setembro 14, 2008

Professores para toda a colher

Este texto do Mestre Dom OrCa, que tal como eu tem a dádiva de estar casado com uma professora, põe mais uns dedos em mais não sei quantas feridas (e não há dedos que cheguem) do ensino em Portugal:

"alguns disparates sobre o Ensino que me ocorrem ao ouvir tantos disparates sobre o Ensino...

Um professor do Ensino oficial deve ter, como qualquer profissional, as suas competências. Neste caso, perfeitamente definidas e parametrizadas pela entidade para a qual presta serviço: o Ministério da Educação.
Uma e outra vez, ano após ano, a pesada máquina burocrática do Estado exigiu que cada professor declarasse as suas habilitações académicas para aceder a concurso de uma área lectiva específica e limitadíssima, em termos das tais habilitações literárias, condição sine qua non para garantir acesso à arte nobre de ensinar através dos malfadados concursos.
Com os tempos muito «modernos e tecnológicos», que assumiram algum fulgor com a Dona Manuela mas bateram forte com a Dona Maria, surgiram novas «lógicas» e preceitos que tudo subverteram, mandando às urtigas o edifício caótico que era o ME... para criarem outro tão caótico como este.
E começa a ouvir-se falar, com insistência suspeita, de polivalências.
Para promoverem a «polivalência» do pessoal docente - «polivalência» intimamente associada a conceitos (discutíveis) da mais estreita economia de meios e poupança de recursos, a que se chama abusivamente «racionalização», entenda-se... - passaram a promover algo que recorda um daqueles falsos silogismos que faziam as nossas delícias nas aulas de Filosofia: uma mesa tem pés, quem tem pés, tem dedos; quem tem dedos, tem unhas; ora, como quem tem unhas, toca guitarra, nada impede que uma mesa toque guitarra.
E eis os professores, mais ou menos titulares, transformados em guitarristas...
Não terão mesa, que as condições de trabalho são parcas, quando não porcas. Mas têm cátedra e, como é sabido, as cátedras também têm pernas, e quem tem pernas, tem pés, etc., etc.
Com uma oferta ilimitada de licenciados, sem destino nem futuro, a criar uma base amorfa e acrítica de carne para o canhão deste experimentalismo duvidoso, o futuro apresenta-se radioso para os mentores destas bizarrias.
Assim, a nova «lógica» tende a aproveitar os professores não através dos conhecimentos que os enformam, mas tão só pelo facto de serem... professores, prontos para todo o serviço, leccionando não em função das suas competências, mas sim em função das «apetências» de entidades mais ou menos oficiais, mas estranhas, no geral, ao ambiente da própria escola.
O modo abstruso como a sociedade portuguesa «evolui» também propicia o acomodamento quase diria sorna dos pais a este estado de coisas: descarregam-se os putos na escola, lá pelas oito da matina, o que dá tempo para uma bica antes de picar o ponto, e levanta-se o produto lá para as dezanove horitas, a tempo do telejornal e da telenovela. E até já trazem os TPC feitos!
Mas isto vai!... Daqui a uns anitos, qualquer professor do ensino básico público (e privado), em Portugal, fará inveja ao Leonardo da Vinci, com a gama de competências de que estará imbuído. Algumas de que o próprio Leonardo nem sonharia, como o de carpinteiro de toscos, pintor de paredes ou empregado da limpeza...
Também dificilmente se encontrarão baby-sitters mais qualificados e por tão baixo preço.
Espero bem - eu que vou entrando na idade - que esta filosofia vingue em estabelecimentos de ensino para a terceira idade. Vamos todos para a escola, que eles lá tomam conta de nós.Vejam lá o que vamos poder poupar em lares!"

OrCa

Despesas profissionais dos professores


«a fachada» - HenriCartoon


Já escrevi tanto sobre a falta de meios dos professores...
Mas tudo está na mesma, pelo que continuo na mesma a escrever sobre isso.
Desta vez transcrevo aqui uma mensagem de uma professora para a Ministra da Educação sobre despesas profissionais e as apregoadas «facilidades»:
"Dicionário Editora da Língua Portuguesa 2009 - Acordo Ortográfico - € 40,41
O Acordo Ortográfico é uma inevitabilidade e enquanto professora vejo-me obrigada a adquirir não só este dicionário como gramáticas e prontuários actualizados.
Sra. Ministra, não deveriam os professores ter um subsídio?
Afinal de contas, não foi o nosso primeiro ministro que há dois dias afirmou que "o tempo das facilidades acabou"?! Fiquei a pensar: somos nós que pagamos as resmas de papel, os tinteiros, as pens, os computadores, os dossiers, os separadores, as micas, as canetas, os acetatos, os lápis, as borrachas, os dicionários, as gramáticas, etc... A ser assim, apetece-me retribuir-lhe a mesma frase dizendo que todos os professores é que lhe têm facilitado a vida e o orçamento de Estado, Sra. Ministra."
Gotinha

A minha mulher ainda não iniciou as aulas mas uma resma de folhas brancas A4 e um tinteiro de impressora já marcharam... a bem da Nação, como se dizia antigamente! Já para não falar da «Agenda do professor» e de todo o material que a Gotinha lista.

Adenda do OrCa, sempre a tempo:
"E as mensagens «de serviço» remetidas para a caixa do correio e para serem lidas em casa, provenientes dos Conselhos Executivos e de outros colegas? E a aquisição de material para motivação nas aulas? E a baba dos deficientes a lavar da roupagem, a bem da higiene de todos? E o risco na pintura do carro pelo 3 dado a quem queria 5 e merecia 1? E o processo disciplinar proposto por aquela mãe cujo filho levou uma lamira do professor quando se encontrava a estrangular alegremente um colega com metade do tamanho? E e e e e e e....."

Como já escrevi, se eu fosse professor exigiria tudo o que fossem os recursos necessários para a minha actividade. Mas nesta classe estão habituados a queixar-se e não a exigir os meios para cumprirem com os seus deveres. Assim, não vão longe... e os governos agradecem o que poupam à custa dos orçamentos familiares dos professores.