novembro 03, 2007

A minha sexta carta de trás da Serra na revista Perspectiva

Olá,

Desculpa eu estar a escrever-te com o meu ânimo em baixo, mas só de pensar que no dia 28 de Outubro vai passar a ser a hora de Inverno, perco toda a vontade quer de pão, quer de circo. Aliás, é tanta a raiva de ter que me adaptar à força às mudanças de hora que, se estivesse a usar uma máquina de escrever das antigas, pelo menos os pontos finais aparecer-te-iam nesta carta como buracos na folha.
Talvez por isso me apeteça hoje falar-te de algo que nos preocupa muito desde há já alguns anos: a situação difícil em que está o sector dos têxteis e confecções, que emprega tantas pessoas aqui na nossa terra. E, ao contrário de regiões onde há mais indústrias e de diversas actividades, aqui por perto não há praticamente nenhumas alternativas à única fábrica de confecções que existe.
Lembras-te da minha carta quando, há uns quinze anos atrás, regressei de uma viagem de trabalho à Alemanha? Contei-te que, na região que visitei, dezenas de fábricas cerâmicas tinham encerrado há pouco tempo, devido à invasão do mercado por produtos mais baratos da Europa de Leste e da Ásia. Foi claro para mim, se te recordas, que a globalização, se não seria um bicho-de-sete-cabeças, teria pelo menos seis, como num desenho que o Lourencinho do Professor Rogério fez um dia sobre uma cadeira do curso de engenharia: grande pincel!
Mas temos o que merecemos, não achas? Como trabalhadores, queixamo-nos da concorrência desleal. Só que, como consumidores, compramos o que e onde é mais barato, «esquecendo-nos» da nossa revolta. Alguém deixa de comprar produtos numa «loja dos chineses», por exemplo, por não conseguir saber como é possível vender com aqueles preços e ter lucro? Ou alguém, antes de pagar, faz cálculos ao que poderá ser o salário de quem fabrica aquilo? Pois é, como trabalhadores queremos que as nossas empresas tenham sucesso, mas como consumidores a prática é outra.
Como sabes, durante vários anos aceitei desafios para tentar recuperar empresas em situação difícil, inclusivamente no sector têxtil. E sempre houve algumas coisas que me fizeram muita confusão. Os trabalhadores admiram-se sempre de haver encomendas e a empresa deixar de pagar salários, mas será que ninguém pensa que o problema está nos preços de mercado esmagados pela concorrência, muitas vezes também desesperada, e que não permitem cobrir os custos? Porque há sempre quem ache que o Estado deve apoiar empresas em situação difícil, sabendo que isso se torna uma forma de concorrência desleal para com outras empresas? Por que motivo os sindicatos acham que a melhor «forma de luta» numa empresa em situação difícil é a greve? Não conseguem antever o impacto negativo que quaisquer paragens têm em termos de prazos de entrega, agravamento de custos e deterioração da imagem da empresa perante os clientes, fornecedores e bancos? O que leva algumas pessoas a queixarem-se das condições de trabalho e da situação das suas empresas quando, entretanto, não cumprem parcial ou completamente as suas obrigações laborais, prejudicando os seus colegas e a empresa como um todo? É que, como sempre me ouviste dizer, uma empresa não pode ser a Santa Casa da Misericórdia!
Voltemos à nossa terra, que é onde se está bem. Sei que concordas comigo quando digo que esta gente tem uma capacidade de resistência fora de série, à imagem das giestas que crescem entre os penhascos de granito e resistem ao frio cortante da serra. É a nossa riqueza (do) interior. Despeço-me com votos de que nos consigamos sempre adaptar ao que o futuro nos trouxer.

Paulo Proença de Moura
Página on-line da revista «Perspectiva». Na secção das Crónicas estão disponíveis todos os meus textos anteriores.

ps - tenho que agradecer ao meu amigo Pedro Laranjeira a sugestão que ele me deu com o anúncio que colocou na página da minha carta na revista Perspectiva. É bom andar prevenido e isto não é de granito dente de cavalo, como o monumento fálico do Ferro.

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