agosto 09, 2009

A Ana Andrade tirou (as suas) conclusões sobre o livro «Persuacção»

Fiquei, há dias, de terminar o que começara. É hoje.
Não tenho capacidade nem experiência feita para fazer uma apreciação crítica comme il faut, pelo que me atreverei a gatafunhar o que mais me surpreendeu e agradou no PersuAcção, de Paulo Moura (P.M., doravante, por causa dos calos nos dedos), sendo que desde já aviso que não há nada que me tenha desagradado ou desiludido (sou uma tendenciosa assumida, mas aqui nem se trata disso), pelo que nem merece a pena colocarem-me a questão.
Ora então vamos por partes:

1 - P.M. fez o que qualquer estudioso, de qualquer área, deveria começar por fazer: abordar o assunto que pretende tratar à maneira de um atleta de fundo. O assunto é, naturalmente, o "persuadir para agir", aplicado à gestão de empresas, campo que domina como poucos que conheço. De resto, se o domina, é porque é um gestor de fundo, que não se limita a tratar de financiamentos em reuniões de fato e gravata. Ele gere pessoas e, porque o faz, estuda-lhes sentimentos, perspectivas, preferências, humores. E consegue o inimaginável: que todos trabalhem com gosto, em projectos que sentem comuns e não dele, embora dele tenham partido. Vi-o partilhar derrotas e resultados concretizados e, se é dotado a ultrapassar fases menos boas, é sublime a festejar objectivos atingidos. Para a história ficará a festa de comemoração de uma vitória das grandes na empresa das Caldas (98), em que, não sei como, me vi em cima de um palco a imitar os Excesso e assisti, deliciada, à minha mãe a contar a uma plateia das grandes, um conto erótico, sem perder o ar respeitável. O feito de P.M.? Persuadiu-nos. Para agir.

2 - É evidente que, para persuadir, há que utilizar as regras da lógica formal e, sobretudo, informal. Sem entrar em tecnicismos (porque os que gostam deles já os conhecem, os que não gostam eram capazes de adormecer e os que não conhecem mas gostavam de conhecer, comprem o livro, faxabore, que é das Edições Sílabo), devo dizer que a compilação que P.M. faz, nesta obra, das regras da argumentação e possíveis falácias a detectar na retórica alheia, de modo a contra-argumentá-la com rigor, dão dez a zero em qualquer capítulo a isso dedicado nos manuais de Filosofia para o 11.º ano de escolaridade que me têm passado pelas mãos (e são muitos, que eu compro tudo o que não me oferecem as editoras). Por isso, desde já anuncio aos meus futuros alunos (e peço permissão ao autor) que este livrinho fará parte da bibliografia obrigatória da cadeira de 1.º semestre da Escola de Direito da UCP, Pensamento Crítico. Exaustivo sem ser maçador ou hermético (haja quem perceba que a Filosofia não é complicada, é tão-só um pensamento sério, que não tem por que ser chato), elenca todas as espécies de falácias e, por contraste, os bons e mais fortes tipos de argumentos a utilizar por quem quer persuadir. E queremos todos, santa paciência, nas mais variadas situações.

3 - Por outro lado: aplauda-se quem é capaz de perceber que não se faz Filosofia por fazer. Se se pensa com rigor seja sobre que assunto for, é com um propósito, um objectivo final (é a ideia de que prática e teoria são correlativas: uma é condição necessária da outra - p. 67). A Filosofia ou é aplicável, ou é feita por gente com os pés (descalços, de preferência) enfiados na terra, ou não passa de devaneio de intelectualóides que gostam de se ouvir. E P. M. tem um propósito: persuadir para mudar. Neste sentido, escreve uma frase que, quanto a mim, resume tudo o que naquele homem há de inesperado, de arrojado, de desprendido, de genial: "Os líderes podem inaugurar a mudança, mas essa própria mudança torna-se o novo statu quo. Por esse motivo defendo que, por paradoxal que pareça, o gestor «ideal» deveria ser aquele que se tornasse dispensável, que desse o lugar a outro nesse cargo, quando se apercebesse que o valor acrescentado que dá à organização é reduzido, inexistente, ou mesmo negativo. Polémico, não concorda?" (p. 45). É, Paulo. Muito polémico. Quase de loucos. Mas eu já te vi fazeres isto mesmo, com toda a elegância. Pena foi que quem te substituiu não fizesse puto de ideia disto que falas.

