dezembro 31, 2010

Decisões de Ano Novo

Nenhuma.
Népia.
Zero.

Nunca compreenderei por que é que, numa mudança de minuto hetero-imposta, a maioria dos humanos ocidentalizados se vêem na obrigação de comer passas à bruta, enquanto elencam doze desejos (e se só tiverem sete? e se lhes apetecer desejar quinze coisas diferentes?) e prometem a si mesmos que mudarão mil e uma coisas que sabem, à partida, que não vão cumprir.
Eu cá, tomo decisões ao meio dia de uma terça-feira, a meio de Agosto, como as tomo num domingo de Inverno, se achar necessário. As decisões tomam-se quando é preciso, não quando nos dizem que são para ser tomadas.
O Ano Novo não nos traz nada (nem bons resultados nos exames, nem turmas fantásticas, nem um Governo melhor, nem o fim da crise), nós é que traremos coisas aos doze meses que aí vêm - será assim tão difícil de perceber?

"Ah, é costume!"
ou
"É tradição, não sejas chata."

Vão-se lixar mas é todos, porque se estão à espera que o mundo (o vosso e o outro) mude à meia noite do dia um de Janeiro, estão a perder 364 dias cheios de minutos em que podem, isso sim!, fazer qualquer coisa para que a (vida) melhore.
E não peçam, executem.
Não desejem, façam.
Não esperem, alcancem.

Se eu tivesse uma só palavra a dizer sobre o assunto, diria que a Passagem de Ano é mais uma fraude que se inventou para se adiarem atitudes, decisões e vontades, enunciando-as apenas.
Se sou contra a Passagem de Ano?
Que disparate!!
Trata-se de uma festa e eu sou a favor de festas!!
Que vou fazer?
Sair, comer e beber, rir e divertir-me.
E, nisso, o dia de hoje não difere em nada dos outros dias do ano.

O texto sobre o ateísmo mereceu comentários interessantes...

... dos nossos amigos do Bairro Norton de Matos:

Tonito:
"Bom artigo.
O meu Deus não me chateia nada, ele tem a vida que entende,eu tenho a minha."

Alfredo Moreirinhas:
"Gostei!... Não há mais nada a comentar!...Achei uma delícia e fiquei com um argumento de peso!..."

Quito:
"Eu, que tenho a vivência de mais de duas décadas com populações dos meios rurais, apercebo-me quanto a religião é parte integrante das suas vidas, Há, até, uma certa «irracionalidade» na forma como dão uma qualquer explicação Divina para qualquer desgraça. Tudo tem, para aqueles povos, uma lógica. Este pequeno texto que acabo de ler, a brincar põe o leitor a meditar. Em meu modesto entender, Deus é algo de espiritual. Não existe acima de nós. Está dentro de nós, na forma como respeitamos e ajudamos o nosso semelhante. A forma como abraçamos as grandes causas colectivas. E esse Deus, o tal que existe dentro de nós, não é imaterial. Eu, modestamente, até consigo vê-Lo, quando nas noites escuras, fixo o céu estrelado. É uma cumplicidade Divina com o Mistério da Natureza, que certamente terá a sua explicação científica e se renova no suceder dos dias e das noites. Gostei do texto."

Chico Torreira:
"Bem, como sempre ouvi dizer que melhor com Deus que com o diabo, ao contrário, eu vou pelo Deus Uno que engloba os 2869 pequeninos Deuses.
Na realidade um texto que teoricamente nos faz pensar mas, na prática, não creio que vá alterar a crença de cada um. Isto também me faz pensar pois, teoricamente, era natural que alterasse."

Carlos Viana:
"Uma interrogação, logo à partida: em que limbo foram colocadas os 830 seres sobrenaturais que não foram considerados divindades?
Outra interrogação: será que eu sou mesmo ateu? Durante toda a minha vida apregoei que, tal como meu Pai, «sou ateu, graças a Deus».
Era uma forma de escapar ao ter que saber se acreditava no Deus Uno, nesse Deus que estava ligado, por culpa da Igreja Católica, aos mais hediondos crimes cometidos contra a humanidade.
O meu ateísmo, e não será só o meu, é fruto da revolta sentida contra os crimes cometidos em nome de Deus.
Bem vistas as coisas, estou disponível para adorar qualquer um dos 2869 deuses que tenha um CV sem crimes. Pelo menos isso eu exijo!"

