dezembro 30, 2010

ó gente da minha terra...

Assalta-me, com inusitada frequência e cada vez mais, uma estranha sensação de me sentir – ou parecer que querem fazer sentir-me – um estranho numa terra estranha, conforme o título dessa obra de ficção de Robert Einlein que me povoou leituras de juventude.

Ele é a aceitação amorfa e acrítica ­– explicitamente amorfa e acrítica, pois parece fazer-se apanágio de tal­ – por parte da (aparentemente) grande maioria dos meus concidadãos em face das mais despudoradas atitudes governamentais no esbulho da coisa pública, na aldrabice ou sistemática contradição do que ainda ontem foi assegurado como verdade absoluta, na deriva alucinada de políticas nos pilares da cidadania que são a Saúde, o Ensino e o Trabalho… e o resto!

Ele é a moldura humana que se desassossega, que grita e se esgadanha para encher até aos bordos salas de espectáculo ouvindo lamechices medíocres e péssimas interpretadas por lamechas medíocres e péssimos, mais ou menos andróginos mas, invariavelmente, sequer sem pinga de voz que lhes valha a eles e às lamechices que entoam, ainda que com muito espectáculo de luzes, umas coristas conspicuamente descascadas e, até – pasme-se! – grupos orquestrais de qualidade, em palco, que tanto escasseiam para abrilhantar outros eventos mais razoáveis. E fazendo carreira – ou fazendo tony, que vai dar ao mesmo – com irrazoáveis proventos de fazer inveja a um santo, financiados por tudo quanto é poderes públicos… com os dinheiros públicos que, por sua vez, tanta falta fazem em tanto buraco de que este País se farta.

Ele é o fervor clubista que faz comerem-se vivos milhares de adeptos de equipas adversárias – claro, apenas do futebol que, quanto ao resto, o desporto dá saúde mas é só paisagem –, aparentemente sem qualquer espírito valorativo ou crítico em relação ao mundo de interesses que norteia e faz mover os futebóis… e, afinal, os faz mover a eles, também, lamentáveis marionetas desses jogos de interesses. Adeptos que se insurgem e se revoltam e insultam e apedrejam tudo e todos sempre que um qualquer «dirigente desportivo» dos tais futebóis lança uma atoarda idiota sobre qualquer peça de uma equipa adversária.

Ele é as manifestações lamentosas das escolas privadas quando o estado anuncia que lhes vai cortar subsídios, a elas que são privadas e que assim nasceram e querem ser mas que também contribuem desgraçadamente para o descrédito do ensino público através de habilidades demagógicas mas elitistas, e que vivem, afinal, sob a dependência da asa acolhedora do dinheiro de nós todos… mas que se querem manter privadas. Claro que haverá algumas de real interesse público, lá onde o Estado se demitiu por qualquer razão mais ou menos histórica e cujo desagrado se fundamenta em sólidas razões contratuais. Mas aí, pergunto eu, de que estará à espera o Estado para suprir tais carências? Agora, seguramente, essa função supletiva territorial não incidirá nas escolas privadas dos grandes centros urbanos e que também abicham o sacrossanto subsídio… 

Os exemplos da minha estranheza dariam obra monumental que ninguém leria e que não serviria rigorosamente para nada, como para pouco ou nada servirão estas poucas linhas que sobre o assunto estou a escrever.

Estarei porventura mal informado sobre os mais diversificados itens. Mas a verdade é que tento manter-me informado… e continuo desinformado. E, assim, me vou mantendo opinativo quiçá sem fundamento, mas indignado até por essa falta de fundamento.

Mas pasmo. E, pasmando, manifesto-me, quer seja ou não lido.

Força frustre, talvez, e inócua, seguramente, perante o eco que jornais, rádios e televisões dão a estas estranhas coisas, que vão transformando a vida do País – as nossas vidas – num imenso circo em que os Césares e os Neros já nem cuidam de preocupações com o pão.

Esse, pelos vistos, vai ficando pelas Misericórdias e misericordiosamente nas mãos e nas preocupações daquelas faixas da população que ainda têm um par de sapatos a mais, lá por casa, ou um cobertor, ou uns cêntimos disponíveis para algum dos incontáveis peditórios com que somos assolados, como para a recolha de bens alimentares em grandes superfícies que matam a fome a quem a tem por um ou dois dias mas que tês esse extraordinário efeito colateral de rechear ainda mais os alforges dos donos dessas grandes superfícies.

