março 22, 2010

Pornoeconomia - a versão do Jorge Castro

"no dia da Poesia
fui a uma casa de tia
deixar por lá algum verso
que de atrevido ou perverso
nos fizesse algum sentido
ou trouxesse demasia
no concerto do universo

mas fiquei desiludido
por não haver nesse abrigo
as boas putas coitadas
já todas escorraçadas
por morais e bons costumes
e outros tantos estrumes
em que é o mundo pródigo

só lá encontrei uns velhos
rameiros politiqueiros
que a malta já não indulta
mas cheios de bons conselhos
malvados alcoviteiros
de pôr todos de joelhos
a bem dos da face oculta

e por quanto se anuncia
a não louvar velhas putas
por ser indigno e machista
digo eu que há mais poesia
nessas penosas labutas
do que na corja chupista
que nos esmifra a carteira
bem mais que alguma rameira
muito mais que as velhas putas.


Jorge Castro"

E ele próprio esclarece:
"Reposicionemos a cena, sem linguagem encriptada:
- Ele há os gestores de topo, depois vêm os outros gestores, até aos gestorzinhos. Logo abaixo, há uma cáfila de agentes bem remunerados - directores, directores adjuntos, subdirectores, etc. - que constituem o exército, os homens (ou mulheres) de mão que, metendo a mão na merda, estão mais em contacto com os servos.
Acima e ao lado dos primeiros do elenco estarão os governantes.
O meu protopoema, na verdade, é dirigido à cáfila dos que fazem cumprir as ordens do dono, aos «intermediários», ao exército de paus-mandados com quem convivemos no dia-a-dia... e com os quais, tantas vezes, condescendemos, também por interesse, por cobardia ou por simples acomodação.
O que se passa com a alteração sucessiva das regras das pensões, por exemplo, justificaria por si só um levantamento nacional. Mas quem quer, com tanto tomate que anda para aí à solta, empunhar essa bandeira?
O que vemos nós? Uma correria desarvorada às reformas, antes que seja «tarde». Tarde para quê? Para batermos a bota ou para levarmos com ela, ritmadamente, no cu?
Quanto ao mais, a poesia serve para o que quisermos. A maior parte das vezes para nada ou muito pouco. Ainda assim, diz-se que é uma arma carregada de futuro...
Jorge Castro"

março 21, 2010

Pornoeconomia

Rui Pedro Soares recebe 1,5 milhões de euros da PT em 2009

Eu acho isto* pornográfico!

PT divulga pela primeira vez os salários dos gestores

Estes valores pretendem remunerar o quê? O risco? A responsabilidade? O desgaste rápido? Alguém me explica?
Sim, no resto da Europa também é assim:
Remuneração a gestores da PT é 35% inferior à média europeia
O que isso quer dizer é que não é só em Portugal que isto se passa. Engraçado, não me lembro de alguma vez ouvir falar em «justiça económica». Será tabu?...

* Não me refiro somente ao caso específico deste senhor. Isto, como sempre ouvimos nos cursos de economia, é "sem perda de generalidade"

Entretanto, li no Facebook este comentário do Amadeu Magalhães:
"Portugal é o melhor patrão do mundo! É a conclusão a que chego, tendo em conta os ordenados que pagamos aos nossos empregados, que gerem o nosso dinheiro e cargos de mais «responsabilidade». Não me parece difícil de perceber onde está a origem dos nossos problemas: andamos na horta, mas não vemos as couves!"

março 20, 2010

Os bancos, a especulação, a crise... e os economistas

"Os banqueiros falharam por incompetência"
Joseph Stiglitz
Prémio Nobel da Economia 2001


