setembro 24, 2015

«Re-flexão» - António Pimpão

Hoje quase não se fala doutra coisa que não seja da derrapagem do deficit de 2014 provocada pelo registo, nas estatísticas das contas nacionais, do financiamento de 4,9 milhões de euros feito há um ano pelo Fundo de Resolução ao Novo Banco.
Fala-se muito sobre o assunto mas nada se diz de sério, de inequívoco, procurando uns aligeirar as consequências da situação e, outros, pintá-la de negro.
Não vi, ainda, qualquer jornalista abordar o assunto em termos pedagógicos, para que possamos seguir o fio à meada.
O que tenho lido e ouvido é, sobretudo, muita mistificação.
Vou procurar transmitir o que sei sobre o assunto.
Com a promulgação da Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro, conhecida por Lei do Orçamento do Estado (para 2011), o governo criou um novo imposto sobre a banca designado de Contribuição sobre o Sector Bancário (art.º 141.º da referida Lei).
Este imposto não foi, naturalmente, bem aceite pela Associação de Bancos e incide sobre o passivo dos bancos, a uma taxa variável entre 0,01 a 0,05% desse passivo.
Trata-se de um imposto e, como tal, constitui receita fiscal, a par do IVA ou do IRS.
Ao contrário dos restantes impostos, este não se destina a ser gasto nos encargos gerais da nação. Ao invés, é integrado num fundo, o Fundo de Resolução, gerido por uma administração no âmbito do Banco de Portugal.
Este Fundo de Resolução visa apoiar financeiramente as instituições bancárias que entrem em dificuldades.
Questão: quando este fundo aplica o seu dinheiro – proveniente dos nossos impostos – no apoio a bancos em dificuldades (como foi o caso do BES/Novo Banco) está a empresta-lo ou está a investi-lo?
O Primeiro Ministro, para dourar a pílula, defende que se trata de um mero empréstimo e, por isso, não é um gasto. Os organismos estatísticos nacionais (INE) e da união europeia (Eurostat, pelo contrário, consideram que se trata de uma aplicação, um investimento, e, como tal, da mesma forma que a sua cobrança é uma receita de impostos também a sua aplicação é uma despesa para efeitos orçamentais. E, para efeitos estatísticos, esta despesa corresponde à quantia aplicada, deduzida daquela que for recuperada no prazo de um ano (este prazo é, naturalmente, uma convenção). Isto explica a pressa com que o governo procurou vender o Novo Banco, pois dessa forma a despesa seria menor, ou seja, seria de 4,9 milhões de euros menos o valor da venda do banco. Mas sabia que a operação afetaria o deficit de 2014 (ano da aplicação), tanto mais quanto mais baixa fosse a venda. Como não se vendeu, todo o dinheiro aplicado foi incluído no deficit.
Embora aparentado, o dinheiro aplicado pelo Fundo de Resolução no Novo Banco não é um empréstimo, pois se trata de gastar dinheiro dos impostos. Empréstimo, aí, sim, é o que fez o governo ao Fundo de Resolução para que este pudesse capitalizar o banco com 4,9 milhões de euros, tendo, até então, e desde 2011, juntado apenas menos de um milhão de euros.
Também há quem culpabilize o INE (Instituto Nacional de Estatística) por só agora, a poucos dias das eleições, ter divulgado o agravamento do defict de 2014, gerando um ruído desfavorável na campanha. A verdade é que não podia ter agido de outra maneira, a partir do momento em que o governo tentou alienar o banco antes de ter decorrido um ano sobre a sua criação, porquanto a quantia a registar no deficit estava dependente do valor da alienação, como dito atrás.
É um facto que o agravamento do deficit em 2014 não prejudica em nada o deficit de 2015, na medida em que se tratou de uma situação extraordinária, irrepetível. A menos que seja necessário injetar mais dinheiro do Fundo de Resolução no Novo Banco.

António Pimpão

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