O diálogo sobre o ateísmo continua

... a propósito do excelente texto de Rick Gervais «Why I'm an atheist», trazido e traduzido pela Ana Andrade:

OrCa:
"Antes de mais, as boas vindas à Ana. O Paulo sabe rodear-se!
Depois, o assunto: - acredito ou não em Deus. Pois eu não tenho motivos para acreditar ou deixar de acreditar em Deus, desde logo pela elementar razão de que o próprio nunca me pregou uma aldrabice que me levasse a deixar de acreditar nele... Porventura, falta de oportunidade. E a verdade-verdadinha é a de que ele não faz parte dos meus contactos de email, nem do Facebook.
Daí, a minha posição algo cínica e dubitativa sobre a matéria.
Por outro lado e pelas elementares razões anunciadas, a que podemos acrescentar o facto - esse, sim, universalmente conhecido - de Deus nunca ter aparecido em qualquer televisão remetem-nos, por questões de liminar lógica formal, à sua presuntiva não-existência, dado que é sabido que quem não aparece na televisão não existe.
Ainda que o conceito de Deus, levado à sua abstracção máxima - entendível por humanos, entenda-se... - de que Deus é o Universo, já o traz um pouco para mais perto de nós - e será razão bastante e óbvia para não caber nas televisões, até atendendo à sua dimensão circunstancial e ao reduzi tamanho dos estúdios.
Por outro lado - e seguindo em jeito de silogismo - se Deus é o Universo e se nós o incorporamos, então nós somos um pouco de Deus.
Ora, como o conceito não é quantificável - ninguém pode dizer que bocadinho de Deus é - cada um de nós é Deus! Atenção que este conceito deve ser extensivo aos vírus, às anémonas, aos repolhos, às minhocas, aos morcegos e, até, ao engenheiro Sócrates, etc., etc. Enfim, este sim, é um conceito pandémico.
Deus não estará, então, e como apregoam alguns, dentro de nós, mas somos nós próprios.
E, aí sim, eu não apenas acredito em Deus, como o conheço muito bem. Privo com ele nos mais desvairados locais e circunstâncias. E, aqui e ali, era até bem capaz de o achar merecedor de reprimenda ou vergastada, para além dos inumeráveis elogios quanto às suas manifestações.
Simplesmente não sou capaz de abranger toda a riqueza multidisciplinar do conceito atendendo à multiplicidade (que tende para infinito) das suas caras e manifestações contraditórias. E isso revela a minha limitação humana. Ainda que progrida, em cada momento, e se enriqueça esse conhecimento… assim a modos que um up-grade que a vida nos faz.
O tremendo disto tudo são as noções do infinitamente grande e do infinitamente pequeno… Eu explico-me: se Deus é o Universo, tudo bem, está (quase) percebido. Agora, se o Universo que nós presumimos ir conhecendo (pouco e mal) não é mais do que uma pindérica célula de um sinal na nádega direita de um Super-Universo? As nossas máquinas de calcular mais sofisticadas não comportarão dígitos para estas equações.
Maior do que esta baralhação conceptual só mesmo o discurso de um elenco governamental como aquele de que, hoje, dispomos…
Diria, em jeito de remate eternamente adiado, que Deus existe fundamentalmente sempre que nos dá jeito e alguns descobriram que, para viverem, mais vale bater a outras portas ou pedir noutras freguesias. Esses serão os ateus, em que me incluo. Não estarão certos nem errados – é tudo uma questão de divina opinião.
No meio disto tudo, igrejas, apóstolos, seguidores, teólogos e outra gente muito respeitável fazem-me sempre recordar aquele senhor que vende atoalhados na feira de São Pedro de Sintra e que não está ali para enganar ninguém. Felizmente que, pelo menos a esse, eu não sou obrigado a comprar nada."

