Olá,
Como vai isso aí pela capital? Ouvi dizer que fizeram um magusto na Assembleia da República. Não consigo imaginar um magusto sem ser no meio de um pinhal, com o frio a enregelar-nos o nariz e acompanhado com uma jeropiga que nos ponha a cantar a "Cana Verde dos Velhotes", terminando todos sempre com a cara enfarruscada pelas cinzas da caruma e dos paus onde se assaram as castanhas. Todos menos o Pinto, que nunca alguém teve coragem para lhe chegar as mãos encarvoadas à cara, sob risco de chegar a casa sem os dentes da frente. O Dadinho, esse, uma vez até lhe desapertámos as calças e pusemos-lhe a pilinha negra. Mas só a cor, porque de resto o frio do Outono na Serra não perdoa. Lembras-te?
Sabes que estive há dias aí em Lisboa? Fui a uma conferência de economistas. Chegámos cinquenta minutos atrasados porque estivemos parados na auto-estrada perto de Alverca, devido a um choque de viaturas em cadeia. Desabafei com um camionista parado ao nosso lado que na minha terra às vezes também temos que parar na estrada para deixar passar um rebanho, que deixa irremediavelmente tudo cheio de berlindes castanhos. Ele não ligou nada ao que eu disse, continuou com ar carrancudo e até me olhou com um ar desconfiado, mas eu já tinha ouvido dizer que nas cidades as pessoas não falam com estranhos. E na nossa terra, como sabes, não há estranhos.
Uma das pessoas que falou na conferência foi a Manuela Ferreira Leite. Apreciei especialmente quando alguém da assistência a confrontou com a discrepância do IVA entre Portugal e Espanha, originando nas zonas de fronteira idas de portugueses às compras ao lado de lá, "com a perda de receitas para o Estado que isso implica". Manuela Ferreira Leite respondeu que isso não a preocupava, já que as receitas de IVA das regiões fronteiriças representam algo como zero vírgula muito pouco por cento do total. Como a considero uma excelente economista e tem acesso a estes dados, tudo me leva a crer que é mesmo assim. Ora isto dá-me uma ideia: sendo as receitas do IVA residuais, que tal o Estado prescindir delas, isentando desse imposto os bens e serviços disponibilizados no interior? Pelo menos, que lhes fosse aplicada a taxa mínima. Aí sim, em vez de irmos a Espanha comprar aqueles caramelos solanos que se agarram aos dentes, os espanhóis que viessem cá. E até lhes podíamos pedir, depois de ganharmos alguma confiança, que nos trouxessem uns barris de gasolina sempre que viessem. E como vocês por aí estão sempre a alternar no poder (um "poder de alterne"?!), bem que poderiam fazer um pacto de regime, que me parece que até está na moda por esses lados.
Quando na mesma conferência se falou dos problemas que se colocam à economia portuguesa, ficou claro que o Estado português está em falência técnica. Isto é uma conclusão minha, que aquela malta não pode dizê-lo, sob risco de terem problemas com a entidade patronal. Aliás, quando depois das primeiras chuvas de Outono fui aos míscaros com a Rosita e o Alex Narigudo, ele viu um «peido da avó», como chamamos por aqui àqueles cogumelos cujo chapéu parece um balão. Como sempre fizemos desde pequenos, pisou-o e aquilo soltou o ar lá de dentro como uma discreta bufa. E o Alex comparou: "Estes peidos da avó são como a economia. Transmitem uma imagem que nos ilude, mas são ocos por dentro".
E agora tenho que terminar desejando-te muita saúde, que é hora da janta e tenho ao lume um arroz de míscaros numa panela de ferro, que vou acompanhar com um tinto da Quinta dos Termos do meu amigo João Carvalho, um dos miminhos da nossa terra.
Paulo Proença de Moura
Página on-line da revista «Perspectiva». Na secção das Crónicas estão disponíveis todos os meus textos anteriores.
A carta à sétima peidou-se!
ResponderEliminarClaro na minha perspectiva!
Mas ainda bem que foi lá por trás da serra!
E tens toda a razão :O)
EliminarMas esta carta já é de 2007.
Leste o artigo que escrevi hoje? Era o segundo link do meu e-mail...