4 - Na tradição anglo-saxónica e nórdica, é comum haver filósofos (ou "licenciados em filosofia", como em Portugal dizemos, a medo, não vá alguém comprometer-se a pagar-nos para pensarmos, o que é uma grande maçada) a trabalhar em escritórios de advogados, imobiliárias, em empresas de ramos vários, ou até em faculdades de outras áreas (que, pasme-se, é o que me vai acontecer, mas isso é porque a Escola de Direito da UCP-Porto é dirigida por um visionário) como consultores filosóficos. Sim, sim, é a mais pura das verdades. E congratulo-me ao ler P.M. afirmar algo de muito próximo: "E, se, como Aristóteles acreditava, a filosofia começa com a perplexidade, os negócios deveriam naturalmente dar lugar à filosofia. Deveríamos fazer perguntas filosóficas sobre a natureza dos negócios. Porque se não entendemos porquê e para quê fazermos o que fazemos, não poderemos desenhar o nosso caminho em frente com sabedoria e discernimento." (p. 69).

5 - Finalmente, e já à margem das páginas do livro, fica sabendo, Paulo Moura, que, com a tua ajuda, descobri, há dois dias, que tema quero abordar numa futura (mas nada longínqua) tese de doutoramento, empresa que ando a protelar, não só por preguiça, mas sobretudo porque não me estava a ver a escrever páginas e páginas sobre um qualquer assunto poeirento que não interessasse a ninguém. Deste-me a indicação algures pelas últimas páginas do teu livro e, pela primeira vez, senti que era possível. Melhor ainda: tive muita vontade de o fazer. Porque se trata de algo com aplicabilidade. Que se pode fazer, com sucesso. Coisa que só irá perceber quem tiver os dedos bem enfiados na terra, com unhas sujas e tudo.

Muito obrigada por tudo isto.
(E, mais uma vez, desculpa a demora.)

Ana Andrade
Filha da Maria Augusta
Blog Câimbras Mentais

agosto 07, 2009

A Ana Andrade descobriu os primórdios do livro «Persuacção»!

Estarei a ser, provavelmente, presunçosa, mas creio poder encontrar a semente da obra que Paulo Proença de Moura publicou, em 2005, num remoto Março de 1998, numa sala de Epistemologia, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Passo a explicar.

Tive a sorte de ter como Professor de Epistemologia Geral, logo no primeiro ano do curso de Filosofia (e, mais tarde, no 3.º ano, de Filosofia Moderna, área em que é especialista), um Senhor chamado João Maria de Ascenso André. Mais tarde, viria a trabalhar, sob a sua batuta, na equipa de Produção do Teatro Académico de Gil Vicente, aquando do seu mandato como Director dessa instituição. Trata-se de um homem cujos interesses são vários, o que sempre me maravilhou: da agricultura ao teatro (dele, vi a mais mágica encenação d'O Principezinho, pela Bonifrates), das jantaradas com os alunos à poesia e à Filosofia de rigor. É autor de inúmeras obras, artigos e ensaios e, grande como só ele o soube ser sempre, abdicou de umas aulas para nos explicar como funcionava a Faculdade e o Instituto de Estudos Filosóficos, para nos ensinar técnicas de investigação (mal sabia eu que viria a utilizar os seus ensinamentos numa das cadeiras que leccionarei para o ano, na UCP) e os vários graus de um professor universitário, entre outras pérolas, que toda a gente parte do princípio que sabemos, mas nem por isso.

