agosto 25, 2014

um balde de água fria...

Certo dia, um tipo acorda, cheio ainda de todo o gel com que levantou a crista nos últimos dias, naquele momento especialmente criativo em que evacua excessos do dia anterior, mesmo, mesmo na iminência de sacudir o derradeiro resquício líquido, imbuído que está de um temperamento criativo que se lhe apercebe das orelhas aos pés, passando pela crista – algo murcha da noitada – e ocorre-lhe uma ideia fulgurante para tornar o mundo melhor, à sua constrangida maneira de ver, claro:

- Eh, pá, há já dois dias que ninguém fala de mim… Preciso de uma ideia! Deixa cá ver… uma maleita pouco conhecida, um apoio original – parvo –  e quanto mais o for mais apelativo será para os engraçadinhos habituais…– , apoio dos media, envolvimento de grandes personalidades e tal…

Mais arroba, menos quintal e eis que surge uma pandemia de parvoíce generalizada onde tudo o que se supõe ser «figura pública» quer ou é constrangida a entrar, se não quiser perder pitada desse engrandecimento só-por-dar-nas-vistas-dos-papalvos.

A maleita: a esclerose lateral amiotrófica (cujos pacientes estou em crer que mereceriam uma evocação e muito apoio através de meios consideravelmente mais dignos).

A parvoíce originalíssima: levar com um balde de água gelada pela cabeça abaixo.

E está determinado o sucesso à escala de todo o «mundo ocidental»!     

Valerá a pena perder o tempo com isto? Tenho as minhas dúvidas. Se o tal «mundo ocidental» anda, aparentemente, cheio de palhaços frustrados, sem arte nem escola, e imbuído, ou embutido, ou embebido, na mais extraordinária palhaçada de que há memória, a tantos níveis, porque não mais uma?

Inócua? Enfim, desperdiça-se ostensivamente a água cuja escassez, noutras partes do mundo, leva à morte de tantos seres humanos… Mas o «mundo ocidental» não se preocupa com tais coerências ou minudências. O que interessa é aparecer na tv, nos facebooks e tal, em manobras de fachada, e o resto é conversa de tristes.

Não lhes ter ocorrido despejar sobre si próprios um balde de excrementos…Disso, sim, tenho pena. Haveria, seguramente, outra coerência entre ideia, acto e personagem… E, assim, ninguém daria pela existência de qualquer desperdício.  

Se isto não é uma manifestação inequívoca de decadência civilizacional, de vulgarização alienada de um intuito solidário, não sei, então, o que seja.

E, não! Não é certo que os fins justifiquem os meios.

agosto 21, 2014

As Faixas de Gaza estão por todo o lado

o massacre dos Judeus em  Lisboa 1506
Temos assistido com alguma anestesia ao que nos territórios da Palestina acontece: à custa da repetição do estímulo a reacção entorpece, torna-se banal e só a formação moral nos empurra para a resposta negativa.

Os Palestinianos atiram uns roquetes e os Judeus arrasam um bairro. A desproporção é absoluta, de um lado dezenas de mortes a lamentar, do outro mais de dois mil, inúmeras crianças.
Há alguma irracionalidade nas acções da nação Sionista?
Só à luz da nossa racionalidade emocional carregada de valores de Humanidade que se diz ser Universal.
Mas, parafraseando o velho Orwell, os Homens são todos iguais mas há uns mais iguais do que outros. 
E à luz disso que os Falcões Judeus se sentem no direito de defender o roubo que fizeram aos que legitimamente reclamam.
Os Judeus têm sido perseguidos ao longo da História e  Portugal conta com uns episódios bem negros nesse particular como por exemplo quando por casamento de D. Manuel com Isabel, filha dos Reis Católicos, o nosso Pais aderiu à perseguição que estes levavam a cabo em território Espanhol e que culminou por cá com  a matança de 1506 em Lisboa: o terrível Pogrom. 
É cíclico este "downgrade" do Homem ao registo da bestialidade, e tal como afirmei nas linhas acima, a nossa diferença em relação à besta, é a capacidade da construção interior de valores, de relativizar, de substituir a reles vingança por reacções de carácter positivo.
Um sobrevivente numa rua totalmente destruída (Faixa de Gaza)
Desde o Holocausto Nazi que o mundo(?) se enche de uma tremenda compaixão pelo povo Judeu.
Nada contra, tudo a favor
Mas já agora a mesma compaixão, -com actos musculados se fôr necessário sobre quem "holocausta" - para com os Tibetanos, os Animistas vítimas do Islamismo Fundamentalista, o Povo de Gaza, os Velhos roubados das suas reformas, as crianças morrendo de fome por causa das mega-negociatas no ramo alimentar mundial, etc etc etc.
Veremos como temos uma Gaza mesmo ao nosso lado, quiçá dentro das nossa casas, em que os mísseis têm o silêncio das coimas, das penhoras, das cartas, mails ou SMS de despedimento, da operações urgentes adiadas devido aos "cortes" sempre em irracional contra-ciclo com o aumento de impostos, dos fechos das escolas e centros de saúde, obrigando as pessoas a andar de carro, com o carro que muitos não têm, nem dinheiro para gasolina ou taxi, nem carreira de camioneta que acabou porque o privado que a concessionou por altura da privatização perdia dinheiro com ela... e por aí fora...e por aí a fora...e por aí afora....Uma invisível muralha que cerca a quem não tem os mínimos recursos e que o Estado, retirando-se das suas obrigações de carácter civilizacional e até  Humanitário, promove
E tudo porquê? 

Por causa do dinheiro.
Dinheiro imenso dinheiro que os Banqueiros Judeus em Wall Street possuem com o qual tudo dominam e que por isso sustentam a sua jóia da coroa: um Estado insustentável no Médio Oriente em que cada amendoím produzido custa o valor de quatro. 
Mau negócio? Talvez, But the Bible tells you so.
And that's why Gaza must go on...


Mas tudo isto dá origem a um ciclo longo de consequências em cadeia.  Há custos económicos que tem de ser assumidos e repercutidos na máquina trituradora, levados mais longe ao longo das imensas engrenagens da engenharia financeira
No fim há as contas que alguém tem que pagar, e que sobram sempre para os mesmos: nós, os habitantes das nossas faixas de Gaza.


agosto 15, 2014

maresia

- reflexão suscitada pela irracionalidade do conflito na faixa de Gaza  

ainda se fôssemos seres marinhos
da família que se diz de equinodermes
simétricos se larvares
mas radiais ao crescer
metáforas do deus Hermes
tão férteis nos seus caminhos
prolíficos até morrer

ah se fôssemos holotúria
sem cérebro ou consciência
uma estrela ambulacrária
de inconstante pertinência
- seja aqui ou no Camboja -
por ter tal conveniência
de um braço já se despoja

um ofiurídeo - um crinóide
sem ter sistema nervoso
dando um ar imbecilóide
ao sujeito comatoso
que come só p’ra viver
vivendo para comer
num destino glorioso

mas não –
só estamos para aqui
sempre humanos sem querer
e matando outros humanos
que nem servem para comer
enchendo o mundo de enganos
sem dar o braço a torcer
- e que fará a arrancar…!

porque sabemos mudar
mas não está a apetecer…
  
… e no entanto o dia é fundo e descabido
na imensidão abissal do despautério
e mergulhamos a contragosto mal sofrido
tais bivalves tão expostos sem mistério…

- Jorge Castro