... a propósito do excelente texto de Rick Gervais «Why I'm an atheist», trazido e traduzido pela Ana Andrade:
OrCa:
"Antes de mais, as boas vindas à Ana. O Paulo sabe rodear-se!
Depois, o assunto: - acredito ou não em Deus. Pois eu não tenho motivos para acreditar ou deixar de acreditar em Deus, desde logo pela elementar razão de que o próprio nunca me pregou uma aldrabice que me levasse a deixar de acreditar nele... Porventura, falta de oportunidade. E a verdade-verdadinha é a de que ele não faz parte dos meus contactos de email, nem do Facebook.
Daí, a minha posição algo cínica e dubitativa sobre a matéria.
Por outro lado e pelas elementares razões anunciadas, a que podemos acrescentar o facto - esse, sim, universalmente conhecido - de Deus nunca ter aparecido em qualquer televisão remetem-nos, por questões de liminar lógica formal, à sua presuntiva não-existência, dado que é sabido que quem não aparece na televisão não existe.
Ainda que o conceito de Deus, levado à sua abstracção máxima - entendível por humanos, entenda-se... - de que Deus é o Universo, já o traz um pouco para mais perto de nós - e será razão bastante e óbvia para não caber nas televisões, até atendendo à sua dimensão circunstancial e ao reduzi tamanho dos estúdios.
Por outro lado - e seguindo em jeito de silogismo - se Deus é o Universo e se nós o incorporamos, então nós somos um pouco de Deus.
Ora, como o conceito não é quantificável - ninguém pode dizer que bocadinho de Deus é - cada um de nós é Deus! Atenção que este conceito deve ser extensivo aos vírus, às anémonas, aos repolhos, às minhocas, aos morcegos e, até, ao engenheiro Sócrates, etc., etc. Enfim, este sim, é um conceito pandémico.
Deus não estará, então, e como apregoam alguns, dentro de nós, mas somos nós próprios.
E, aí sim, eu não apenas acredito em Deus, como o conheço muito bem. Privo com ele nos mais desvairados locais e circunstâncias. E, aqui e ali, era até bem capaz de o achar merecedor de reprimenda ou vergastada, para além dos inumeráveis elogios quanto às suas manifestações.
Simplesmente não sou capaz de abranger toda a riqueza multidisciplinar do conceito atendendo à multiplicidade (que tende para infinito) das suas caras e manifestações contraditórias. E isso revela a minha limitação humana. Ainda que progrida, em cada momento, e se enriqueça esse conhecimento… assim a modos que um up-grade que a vida nos faz.
O tremendo disto tudo são as noções do infinitamente grande e do infinitamente pequeno… Eu explico-me: se Deus é o Universo, tudo bem, está (quase) percebido. Agora, se o Universo que nós presumimos ir conhecendo (pouco e mal) não é mais do que uma pindérica célula de um sinal na nádega direita de um Super-Universo? As nossas máquinas de calcular mais sofisticadas não comportarão dígitos para estas equações.
Maior do que esta baralhação conceptual só mesmo o discurso de um elenco governamental como aquele de que, hoje, dispomos…
Diria, em jeito de remate eternamente adiado, que Deus existe fundamentalmente sempre que nos dá jeito e alguns descobriram que, para viverem, mais vale bater a outras portas ou pedir noutras freguesias. Esses serão os ateus, em que me incluo. Não estarão certos nem errados – é tudo uma questão de divina opinião.
No meio disto tudo, igrejas, apóstolos, seguidores, teólogos e outra gente muito respeitável fazem-me sempre recordar aquele senhor que vende atoalhados na feira de São Pedro de Sintra e que não está ali para enganar ninguém. Felizmente que, pelo menos a esse, eu não sou obrigado a comprar nada."
Charlie:
"Ora bem, que agradável é poder trocar / complementar / esgrimir e coisas que tais, com estes excelentes compinchas (eu disse compinchas, Nelo).
Espero que tenham passado bem esta quadra festiva dedicado ao Natalis Solis Invictus a que o Cristianismo colou o nascimento do menino, menino esse que também foi buscar a outro culto, mas isso são por ora outras conversas. O que ressalta das apreciações sobre Deus(es), é a inevitabilidade da sua emergência. Para os que dizem não acreditar em nada de origem divina, relembro esta frase a propósito que Pessoa imortalizou:
- Onde está Deus, mesmo que não exista!...