Charlie:
"Ora bem, que agradável é poder trocar / complementar / esgrimir e coisas que tais, com estes excelentes compinchas (eu disse compinchas, Nelo).
Espero que tenham passado bem esta quadra festiva dedicado ao Natalis Solis Invictus a que o Cristianismo colou o nascimento do menino, menino esse que também foi buscar a outro culto, mas isso são por ora outras conversas. O que ressalta das apreciações sobre Deus(es), é a inevitabilidade da sua emergência. Para os que dizem não acreditar em nada de origem divina, relembro esta frase a propósito que Pessoa imortalizou:
- Onde está Deus, mesmo que não exista!...
Saramago chama à Biblia um manual de maus costumes e à luz da corrente humanista actual é-o certamente, mas tal como a Igreja afirma, é a palavra de Deus escrita pelos Homens, nos contextos histórico-culturais vigentes, donde se pode inferir desde a efabulação à mentira...
A personagem mítica de Cristo sofreu, por outro lado, do mesmo processo de «limpeza» que verificamos com Superman [Superman envolvia-se no início em ambientes sórdidos e assassinatos. Também os seus poderes eram mais limitados. A sua força vinha do sol amarelo da Terra, já que em Krypton o sol era vermelho. Também não voava nem tinha visão raios X, e os seus inimigos usavam filtros vermelhos sobre os prédios ou em aviões para combatê-lo. Com o tempo mitificou-se e tornou-se um semideus praticamente indestrutível, com um perfil moral de acordo com o padrão vigente. Mais um exemplo perfeito do fenomeno de mitificação que está na origem dos Deuses]. Da vida de Cristo resta como elemento de irascibilidade o episódio com que inicia a sua vida pública já em adulto, quando corre à chibatada os vendilhões do Templo. Cristo é depois e até à sua crucificação, a bondade e a doçura, o milagre e a palavra, mas sabe-se hoje pelos escritos do mar morto e outros textos, que ele seria um entre os muitos revoltados contra o ocupante Romano e que seria tudo menos doce e de comportamento mais consentâneo com os acontecimentos supracitados no templo. Um terrorista, diriam hoje....
- O que é então Deus? - perguntamos. Deus não cabe nas nossas classificações, pois sempre que o fazemos tiramos-lhe a divindade. Ao atribuirmos-lhe umas propriedades /qualidades, fazêmo-lo com exclusão de outras, o que o limita. E Deus só pode ser tudo por ser omnipotente. Ou será Ele a exclusão das nossas limitações e defeitos: o Bem?
O Bem e o Mal, como diria Nietzsche, são meras subjectividades, dependendo de que lado do benefício está o sujeito. Visto assim, cada ser humano tem o seu próprio Deus. Desde aqueles que não aceitam a sua existência até aos que fazem depender toda a sua existência Dele.
Podemos fazer um exercício académico: Imaginemos um Deus Criador de um Ser inteligente que não acredita nesse que o cria. Do mesmo modo, Ele cria um outro homem e, este sim, é crente. Podemos assim imaginar um novo perfil de Deus, um Deus gozão, que se esconde e enche o papinho de risota enquanto assiste escondido à discussão entre os dois.
Outro exercício é em tom contrário: Dois homens, um cria Deus e o outro desmonta esse Deus... Curiosamente, verificamos como em ambos os casos os argumentos convergem: a existência de Deus está sempre no fulcro.
Podemos ainda extrapolar. Deus criou o homem dando-lhe a conhecer apenas os limiares da sua existência, já que para O entender é preciso estar dotado da Sua infinita sabedoria e assim, em cada estágio da evolução, Deus dá-se a mostrar mais e mais, sempre à frente do entendimento no limite da fronteira humana, tendo como objectivo final a reunião com ele. A travessia do povo eleito pelo deserto durante 40 anos, como é referido na Bíblia, em que Moisés nunca chega à terra prometida, é uma perfeita analogia deste conceito.
Sendo então Deus revelado consoante o estado de cada ser humano, - ...sou da altura do que vejo, disse Pessoa... - temos assim para cada um de nós um Deus à medida. Todos os Deuses da Antiguidade seriam apenas aspectos dele que o Homem de então podia entender. Ele não existe para além do nosso entendimento, mesmo que não precise desse nosso entendimento para não existir, pois se Deus é tudo, é a existência mas também o seu contrário, a não existência. O Ateu é assim a prova mais cabal de que Deus existe, afirmando-a através da negação. Não ter Deus é possivelmente a forma mais divina e fantástica da sua criação.
Eu, Charlie, como Ateu, afirmo-o..."

dezembro 30, 2010

ó gente da minha terra...

