto de mais um marido de uma docente para que juntos possamos reflectir."
OrCa: "Se, ao menos, houvesse a humildade de se reconhecer os sacrifícios, incomodidades e outras M.E.R.D.A.S. a que nos sujeitamos - riscos nos carros, insultos e ameaças por interposta pessoa, etc., etc. - até que nem seria mau de todo. Ainda assim, cada um(a) tem obrigação de saber ao que vai, quando casa com um(a) professor(a). Agora, esta cena apalhaçada de se mudarem regras do jogo em cada quinzena e vir dizer, com um desplante que roça o soez, que os professorzecos são uma corja de calões, ah, isso não!… Que eu, não sendo professor, levo com trinta e tal anos de devoção à causa do ensino por comunhão de adquiridos que mete qualquer Miluzeca de meia-tigela no coturno mais encardido de qualquer sem-abrigo cá do burgo! Olha, só a título de mero exemplo mesquinho, referindo incomodidades não contabilizadas: abomino férias em Agosto. Pois, por força da carreira profissional da minha-senhora-de-mim, levei a vida toda a tirar férias em Agosto... Desses trinta e tal anos, entre deslocações não pagas, alojamento não pago e refeições mal pagas, cerca de dois-terços do tempo levámo-lo ambos a subsidiar o ministério. Tecnologias de apoio, do lápis ao computador, do mais simples rabisco a sofisticadas apresentações em PowerPoint, fazem-se e pagam-se cá por casa, sim senhor, que a pelintrice institucional nem para anti-virus informáticos tem massas e, então, tudo que é computador de escola só anda devagarinho ou parado. O asco maior é quando vêm com tretas de comparações com Finlândias e outros desvarios. Ofereçam condições de trabalho minimamente equiparáveis, que depois a malta fala. Até lá tenham juízo e acautelem os costados, que isto está mesmo é a pedir bengalada! Os professores saíram à rua? Abençoados!"

A minha amiga Gotinha também fez uma referência a esta carta no seu Blogotinha. Aí, a Matahary fez um comentário que transcrevo aqui, ao abrigo do direito de chacota:
"Que é que esse gajo quer dizer com «trabalhos de casa»? Fazer a janta? Pôr a loiça na mánica? Grande coisa! E quando ele vai para fora, dias e dias à boa vida no estrangeiro, quem faz «os trabalhos de casa»? Ah, pois é...
Havia eu de conhecer esse gajo, que lhe contava umas das boas! Ele não está preocupado com o excesso de trabalho dos professores. Ele está é aflitinho com os «trabalhos de casa» que sobraram p'ra ele..."
Descobriu-me a careca!

março 01, 2008

A minha nona carta de trás da serra na revista Perspectiva

Triste ensina...