Saramago chama à Biblia um manual de maus costumes e à luz da corrente humanista actual é-o certamente, mas tal como a Igreja afirma, é a palavra de Deus escrita pelos Homens, nos contextos histórico-culturais vigentes, donde se pode inferir desde a efabulação à mentira...
A personagem mítica de Cristo sofreu, por outro lado, do mesmo processo de «limpeza» que verificamos com Superman [Superman envolvia-se no início em ambientes sórdidos e assassinatos. Também os seus poderes eram mais limitados. A sua força vinha do sol amarelo da Terra, já que em Krypton o sol era vermelho. Também não voava nem tinha visão raios X, e os seus inimigos usavam filtros vermelhos sobre os prédios ou em aviões para combatê-lo. Com o tempo mitificou-se e tornou-se um semideus praticamente indestrutível, com um perfil moral de acordo com o padrão vigente. Mais um exemplo perfeito do fenomeno de mitificação que está na origem dos Deuses]. Da vida de Cristo resta como elemento de irascibilidade o episódio com que inicia a sua vida pública já em adulto, quando corre à chibatada os vendilhões do Templo. Cristo é depois e até à sua crucificação, a bondade e a doçura, o milagre e a palavra, mas sabe-se hoje pelos escritos do mar morto e outros textos, que ele seria um entre os muitos revoltados contra o ocupante Romano e que seria tudo menos doce e de comportamento mais consentâneo com os acontecimentos supracitados no templo. Um terrorista, diriam hoje....
- O que é então Deus? - perguntamos. Deus não cabe nas nossas classificações, pois sempre que o fazemos tiramos-lhe a divindade. Ao atribuirmos-lhe umas propriedades /qualidades, fazêmo-lo com exclusão de outras, o que o limita. E Deus só pode ser tudo por ser omnipotente. Ou será Ele a exclusão das nossas limitações e defeitos: o Bem?
O Bem e o Mal, como diria Nietzsche, são meras subjectividades, dependendo de que lado do benefício está o sujeito. Visto assim, cada ser humano tem o seu próprio Deus. Desde aqueles que não aceitam a sua existência até aos que fazem depender toda a sua existência Dele.
Podemos fazer um exercício académico: Imaginemos um Deus Criador de um Ser inteligente que não acredita nesse que o cria. Do mesmo modo, Ele cria um outro homem e, este sim, é crente. Podemos assim imaginar um novo perfil de Deus, um Deus gozão, que se esconde e enche o papinho de risota enquanto assiste escondido à discussão entre os dois.
Outro exercício é em tom contrário: Dois homens, um cria Deus e o outro desmonta esse Deus... Curiosamente, verificamos como em ambos os casos os argumentos convergem: a existência de Deus está sempre no fulcro.
Podemos ainda extrapolar. Deus criou o homem dando-lhe a conhecer apenas os limiares da sua existência, já que para O entender é preciso estar dotado da Sua infinita sabedoria e assim, em cada estágio da evolução, Deus dá-se a mostrar mais e mais, sempre à frente do entendimento no limite da fronteira humana, tendo como objectivo final a reunião com ele. A travessia do povo eleito pelo deserto durante 40 anos, como é referido na Bíblia, em que Moisés nunca chega à terra prometida, é uma perfeita analogia deste conceito.
Sendo então Deus revelado consoante o estado de cada ser humano, - ...sou da altura do que vejo, disse Pessoa... - temos assim para cada um de nós um Deus à medida. Todos os Deuses da Antiguidade seriam apenas aspectos dele que o Homem de então podia entender. Ele não existe para além do nosso entendimento, mesmo que não precise desse nosso entendimento para não existir, pois se Deus é tudo, é a existência mas também o seu contrário, a não existência. O Ateu é assim a prova mais cabal de que Deus existe, afirmando-a através da negação. Não ter Deus é possivelmente a forma mais divina e fantástica da sua criação.
Eu, Charlie, como Ateu, afirmo-o..."
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