Assalta-me, com inusitada frequência e cada vez mais, uma estranha sensação de me sentir – ou parecer que querem fazer sentir-me – um estranho numa terra estranha, conforme o título dessa obra de ficção de Robert Einlein que me povoou leituras de juventude.

Ele é a aceitação amorfa e acrítica ­– explicitamente amorfa e acrítica, pois parece fazer-se apanágio de tal­ – por parte da (aparentemente) grande maioria dos meus concidadãos em face das mais despudoradas atitudes governamentais no esbulho da coisa pública, na aldrabice ou sistemática contradição do que ainda ontem foi assegurado como verdade absoluta, na deriva alucinada de políticas nos pilares da cidadania que são a Saúde, o Ensino e o Trabalho… e o resto!

Ele é a moldura humana que se desassossega, que grita e se esgadanha para encher até aos bordos salas de espectáculo ouvindo lamechices medíocres e péssimas interpretadas por lamechas medíocres e péssimos, mais ou menos andróginos mas, invariavelmente, sequer sem pinga de voz que lhes valha a eles e às lamechices que entoam, ainda que com muito espectáculo de luzes, umas coristas conspicuamente descascadas e, até – pasme-se! – grupos orquestrais de qualidade, em palco, que tanto escasseiam para abrilhantar outros eventos mais razoáveis. E fazendo carreira – ou fazendo tony, que vai dar ao mesmo – com irrazoáveis proventos de fazer inveja a um santo, financiados por tudo quanto é poderes públicos… com os dinheiros públicos que, por sua vez, tanta falta fazem em tanto buraco de que este País se farta.

Ele é o fervor clubista que faz comerem-se vivos milhares de adeptos de equipas adversárias – claro, apenas do futebol que, quanto ao resto, o desporto dá saúde mas é só paisagem –, aparentemente sem qualquer espírito valorativo ou crítico em relação ao mundo de interesses que norteia e faz mover os futebóis… e, afinal, os faz mover a eles, também, lamentáveis marionetas desses jogos de interesses. Adeptos que se insurgem e se revoltam e insultam e apedrejam tudo e todos sempre que um qualquer «dirigente desportivo» dos tais futebóis lança uma atoarda idiota sobre qualquer peça de uma equipa adversária.

Ele é as manifestações lamentosas das escolas privadas quando o estado anuncia que lhes vai cortar subsídios, a elas que são privadas e que assim nasceram e querem ser mas que também contribuem desgraçadamente para o descrédito do ensino público através de habilidades demagógicas mas elitistas, e que vivem, afinal, sob a dependência da asa acolhedora do dinheiro de nós todos… mas que se querem manter privadas. Claro que haverá algumas de real interesse público, lá onde o Estado se demitiu por qualquer razão mais ou menos histórica e cujo desagrado se fundamenta em sólidas razões contratuais. Mas aí, pergunto eu, de que estará à espera o Estado para suprir tais carências? Agora, seguramente, essa função supletiva territorial não incidirá nas escolas privadas dos grandes centros urbanos e que também abicham o sacrossanto subsídio… 

Os exemplos da minha estranheza dariam obra monumental que ninguém leria e que não serviria rigorosamente para nada, como para pouco ou nada servirão estas poucas linhas que sobre o assunto estou a escrever.

Estarei porventura mal informado sobre os mais diversificados itens. Mas a verdade é que tento manter-me informado… e continuo desinformado. E, assim, me vou mantendo opinativo quiçá sem fundamento, mas indignado até por essa falta de fundamento.

Mas pasmo. E, pasmando, manifesto-me, quer seja ou não lido.

Força frustre, talvez, e inócua, seguramente, perante o eco que jornais, rádios e televisões dão a estas estranhas coisas, que vão transformando a vida do País – as nossas vidas – num imenso circo em que os Césares e os Neros já nem cuidam de preocupações com o pão.

Esse, pelos vistos, vai ficando pelas Misericórdias e misericordiosamente nas mãos e nas preocupações daquelas faixas da população que ainda têm um par de sapatos a mais, lá por casa, ou um cobertor, ou uns cêntimos disponíveis para algum dos incontáveis peditórios com que somos assolados, como para a recolha de bens alimentares em grandes superfícies que matam a fome a quem a tem por um ou dois dias mas que tês esse extraordinário efeito colateral de rechear ainda mais os alforges dos donos dessas grandes superfícies.

