Tenho achado muito interessante, principalmente por ver retratado um mundo que, à primeira vista, não vejo reflectido no meu local de trabalho. Isto não pela incorrecção do livro (quem sou eu para o afirmar!), mas sim pelas características particulares de um organismo público, que tem sido o meu emprego há vários anos. Por outro lado, a minha posição particular (sem competências de chefia) distorce a visão que tenho do sistema ou, pelo menos, não me permite vislumbrar alguns dos conceitos que li.
A segmentação da organização é por demais evidente, dando origem às referidas capelinhas. Os objectivos locais ultrapassam assim os da organização, que permanecem num manto de mistério para funcionários do meu nível. Como tal, a única abordagem que poderia fazer era a de considerar o meu departamento como «O» sistema. Outro aspecto evidente é a abundância da imposição como forma de chefia, talvez por ser intencional esse esconder do caminho a seguir.
A inércia dos funcionários é notória e, do meu ponto de vista, perfeitamente compreensível. Repare-se:
1. Não temos uma noção clara dos objectivos da organização. Será porventura pura e simplesmente político, ou seja, abstracto e oscilante, conforme o governo;
2. Não há incentivos nem esforços de motivação dos funcionários. Parte-se do princípio que estão todos nas designadas gaiolas douradas e, como tal, acomodados. Ou seja, incentiva-se a inércia;
3. Raramente se observam orientações superiores (administração) que transpareçam mais do que a necessidade de resolver questões pontuais e muitas vezes mesquinhas.
Tudo isto transmite a ideia de que o que se espera do funcionário é, apenas, o manter a máquina em funcionamento. Como tal, a simples ideia de mudança ou agente de mudança é algo estranha para quem vive neste mundo. Porquê fazê-lo? O que se ganha com isso? Seria apenas um movimento quixotesco?
Peço desculpa pelo evidente desordenado das ideias, mas são reflexões em cima da leitura e muito perto do sono... :D
Decerto direi (ou postarei) mais qualquer coisa à medida que for digerindo o livro e os conceitos. (...) Para já, estou a achar muito interessante, já que me abre os olhos para o que não vejo à minha volta, passe o paradoxo... :)
Abraço
Mário Nogueira"
Mário,
Entendo perfeitamente essa sensação. Mas posso garantir que a sensação de lutarmos contra moinhos de vento não é exclusiva dos D. Quixotes dos organismos públicos.
E aproveito para dar o exemplo de um conterrâneo meu (cariense, portanto), João Amaral Tomás, actual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e a quem muitos chamam «o pai do IVA» (quem se recorda dos esclarecimentos que passavam na televisão, todos os dias, antes da implementação deste imposto em Portugal?). É um quadro da administração fiscal. No início dos anos 90 esteve no gabinete do então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Oliveira e Costa. Desde 1993 até 2002, foi conselheiro para os assuntos financeiros da representação do Governo português em Bruxelas (Reper). Em Outubro de 2001, foi renovada a requisição à DGCI para, em comissão de serviço de três anos, exercer o cargo de conselheiro económico da Embaixada de Portugal em Londres. Mas mês e meio depois, Rudolfo Lavrador, o secretário de Estado do Tesouro e das Finanças de Oliveira Martins, nomeou-o para as funções de assessoria técnica, com efeitos desde Setembro de 2001, ou seja, antes da nomeação para Londres. Em Março de 2002, o ministro Oliveira Martins louvou-o em despacho, pela sua "inteligência e lealdade". Em 2003, já no mandato do Governo Durão Barroso, Amaral Tomás passou a adjunto do secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Carlos Costa Neves, em cujas funções se manteve até Novembro de 2004, ou seja, já no mandato de Santana Lopes [fonte: Público].
Para mim, com o trabalho que está a ajudar a desenvolver e implementar na área fiscal, começando a dar credibilidade e a impor aos contribuintes (indivíduos e empresas) algum respeito pela máquina fiscal, o João Amaral Tomás é um exemplo a seguir de agente de mudança na «organização pública». Com o detalhe de ser de Caria (o que não é de somenos importância, para quem se queixa da interioridade).