Talvez o mundo esteja, na verdade, a mudar de paradigmas. Mas não é seguramente na senda da sociedade da abundância, de onde advirá a riqueza cultural humana, mas antes no sentido daquela outra sociedade, preconizada por Orwell, onde o triunfo dos porcos desgraça a vida de todos os animais da quinta ou onde uma pseudo-elite detentora de tudo raciona e determina o que é «bom» e «mau» para cada um de nós e onde, em boa verdade, ninguém é dono de nada, nem sequer do livre pensamento ou do livre arbítrio.

E tudo decorre, paulatinamente, sob o nosso olhar pachorrento, anestesiado e conformista…

Mas não será, pois, esta uma crónica pessimista ou derrotista porque, afinal, é fácil mudar este estado de coisas. Basta NÓS querermos, dos nossos pequenos aos grandes gestos. E esta é uma boa altura – tão boa como outra qualquer – para alterarmos comportamentos. Bom ano de 2011, acrescido de IVA a 23% que o Estado, coitado, precisa, necessita, carece…

9 comentários:

  1. O que vale é que, contigo, nunca nos sentimos sós a lançar os S.O.S.

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  2. OrCa - Fabuloso, como sempre.
    Paulo - Grande contratação!! Se os senhores que presidem aos clubes de futebol do burgo te descobrem (e à tua capacidade de fazer contratações-maravilha) tens a vidinha feita!!! ;)

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  3. Como não descobrem, cá vou indo :O)

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  4. Olá, AnA.
    Olá, Paulo.

    Grato pela companhia e pelas amáveis palavras. Ainda que alguns profetas da desgraça venham a proveitar para dizer que entoamos louvaminhas uns aos outros... Mas isso que interessa? O que interessa é que sómos nós e somos lindos e somos belos e somos grandes e não devemos nada a ninguém. Venha, então, quem vier por bem!
    Belíssimo ano de 2011 para todos esses e para vós também!

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  5. É tão bom estarmos de espírito livre e sem amarras nos nossos pensamentos, não é?
    Bom ano para vocês, minha equipa.
    E tu, AnAndrade, quando a Ana Cartaxo chegar ao Porto (deve estar quase) e for ter contigo, crava-lhe um pastel de Tentúgal e uma taça de espumante, que foram enfiados na "caminheta" em Coimbra.

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  6. Oh gentes da minha terra
    desta terra que é só uma
    Matemos a ferros esta fera
    antes que a fera nos destrua

    Anos da besta, seis vezes três
    dá dezoito, noves fora nada
    Do quê esperamos? É já vez
    de rasgar o papel da farsa!

    Cresce o Homem no intelecto,
    no saber que lhe amplia a margem
    Mas põem-no ao nivel dum insecto
    Do intelecto fica a miragem

    É bom que o Povo não pense
    o pensar tira a vantagem
    a quem rouba dentro de casa
    e nos acusa de ladroagem

    É agências, é governos
    é a Banca muito séria
    Roubam tudo, e nós serenos
    agradecidos pela miséria.

    Não tens pão? come um bolinho
    Não tens vida? P'ra que a queres?
    Se me deves até este vinho
    Da reserva que nunca bebes

    Pra queres tu um emprego?
    se mais nada tens pra dar?
    Vai despejando mas é os trecos
    Que essa casa te está a sobrar

    É a vida meu amigo,
    é a crise, para ficar veio
    o culpado? já lhe digo
    O sacana do andar do meio

    Tem emprego, tem saúde
    vive muito alegremente
    tem dinheiro, mas o pior de tudo
    é que é dum clube diferente!

    Ah bandido! filho da mãe
    O teu clube é que é culpado
    Enfio-te nas fuças já dois pães
    Não os compro, vão ser roubados

    sem dinheiro, paguei casa,
    o carro e estudos a filhos também
    Paguei tudo mas não chega
    p'ra essas Agências de Rating

    Sou culpado, somos culpados
    Caloteiros: temos só deveres!
    Fiquemos quietos e bem calados
    paguemos tudo mais uma vez

    - Fique então p'ra ja sabendo
    que para limpar o vosso nome
    Tem que pedir e ficar devendo
    senão nem uma só codêa come

    E pensamos que força temos
    ao comer côdea em vez de tosta
    P'ra carregar o peso extremo
    de aumentos e mais impostos

    O que é feito das armas nossas,
    as que fizeram a revolução?
    Caídas, presas nessas fossas
    dos que ao tirar, dizem que dão

    Já chega de vampiragem
    de carregar um Mundo em culpas
    é hora de armar coragem
    de correr com os filhos das ....

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  7. Não me dizes nada sobre o convite para escreveres no Persuacção... e até podias começar publicando este poema...

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  8. Ah menino Paulinho
    chuta esse convite, carago
    ehehe
    Abraço a todo o pessoal e bora pensar em fazer melhor este ano, que o outro já 'tá enterrado

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