Talvez o mundo esteja, na verdade, a mudar de paradigmas. Mas não é seguramente na senda da sociedade da abundância, de onde advirá a riqueza cultural humana, mas antes no sentido daquela outra sociedade, preconizada por Orwell, onde o triunfo dos porcos desgraça a vida de todos os animais da quinta ou onde uma pseudo-elite detentora de tudo raciona e determina o que é «bom» e «mau» para cada um de nós e onde, em boa verdade, ninguém é dono de nada, nem sequer do livre pensamento ou do livre arbítrio.

E tudo decorre, paulatinamente, sob o nosso olhar pachorrento, anestesiado e conformista…

Mas não será, pois, esta uma crónica pessimista ou derrotista porque, afinal, é fácil mudar este estado de coisas. Basta NÓS querermos, dos nossos pequenos aos grandes gestos. E esta é uma boa altura – tão boa como outra qualquer – para alterarmos comportamentos. Bom ano de 2011, acrescido de IVA a 23% que o Estado, coitado, precisa, necessita, carece…

dezembro 25, 2010

Diálogo sobre o ateísmo...

... a propósito do excelente texto de Rick Gervais «Why I'm an atheist», trazido e traduzido pela Ana Andrade:

Antonino:
"Fascinante... Talvez por isso, no 'In Memoriam' do meu pai eu escrevi mais ou menos isto: «Era um homem bom por amor da bondade e justo por amor da justiça». Realmente, se assim não fosse, andávamos todos a agir num modelo de PEC (Pagamento Especial por Conta) que seria algo assim: Tu vais pagando já agora, que Eu depois acerto contigo e vejo se tens a dar ou a receber.
Gostei."

Charlie:
"Excelente aperitivo para um brainstorming. A Fé é aquele elemento imponderável que está sempre um passo à frente da razão. Por mais absurda que possa parecer esta afirmação, o suprassumo da racionalidade, consubstanciado na figura do cientista, persegue a decifração dos enigmas do conhecimento movido pela intuição, a fé, e apoia-se na racionalidade para a sustentar e, logo de seguida, a questionar. Se há Deus? Claro que há! Deus é a entidade impessoal que existe em cada homem. Cria os mundos e o Homem em espaços determinados de tempo que possam caber nos contextos que este lhe destinou.
Toda a gente acredita em Deus e, quando diz que não acredita, expressa a forma mais assertiva de acreditação e que consiste no acto da negação. Toda a negação tem como contraponto o universo afirmativo contra o qual se debate. Provar que Deus não existe passa pela criação de novos universos de sinal contrário, subordinados a Deus e potencialmente berços de novos deuses!
Do outro lado, a aceitação em Fé da divindade tradicional não existe esforço - Deus não precisa de ser provado, pois Deus é sempre mito e os mitos não precisam de provas. A Fé sim. Ela é a fronteira entre os estímulos da intuição - vindos directamente da vida instintiva - e da razão. Dessa relação instável nasce a necessidade obsessiva da afirmação constante da Fé. Para o crente, Deus não se questiona. A Fé sim, essa exige do crente a paga constante do tributo."

Antonino:
"Brainstorming... bem pensado. Após a leitura do texto e do comentário, as ideias surgem, debatem-se e vão. As que ficam deixam que pensar. Na essência do texto, os deuses são criações humanas e são os homens que se servem da sua criação para justificarem coisas boas e coisas más. Ser ateu e acreditar nos outros é a forma mais divina de expressarmos a nossa fé. Digo: «acredito em ti» e logo tu existes. Repito uma ideia, os nossos actos devem ser ditados pelos limites do humano e não pela transcendência da fé. Quando a própria Igreja deixou/deixa de obedecer à lei dos homens e não se lembra de que poderá 'arder no Inferno' gera partos aberrantes como a Inquisição e as purgas."

dezembro 22, 2010

"Why I'm an atheist", por Rick Gervais

Rick Gervais é um génio humorístico, todos (ou pelo menos os que acompanham a sua carreira ou, vá, os que assistiram ao The Office original) o sabem.
O que eu não sabia é que ele escreve coisas que eu gostaria de ter escrito, porque sou uma grande invejosa. Como não escrevi, cabe-me a postura humilde (e humilhada) de reproduzir aqui um ensaio de pensamento crítico a que, enquanto professora, atribuiria nota máxima.