Um dia, lançou-nos um repto: fazer um trabalho de grupo sobre Ideologia, Ciência e Poder numa qualquer área do saber. Ainda sem grupo formado, soube o que queria: Economia! Houve surpresa na turma, porque todos esperavam que utilizasse a minha ligação ao Direito, mas na minha cabeça um nome pairava: Paulo Moura.

Paulo Moura era um licenciado pela FEUC em Economia, havia sido docente de Contabilidade Analítica ainda na Faculdade de Economia e no ISCAP e fora coordenador do "Centro Portugal Economia", suplemento do Diário de Coimbra. Mas, mais do que isso tudo, trabalhava como CEO, com a minha mãe e com o meu irmão, numa empresa que fez renascer das cinzas (e que às cinzas voltou, por mãos de incompetentes que should have known better, porque aprenderam com ele) nas Caldas da Raínha, bem como noutra, em Coimbra. Eu partilhara com ele a mesa a algumas refeições e sempre me cativara a causticidade das suas afirmações, a auto-imposição de ausência de quaisquer limites e, acima de tudo, o modo como levava avante, com pulso de ferro e muito humor, os seus projectos. Ouvia falar dele na sua ausência e habituei-me a admirar aquilo que eu considerava um homem anormal. Sim, anormal. Diferente, visionário, rigoroso, radical (no sentido de ir ao fundo das questões, à raiz de tudo). Um filósofo.

Vim a saber que o modo como o adjectivava não era disparatado (it takes one to recognise another): a sua ligação à Filosofia, mais do que por afinidade (que o era!), sentia-se epidérmica. O pensamento crítico, a atitude autónoma, o destemor no questionamento corriam-lhe nas veias, a toda a brida.

Por isso, Economia, era o que seria, tanto mais que o objectivo era trazer convidados à apresentação do trabalho e debater com eles o cruzamento entre a Filosofia e a sua área de trabalho. E foi brilhante, desde o início: trocámos faxes (sim, sou daquelas que fez o curso todo sem recurso à internet) quando ele estava nas Caldas e eu em Coimbra, encontrámo-nos para debater ideias e estruturar o que queríamos fazer dali. E fizemos.

Do dia, em concreto, lembro-me que ele já se encontrava no bar das Letras (que ele tão bem conhecia, de outras andanças) quando cheguei. Da aula, lembro-me de mim e dele. Do gozo que foi poder trocar ideias com quem sabia do que eu falava, tanto como daquilo de que estava ali para falar. Havia um grupo de trabalho, mas (desculpem-me!) não me recordo por quem era formado. Houve discussão, debate, interesse. O cruzamento entre a Economia e a Filosofia foi feito, chegando ele a afirmar que aprendeu mais de Economia por meio da Filosofia do que propriamente nos bancos da faculdade.

Houve Parabéns no fim, que partilhei com ele. E aconteceu, muitos anos mais tarde, um livro, resultado da sua tese de Mestrado em Ciências Empresariais:


Nela, da sua leitura, reconheço o cerne do que tratámos naquele aula, com aquele trabalho: trata-se de uma obra que, sob o mote de Persuadir para Agir (daí o persu-acção), se propõe a reflectir sobre o muito que a Filosofia tem a dizer no que concerne à Gestão de Empresas. E consegue-o. De forma brilhante. E arrojada, ou não fosse ele quem é.

Sobre o livro, proponho-me a fazer uma abordagem mais específica, num outro post (que este já vai longo, mas isto das paixões é como as cerejas, já se sabe...). Deixo-vos com um esboço (e não uma digitalização, que a modernice do scanner ainda não chegou cá a casa) da dedicatória que me escreveu, quando mo enviou. Porque há imagens que...



Ana Andrade
Filha da Maria Augusta
Blog Câimbras Mentais