Excertos de uma entrevista para «Le Nouvel Observateur» publicada na «Visão» de 11 de Março de 2010, em que Joseph Stiglitz, depois de ter alertado para os perigos da "financialização» da economia, denuncia a avidez dos bancos e a sua recusa de qualquer reforma financeira:
Qual é a sua reacção face à especulação contra os elos fracos da Zona Euro?
É incrível: as dívidas externas e os défices públicos da Grécia, Portugal, Espanha e Itália são resultado da salvação dos bancos, cujas malfeitorias causaram a crise. E, agora, estas mesmas instituições fazem fortunas mordendo a mão dos seus salvadores! Mas não deveríamos admirar-nos. Não mudaram nem as regras nem as motivações destas instituições. Foi-lhes dado dinheiro barato para fazerem o que queriam, sem limitações, e eles utilizam-no para maximizar os seus lucros, sem se preocuparem com os custos sociais induzidos.
(...) A avidez de Wall Street é a única causa da crise? Os reguladores não falharam?
(...) a responsabilidade primordial [é] dos banqueiros. Não só não fizeram o seu trabalho e destruíram a nossa economia, como fizeram a campanha para atribuir a culpa a outros. Os banqueiros falharam por incompetência e por avidez: puseram em prática um sistema de remunerações que incentiva a assumpção de riscos excessivos e as estratégias a curto prazo. É verdade que os reguladores não impediram os bancos de se portarem mal. Mas quando alguém rouba uma loja, acusamos o ladrão... não a polícia, por não estar no local. E os economistas também tiveram um papel importante, ao legitimarem a ideologia da desregulamentação.
É muito crítico sobre a forma como o presidente dos EUA, Barack Obama, geriu a crise. Mas não terá ele herdado os remédios da equipa de Bush? Poderia fazer reformas enquanto a casa ardia?
Barack Obama podia ter feito mais. Fez campanha com «a mudança em que podemos acreditar» mas escolheu uma equipa económica associada aos políticos de ontem. Deu centenas de milhares de milhões de dólares aos bancos, sem impor condições. E, em lugar de recapitalizarem os seus bancos, os financeiros utilizaram o dinheiro para irem de férias, pagar a si próprios superbónus e distribuir dividendos. Por não ter actuado com vigor suficiente, perdeu parte da sua credibilidade.
(...)
As reformas definidas no G20 são à medida da crise?
Se as novas normas sobre os fundos próprios dos bancos forem efectivamente aplicadas, as coisas vão mudar. (...) Se tivéssemos reconduzido as «alavancas financeiras» autorizadas, de 30 para 1 (rácio dívida/capital) para... 10 ou 12 para 1, nunca teríamos tido um problema desta amplitude. A reforma dos bónus também deverá limitar a excessiva tomada de riscos (...).
Mas como asseguramos que a redução da dimensão dos bancos não afecta a sua capacidade para financiar a economia?
Reduzir a importância do sector financeiro é uma coisa boa. O facto de este sector pesar 40% no total dos lucros das empresas demonstra a que ponto a nossa economia está distorcida. Uma reforma pertinente encorajaria, pelo contrário, actividades mais úteis: o capital de risco, o crédito às empresas, a investigação...
Podemos levar a cabo essas reformas simultaneamente em todos os países ocidentais?
Isso seria o ideal, mas não é realista. Se esperarmos por uma acção concertada, não faremos nada. Os banqueiros apostam, de resto, nesta paralisia. Cada governo deve fazer o que lhe parecer adequado à sua situação. O argumento da concorrência desleal é uma falsa questão. O core business da banca continuará a ser local. Quanto às actividades especulativas, pouco importa que emigrem para as Caraíbas. De qualquer forma, não têm grande utilidade social. Interessam essencialmente aos apostadores e aos seus accionistas.
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Noutro artigo («as tragédias da austeridade») da mesma revista, a respeito da crise e revolta social na Grécia, podia ler-se:
"Manhattan (...) há três meses, decorreu um jantar num hotel de luxo onde alguns dos maiores gestores de fundos especulativos do mundo, caso do SAC Capital Advisers e do Soros Fund Management, terão discutido a melhor estratégia para fazer descer a cotação do euro, arrastando-a para uma quase paridade com o dólar. Objectivo: o lucro, claro. Afinal, estes fundos conseguem endividar-se 20 ou 30 vezes mais que o valor do seu capital e uma simples variação de 5% da taxa de câmbio pode render-lhes o dobro ou o triplo do investimento feito (...)"