Olá,

Estou a escrever-te muito à pressa, que o tempo é pouco e tenho que fazer os «trabalhos de casa». São dez da noite e a minha mulher telefonou a dizer que está agora a sair da escola. Tem sido frequente este ano: eu e as nossas filhas jantamos e ela come depois qualquer coisa quando chega.
Já não me lembro do que é sairmos num fim-de-semana, porque precisa de estudar legislação e falta-lhe tempo para preparar aulas, testes… e depois corrigi-los. O tempo que passa na escola é ocupado com outras actividades... e reuniões aos montes.
Ela lá vai fazendo o melhor que pode mesmo que, como eu lhe digo, esteja praticamente a prescindir de ter tempos livres e a sacrificar a vida familiar. É que os professores têm uma característica que admiro: espírito de sacrifício. Como sabes, sou de uma família de professores e desde pequeno me habituei a ouvir os meus avós, os meus pais e os meus tios a falarem sobre irem “dar aulas para terras onde só se podia ir de burro”. Actualmente, mudou o meio de transporte mas a vida nómada mantém-se. Eu até acho que se devia dar a cada professor, no início da carreira, um kit com um burro, uma carroça, um cobertor e um cão. E, ao longo da carreira, sujeitam-se a situações e aceitam condicionalismos que noutras actividades seriam impensáveis. Há dias, em conversa com pessoas conhecidas casadas com professores, deram-me alguns exemplos. O marido da Mariazinha desabafa com ela ser “frequente as escolas não disponibilizarem os meios suficientes” para exercerem a sua actividade, sendo necessário adquirirem equipamentos e consumíveis que usam no seu trabalho. O Jorge Castro, que tem saudades de te ver por cá, acha que “propor a um professor que adquira um computador que vai utilizar como instrumento de trabalho, com acesso a uma bandinha larguinha, por preço ‘especial’ e condições ‘favoráveis’, é uma habilidade que não lembrava ao diabo” mas lembrou ao Governo. O Borges alertou que a mulher sempre teve necessidade de trabalhar em casa, além do horário que cumpre na escola e sem receber horas extraordinárias. Como disse o Pereirinha, “pode parecer um detalhe sem importância mas no Verão as famílias de professores só podem tirar férias na confusão do mês de Agosto, quando vai ‘tudo a monte’ para os destinos turísticos normais e os preços são mais elevados”.
“A isto”, lembrou a Filomena, “já estão infelizmente os professores habituados. Mas actualmente está a ser demais: congelamento de salários e de carreiras, alterações das regras de progressão com critérios que geraram injustiças e dos quais não foi permitido reclamar… e agora instalou-se o caos a meio do ano lectivo, com grande quantidade de legislação sobre o novo modelo de gestão, a avaliação dos professores e o novo estatuto do aluno, com várias lacunas e que estão a criar uma enorme confusão quanto a competências, leituras e implementações diferentes de escola para escola”. E fazer depender a avaliação de desempenho dos docentes do sucesso escolar e do abandono dos alunos? A Natália queixa-se da falta de sorte do marido, que "tenta sobreviver a uma turma de CEF's". CEF's?! Ela lá nos explicou que "são cursos para alunos especialistas em reprovações e com tendência para a asneira. É frequente ser alvo de ameaças, de agressões verbais e mesmo físicas. Sente-se entregue a si próprio. E será avaliado pelo desempenho deles". O Rogério estranha “se a ministra da Educação não se apercebe que criaram uma clivagem artificial entre professores, que se instalou o medo e um ‘stress’ tremendo”. Tive que lhe dizer que aos políticos não dá jeito ‘saber’. A Mariazinha perguntou: “O Ministério diz que quer valorizar a actividade lectiva – a nossa missão –, dignificar a profissão docente, promover a auto-estima e motivação dos professores mas… assim?! Se não dispõem dos meios e o tempo necessários? E se não podem preparar devidamente as aulas porque estão ocupados com burocracias?”
Tive que lhes dizer que o problema é o isolamento de cada professor e no receio de ‘dar a cara’, gerando frustração e uma revolta surda. Entretanto, como diz uma amiga professora, os familiares são «sofredores passivos». Como eu de passivo não tenho nem quero ter nada, até já pensei organizar uma Manifestação dos Esposos Revoltados de Docentes Abusados. Até aproveitava para te ir visitar...
É pena não estares connosco... e não estares casado com uma professora. Entender-me-ias melhor.
Um abraço deste que te estima,

Paulo Proença de Moura
Página on-line da revista «Perspectiva». Na secção das Crónicas estão disponíveis todos os meus textos anteriores.

fevereiro 22, 2008

Persuacção na Byblos


Só pela capa já vale o dinheiro

O meu livro «Persuacção - o que não se aprende nos cursos de gestão» já está disponível on-line na livraria Byblos. E com 10% de desconto sobre o preço de capa. É comprar! É comprar! Nem custa 100, nem custa 80, nem custa 60. Também não custa 50. Por € 45,63 leva três!

fevereiro 20, 2008

Sem palavras...


... e sem argumentos!

Foi isto que eu vi no debate (?!) do José Sócrates com os jornalistas da SIC.
Só mesmo o génio do Raim para resumir tudo numa imagem.

fevereiro 03, 2008

Argumentação Improvável

Os prémios Ig Nobel são organizados todos os anos pela revista «Annals of Improbable Research». Destacam "estudos que fazem primeiro as pessoas rir e depois pensar". Pretende-se com os prémios Ig Nobel "celebrar o inusitado, honrar o imaginativo".
Quem der uma vista de olhos pelos prémios dos anos anteriores (desde 1991) descobrirá várias pérolas da argumentação científica, como estes exemplos, só de 2007:
Prémio Ig Nobel da Medicina - Brian Witcombe de Gloucester, Reino Unido, e Dan Meyer de Antioch, Tennessee, USA que estudaram os efeitos secundários de engolir espadas - «Sword Swallowing and Its Side Effects»;
Prémio Ig Nobel da Química - Mayu Yamamoto do International Medical Center do Japão - desenvolvimento de um método de extrair vanilina (fragrância e sabor de baunilha) de bosta de vaca - «Novel Production Method for Plant Polyphenol from Livestock Excrement Using Subcritical Water Reaction»;
Prémio Ig Nobel da Linguística - Juan Manuel Toro, Josep B. Trobalon e Núria Sebastián-Gallés, da Universitat de Barcelona, por mostrarem que os ratos por vezes não conseguem diferenciar entre uma pessoa que fale japonês de trás para a frente e outra pessoa que fale holandês de trás para a frente - «Effects of Backward Speech and Speaker Variability in Language Discrimination by Rats»;
Prémio Ig Nobel da Aviação - Patricia V. Agostino, Santiago A. Plano e Diego A. Golombek da Universidad Nacional de Quilmes, Argentina, pela sua descoberta que o Viagra ajuda os hamsters a recuperar do jetlag - «Sildenafil Accelerates Reentrainment of Circadian Rhythms After Advancing Light Schedules».