(Atrevi-me a fazer uma tradução do original, que só não me deu água pela barba porque eu não tenho barba, por um lado [ao menos, até ver] e, por outro, porque tive como partenaires o mui viajado P.R., nas expressões [mais] idiomáticas e o sempre atento P.M [meu-co-contribuidor], na revisão final. Obrigada aos dois pela ajuda e ao último, em particular, por ter cometido a insanidade de me convidar para fazer parte desta coisa séria que é o Persuacção.)

Senhoras e senhores, eis Rick Gervais no seu melhor.

Por que não acreditas em Deus? Fazem-me esta pergunta a toda a hora. Tento sempre dar uma resposta sensível e racional, o que é sempre estranho, uma perda de tempo e desprovido de sentido. As pessoas que acreditam em Deus não necessitam de uma prova da sua existência e certamente não pretendem evidências do contrário. São felizes com a sua crença. Inclusivamente, dizem coisas como “para mim, é verdade” e “trata-se de fé”. Ainda assim, eu dou a minha resposta lógica, porque sinto que não sendo honesto seria paternalista e indelicado da minha parte. É, portanto, irónico que “eu não acredito em Deus porque não há qualquer prova científica da sua existência e, pelo que sei, a própria definição de Deus é uma impossibilidade lógica no Universo conhecido” acabe por ser simultaneamente paternalista e indelicado.

Arrogância é outra acusação. Que me parece particularmente injusta. A ciência procura a verdade. E não discrimina. Para o melhor e para o pior, descobre coisas. A ciência é humilde. Sabe o que sabe e sabe o que não sabe. Baseia as suas conclusões e crenças em fortes provas – provas essas que são constantemente actualizadas e melhoradas. A ciência não fica ofendida quando surgem novos factos e aceita o corpo do conhecimento. Não se agarra a práticas medievais só porque são tradicionais. Se o fizesse, não teríamos uma injecção de penicilina; baixaríamos as calças, enfiaríamos uma sanguessuga e rezaríamos. O que quer que seja em que se “acredite”, nunca será tão eficaz como a medicina. Novamente, poder-se-á dizer “comigo, funciona”, mas também os placebos funcionam. O que quero dizer é que Deus não existe. Não estou a dizer que a fé não existe. Eu sei que a fé existe. Verifico-o a toda a hora. Mas acreditar numa coisa não faz dela uma verdade. Esperar que uma coisa seja verdadeira não faz dela uma verdade. A existência de Deus não é subjectiva. Ele ou existe ou não existe. Não é uma questão de opinião. Podemos ter as nossas próprias opiniões. Mas não podemos ter os nossos próprios factos.


Por que é que não acredito em Deus? Não, não, por que é que se acredita em Deus? Certamente que o ónus da prova está no crente. Foi ele quem começou tudo isto. Se eu me chegasse ao pé de alguém e dissesse “Por que não acreditas que eu posso voar?”, dir-me-iam “Por que haveria de acreditar?”, e eu responderia “Porque é uma questão de fé”. Se eu, depois, dissesse “Prova que eu não posso voar; vês, não consegues prová-lo, pois não?” provavelmente virar-me-iam as costas, chamariam a segurança ou atirar-me-iam da janela e diriam “Então voa aí, seu lunático de m****!”

Trata-se, evidentemente, de uma questão espiritual. A religião é um assunto diferente. Como ateu, não vejo nada de “errado” na crença num deus. Não acredito que haja um deus, mas acreditar nele não faz mal algum. Se ajuda de algum modo, então tudo bem, para mim. É quando a crença começa a infringir os direitos das pessoas que começa a preocupar-me. Eu nunca negaria a alguém o direito de acreditar num deus. Só preferiria que não se matassem pessoas que acreditam num deus diferente, vá. Ou que não se apedrejasse alguém até à morte porque um certo livro de regras diz que a sua sexualidade é imoral. É esquisito que alguém acredite que um poder omnisciente, omnipotente e omnipresente, responsável por tudo quanto acontece, possa igualmente querer julgar e castigar as pessoas por aquilo que são. De tudo quanto consigo coligir, o pior que se pode ser é mesmo um ateu. Os primeiros quatro mandamentos confirmam este ponto. Há um deus, eu sou esse deus, mais ninguém é, ninguém é tão bom e não te esqueças disso. (Não matar não é mencionado senão no número 6).

