As coisas são como são, lá se diz, com a pretensão, tímida e frustre, de não se agitar muito o pântano, em favor de que não se evolem incómodas pestilências a pituitárias mais sensíveis.
Cavaco primeiro-ministro recusa, perdão, ignora pensão a Salgueiro Maia, enquanto Cavaco presidente condecora dois pides, um dos quais responsável pelos disparos indiscriminados sobre a multidão, em pleno 25 de Abril.
Cavaco lá sabe o que faz. E, assim, Cavaco condecora com a força que o sistema eleitoral que temos lhe confere e, quanto a isso, nada a dizer. Ou melhor, talvez criar algumas salvaguardas democráticas a decisões arbitrárias dos mandantes não fosse despiciendo, até para evitar este alinhava e desalinhava em que Portugal é pródigo.
Cavaco, de uma assentada, condecorou com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, na área da Educação, Maria de Lourdes Rodrigues e Nuno Crato e brindou-nos com esta alegoria: «… as pessoas que vão ser agraciadas vão sê-lo sem que isso signifique qualquer juízo de valor em relação às políticas que executaram». Compreendi-te, como diria o nosso embriagado Vasco Santana falando para a rigidez impávida de um candeeiro.
E diz mais: que «deram o melhor de si próprio para ajudar nas suas convicções a construir um Portugal melhor».
Bagão Félix, também ele então agraciado e em paga pela fábula, retorque: «Nós observamos e agradecemos esta condecoração numa perspetiva de que a política verdadeiramente se engrandece através da diferença, diferença de ideias e de ideais em nome de Portugal».
Nesta altura, a comoção que me invadiu a par de indecoroso e inoportuno embargo da voz, não foram, no entanto, bastantes para evitar que uma dúvida atroz me assaltasse: diferença…? Onde, onde…?
E releio os nomes: Vítor Gaspar, Bagão Félix, Álvaro Santos Pereira, Luís Campos e Cunha, Paulo Macedo, Maria de Lurdes Rodrigues, Nuno Crato e Rui Pereira. E não me ocorre um, unzinho, que não integre a mesma orquestra de interesses. Talvez os penteados sejam diferentes,
Pouco depois, Cavaco condecora Sousa Lara, outra eminente arara desta orquestra reaccionária, que se notabilizou por boicotar a candidatura de Saramago a um prémio literário europeu por, alegadamente, o Evangelho Segundo Jesus Cristo não representar Portugal (?). Ai, reaccionário já não se usa? Tenho pena, mas não me ocorre outro termo ou expressão melhor enquadrados. Devem ser limitações minhas…
Sousa Lara, o então subsecretário do governo de Cavaco, que nem anda cá para enganar ninguém, lá foi anunciando que «um Governo tem uma conotação ideológica, não tem que agradar a toda a gente… É um Governo da maioria contra a minoria, em última análise. Toma medidas polémicas que, democraticamente sufragadas, têm de ser aceites».
O problema do homem é não perceber (nem tal lhe interessar) que o que foi democraticamente sufragado foi o elenco parlamentar de onde resultou um governo. Não – nem nunca – as «medidas polémicas» que ele possa tomar. Essas nunca se sufragam. E talvez resida aí uma ineficiência democrática.
Vejam lá se alguém os esclarecesse que, por essa mesma ordem de ideias, talvez fosse mais higiénico referendar ou sufragar as condecorações a atribuir, em cada ano, sem que tal estivesse dependente de algum relampejo anacrónico de qualquer personalidade política em falência técnica?
Entretanto, os telejornais todos nos bombardeiam há semanas com a campanha eleitoral dos Estados Unidos, cuja fase final ocorrerá em Novembro de 2016 (!!!) como se tal efeméride, se não divulgada à exaustão, já hoje, nos impedisse sequer de respirar.
Olha se lhes dava para fazerem o mesmo, democraticamente, a todos os países do mundo… Era a insanidade. Atente-se a um mero exemplo: - Conforme notícia recém-chegada directamente de Ouagadougou, Roch Marc Christian Kaboré disputa a par e passo, no Burkina Faso, as eleições ao seu opositor Zephirin Diabré. Vamos de seguida proporcionar aos excelentíssimos telespectadores as duas horas de debates, convulsões e murraças que têm vindo a acompanhar estas disputadíssimas eleições ao longo da última semana…, etc., etc., etc.
E não venham dizer-me que o Burkina Faso não integra também este mundo em que vivemos, que diabos!
Bom e gostariam, então, que esclarecesse, nesta fase chegados, que cargas de água ligam as condecorações do Cavaco às eleições nos EUA ou no Burkina Faso: então não sabem que isto anda tudo ligado?
Eu nem consigo criticar porque até te tornava Comendador, Dom OrCa.
ResponderEliminarDe certo modo, não ser condecorado por Cavaco é um sinal de distinção.
ResponderEliminarCom quem te vejo, com quem te comparo, e ser comparado aos distinguidos por Cavaco, é distinção que se dispensa.