janeiro 27, 2008

A minha oitava carta de trás da serra na revista Perspectiva

Olá,

Não tens respondido às minhas cartas mas eu entendo-te, porque sei que nestes últimos meses tens andado distraído com a Europa, essa mulheraça que tanta atenção exige e não perdoa que se poise o pé em ramo verde. Pois eu confesso-te que tenho andado sem paciência nenhuma com esta história do Natal começar em Outubro. Antes dizia-se que "Natal é quando o homem quiser" mas agora é quando o comércio decide. E é pena que ninguém tenha autoridade para acabar com esta pessegada do consumismo cego. É que vocês aí por Lisboa têm cargos pomposos mas para o que realmente é importante... pouco ou nada mandam.
Ontem à noite estivemos a aquecer as almas à volta do madeiro. Como os corpos também estavam enregelados, soube muito bem o garrafão de tintol que o Quatro Papos-secos levou. Enquanto o Dentes ajeitava umas brasas para assar um chouriço, o Zé Léu comentou: "isto de beber em copos de plástico até estraga o sabor do vinho, além de depois irem para o lixo por não serem reutilizados". A Mininha concordou: "se fossem só os copos de plástico... mas não. Fala-se tanto em preocupação pelo ambiente mas cada vez se faz mais lixo". O chouriço estava a ser virado e a conversa é que estava em brasa. O Betes relembrou-nos quando íamos à noite com as vasilhas de latão buscar o leite a casa de quem na altura criava uma vaca leiteira: "Agora é tudo em pacotes de cartão e plástico. As pessoas já nem sabem de onde vem o leite... e a nata não está lá". Como tu sabes, o meu fígado nunca foi grande coisa e o leite directo da vaquinha sempre me deu umas crises de que o leite de pacote me livra. O que eu fui dizer... "Porque agora compras leite mas o que bebes é água", atirou certeiro o Careca, fazendo jus aos seus dotes de caçador.
Já o Dentes cortava o chouriço em rodelas que colocávamos nas nossas fatias de pão centeio mas continuámos a falar sobre o paradoxo do desenvolvimento e do ambiente. O Dadinho, que como sabes tirou o curso de economia aí em Lisboa, falou-nos de um tal de Thomas Malthus: "Foi um economista britânico que já no início do século XIX alertou para o facto de as populações humanas crescerem em progressão geométrica enquanto os meios de subsistência só podem crescer em progressão aritmética. Ele previu a incompatibilidade entre o crescimento e a disponibilidade de recursos".
O Heitor, que veio passar o Natal à terra e te manda um abraço, deu a sua opinião: "Ao querer-se que os alimentos sejam limpos, higiénicos e não manipulados, salvaguarda-se de facto a saúde pública. Mas o ambiente é que paga, com os materiais de manuseio e embalagem em cartão, plástico, folha-de-flandres e esferovite, na sua maioria usados só uma vez e que vão logo para o lixo". Enquanto outra chouriça e uma farinheira de assar já estavam a passar pelas brasas, perguntámo-nos todos se não seria benéfico voltar um pouco às raízes, com menos caixas, sacos, pacotes,... pois o bem estar não pode ser confundido com comodismo. E, como diz o meu patrão, "a comodidade paga-se". Neste caso, com uma espiral caótica de lixo de que já sofremos as consequências. "Mas as futuras gerações serão ainda mais penalizadas. E já não se vai lá com travagens. Só mesmo fazendo marcha-atrás em alguns aspectos da nossa vida em sociedade", vaticinou o Plicas.
"Mas como", perguntei eu, "se a tendência é cada vez mais para a normalização e para a proibição de tudo o que fuja aos regulamentos?"
Eu não sei se esperava uma resposta séria de alguém, mas esta malta não consegue estar muito tempo sem a conversa descambar. O Chico Padeiro concluiu: "Tenho saudades do tempo em que mau ambiente era quando o Betes se distraía depois de uma feijoada!"
O que nos vai valendo ainda é este espírito que nos dá o conseguirmos ver as estrelas quando o céu, à noite, está sem nuvens. Coisa de que tu, às tantas, já nem te lembras.
É pena que não queiras vir até cá. Vinhas connosco cantar as Janeiras, que é sempre mais uma boa ocasião para comermos, bebermos... e pormos a conversa em dia.
Despeço-me com um brinde: à saúde e à amizade.

Paulo Proença de Moura
Página on-line da revista «Perspectiva». Na secção das Crónicas estão disponíveis todos os meus textos anteriores.