Quando confrontado com alguém que leva a minha irreligiosidade tão a peito, eu respondo “Foi o modo como Deus me fez”.
Mas de que é que os ateus são, na verdade, acusados?

A definição de Deus no dicionário é “criador sobrenatural e supervisor do universo”. Incluídos nesta definição estão as divindades, as deusas e os seres sobrenaturais todos. Desde o início da história, que é marcado pelo início da escrita pelos Sumérios há cerca de seis mil anos, os historiadores catalogaram mais de 3.700 seres sobrenaturais, dos quais 2.870 podem ser considerados divindades.

Sendo assim, da próxima vez que alguém me disser que acredita em Deus, direi “Qual? Zeus? Hades? Júpiter? Marte? Odin? Krishna? Vishnu? Rá?…” E se me responderem “Só Deus. Eu acredito no Deus Uno”, eu assinalarei que esse alguém é quase tão ateu como eu. Eu não acredito em 2.870 deuses e ele não acredita em 2.869.

Eu costumava acreditar em Deus. O Deus Cristão, quero dizer.

Eu adorava Jesus. Era o meu herói. Mais do que estrelas pop. Mais do que futebolistas. Mais do que Deus. Deus era, por definição, omnipotente e perfeito. Jesus era um homem. Teve de se esforçar. Teve tentações mas derrotou o pecado. Era íntegro e corajoso. Mas Ele era o meu herói porque Ele era bondoso. E Ele era bondoso para toda a gente, não oferecia pressão, tirania ou crueldade aos seus pares. Não queria saber quem era quem. Amava todos. Que homem! Eu queria ser tal como Ele.

Um dia, quando tinha cerca de 8 anos, estava a desenhar a crucificação, como trabalho de casa de Estudos Bíblicos. Eu também adorava arte. E a natureza. Gostava de como Deus fizera os animais. Eles também eram perfeitos. Incondicionalmente belos. Era um mundo espantoso.

Eu vivia numa casa pobre, típica da classe trabalhadora, em Reading, cerca de quarenta milhas a oeste de Londres. O meu pai era um trabalhador e a minha mãe dona de casa. Nunca me envergonhei da pobreza. Era quase nobre. Para além disso, toda a gente que eu conhecia vivia na mesma situação e eu tinha tudo aquilo de que precisava. A escola era gratuita. As minhas roupas eram baratas e estavam sempre limpas e passadas a ferro. E a mãe estava sempre a cozinhar. Ela também estava a cozinhar no dia em que eu desenhava a cruz.

Estava sentado à mesa da cozinha quando o meu irmão veio para casa. Ele era onze anos mais velho do que eu, pelo que deveria ter 19. Era tão esperto como toda a gente que eu conhecia, mas também atrevido. Era daqueles que não se calava e se metia em sarilhos. Eu era um bom rapaz. Ia à igreja e acreditava em Deus – que alívio para uma mãe da classe trabalhadora. É que, tendo crescido onde eu cresci, as mães não esperavam que os seus filhos se tornassem médicos, limitavam-se a esperar que eles não fossem parar à cadeia. Vai daí, educavam-nos a acreditar em Deus e eles seriam bons e obedientes à lei. É um sistema perfeito. Quer dizer, quase. 75% dos Americanos são cristãos tementes a Deus; 75% dos presos são cristãos tementes a Deus. 10% dos americanos são ateus; 0.2% dos presos são ateus.

Mas enfim, lá estava eu desenhando alegremente o meu herói quando o meu irmão Bob perguntou: “Por que acreditas em Deus?”. Uma questão tão simples. Mas a minha mãe entrou em pânico. “Bob”, disse ela num tom que eu sabia que significava “cala-te!”. Mas porque é que aquilo era uma coisa má de ser perguntada? Se houvesse Deus e minha fé fosse forte o suficiente, não importaria o que as pessoas diriam.

Oh... espera lá. Não há Deus. Ele sabe-o e ela também o sabe, lá no fundo. Era tão simples quanto isto. Comecei a pensar no assunto e a colocar mais perguntas e, no espaço de uma hora, era ateu.

Uau! Não há Deus. Se a mãe me mentiu acerca de Deus, ter-me-á mentido também sobre o Pai Natal? Sim, claro, mas o que é que isso interessa? Os presentes continuaram a vir. E assim também os presentes do recém-descoberto ateísmo. Os presentes da verdade, da ciência e da natureza. Aprendi sobre a evolução – uma teoria tão simples que somente os grandes génios ingleses poderiam ter apresentado. Evolução das plantas, dos animais e do ser humano – com imaginação, livre arbítrio, amor e humor. Já não precisava de uma razão para a minha existência mas tão só de uma razão para viver. E imaginação, livre arbítrio, amor, humor, diversão, música, desporto, cerveja e pizza são razões boas quanto baste para viver.

Mas para viver uma vida honesta é preciso a verdade. Essa é a outra coisa que aprendi naquele dia: que a verdade, apesar de chocante ou desconfortável, no limite conduz à libertação e à dignidade.

Então o que significa realmente a questão “Por que não acreditas em Deus?” Penso que quando alguém faz essa pergunta está, na realidade, a questionar a sua própria crença. Em certa medida, está a perguntar “O que é que faz de ti especial?”, “Por que é que ainda não te fizeram uma lavagem ao cérebro como a nós?”, “Como te atreves a dizer que eu sou tolo e não vou para o céu?, Vai à m****”. Vamos ser honestos, se uma só pessoa acreditasse em Deus, seria considerada bastante estranha. Mas como é uma posição muito popular, é aceite. E por que é que se trata de uma perspectiva muito popular? É óbvio. Trata-se de uma proposição atraente. Crê em mim e viverás para sempre. Mais uma vez, se fosse só um caso de espiritualidade, estaria bem.

“Faz aos outros...” é uma maneira prática de proceder. Eu vivo de acordo com esse princípio. A capacidade de perdoar é provavelmente a maior das virtudes. Mas é exactamente isso: uma virtude. Não apenas uma virtude cristã. Ninguém possui a capacidade de ser bom. Eu sou bom. Só não acredito que vou ser recompensado por isso no céu. A minha recompensa é aqui e agora. É saber que tentei fazer o que era correcto. Que vivi uma vida boa. E é aqui que a espiritualidade perde o sentido, quando se torna um bastão para agredir as pessoas. “Faz isto ou arderás no inferno”.

Não arderás no inferno. Mas sê bom, de qualquer modo.

dezembro 01, 2010

Bem haja, Padrinho!

Sempre tive orgulho no meu padrinho.
Desde pequeno, os meus pais transmitiram-me uma forte admiração pelo Zé Alberto, nosso familiar, oficial pára-quedista que combatia em África.
Primeiro em Angola, depois em Moçambique e finalmente, pouco antes do 25 de Abril, na Guiné.
Na sala de estar da casa dos meus pais, sempre esteve e continua uma fotografia dele, jovem oficial fardado. E também tenho ainda um avião de brinquedo da BOAC (companhia de aviação inglesa que terminou em 1974) que o meu padrinho me enviou pelo correio, juntamente com uma bola.
Um dia, escrevi uma redacção dedicada a ele:

"Re de acção
U mêu pãdrinho
U mêu pãdrinhu è ofissial paraqedista.
Cuando pra là foi çaltava dus aviôez.
Agòra enpurra os ôtros."

Recentemente, já com o meu padrinho reformado, acompanhei, com a mesma admiração de sempre, as notícias sobre a missão que ele integrou de resgate de corpos de soldados pára-quedistas que morreram em combate na Guiné, numa operação comandada por ele e que tinha como missão atingir e reforçar a guarnição de Guidage, cercada na altura pelo PAIGC.
Infelizmente, nunca tive oportunidade para ouvir, como sempre desejei, as suas memórias e experiência riquíssimas. Mas agora, tenho este livro que o meu padrinho, José de Moura Calheiros, escreveu: «A Última Missão». Para todos os que quiserem saber.
Já vos disse que tenho muito orgulho no meu padrinho?

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«A Última Missão»