Butão |
O chamado síndroma de Estocolmo refere-se exactamente à moldagem na relação de forças entre raptores e raptados. Numa situação prolongada no tempo, assiste-se a uma rotação de valores, acabando por estabelecer-se uma relação solidária no que começou por ser uma dependência forçada.
Sobre a noção de clausura e felicidade, somos na nossa grande maioria, criaturas complexas. Tirando os casos de alterações graves de personalidade presentes nos exibicionistas, procuramos o retiro e a clausura voluntária para que nos sintamos em plena liberdade nos nossos relacionamentos íntimos. Somos, nas nossas sociedades, felizes nos pequenos momentos de felicidade que intervalam nas brechas dos muros que à nossa volta vamos deixando construir, mas somos também nós a construir outros muros que nos libertam... Contudo, nos sistemas políticos actuais sentimos estar presos, cada vez mais presos. E paradoxalmente, estas prisões são feitas - dizem os carcereiros- para que sejamos cada vez mais felizes. Ou seja, elevam cada vez mais a altura dos muros que nos separam do acesso aos meios para que possamos cada um por nós sentirmo-nos mais felizes intramuros. Um perfeito paradoxo. Já não existe na Europa, salvo uma minoria marginal de meia duzia de centenas de pessoas, ninguém que viva do que a terra dá sem o uso do dinheiro. Não é possível passar no crivo dum fisco universal que tudo tributa. Quem vive das galinhas e das couves, não tem a liberdade de dizer que não vai pagar o imposto sobre a propriedade, ou no equivalente em dinheiro sobre os bens que produz. Ainda está fresco o episódio do fisco Português no seu massacre persecutório aos velhotes e as suas meia dúzia de sacas de batata tiradas do quintal à base de enxada e dores nas costas. Ou seja, não somos livres se não possuirmos dinheiro, não só para alguma despesa lateral, mas para alimentar um fisco que o faz para que sejamos "mais felizes"... Perante isto, qual será a medida de felicidade dos habitantes do Butão? São obrigados ser livres e felizes, à força? O Butão tem duas religiões dominantes, o Budismo e o Hinduismo e a Constituição proibe expressamente o prosiletismo. Ninguém pode obrigar nem ser obrigado a seguir determinada corrente religiosa. Por outro lado, a população é muito reduzida se comparada com as mega urbes das nossas sociedades: as duas maiores cidades, têm apenas sessenta mil habitantes num universo de um quarto milhão de pessoas. As aldeias agrícolas são autosuficientes e o comércio reduzido, não há o conceito de uma economia esquizofrénica baseada na lógica do aumento constante, tendencialmente infinito, da produção e troca de bens. Proibiram o tabaco: uma decisão acertada. Ou seja, em termos absolutos, uma privação de liberdade. Mas o tabaco conduz ao consumo compulsivo (contra-senso do conceito de liberdade), mata que se farta, o que faz com que parte da liberdade-dinheiro que todos possuem vá direitinho para as despesas com os tratamentos das doenças. Podemos argumentar com a privação da liberdade de escolha, mas aí também o argumento funciona no que toca ao haxixe, cocaína, etc. Predujiciais individual e colectivamente pelo impacte que têm a todos os níveis.
Pinochet, golpe de Estado em 1973 e o derrube do governo eleito de Allende |
Contudo, apesar das cíclicas crises sociais e politicas, somos na maior parte do tempo os reféns que simpatizam com os carrascos. Acomodados e continuando a vida com horizontes mais estreitos, de mãos atadas, e de venda sobre os olhos, contentes se houver algum alívio na mão que oferece as carícias do chicote diário. E é este o mundo livre que não trocamos por nenhum outro. Ou seja, liberdade, liberdade, não sei bem o que é, mas tenho uma suspeita, e chego a sentir-me feliz todas a vezes que penso nela...
As coisas que aprendo contigo, Charlie...
ResponderEliminarTenho um conceito particular acerca da Felicidade, que para mim não é plena, e sim feita de momentos felizes.Posso ter um momento feliz hoje, mas não amanhã. Ou, fui feliz ontem, mas hoje posso ter sido acometida de uma perda... e já não estou feliz, por exemplo. Porque trata-se - a felicidade - de um estado de espírito. Para alguns, ser feliz é ganhar muito dinheiro, gastá-lo... Para outros, basta um vento soprando no rosto, à beira-mar e a pessoa é a mais feliz do Mundo.
ResponderEliminarJá a liberdade... ninguém é livre. Todo alguém que vive sujeito a um sistema, subordinado a alguém, a um governo... ou mesmo aos mais simples costumes de qualquer comunidade... na minha opinião não é LIVRE. Mas o que é mesmo a Liberdade? Também não tenho fundamentos para conceituá-la.
Afinal, é tudo tão relativo.
Eça é que é Eça...
EliminarQueiroz dixit, mas na versão futebolesca é mais em vernáculo, como diria o Falcão das Bouças, "cum milhão e meio de...%#-)89J%& que me re/?"#$"
ResponderEliminarMas em resposta à resposta da Mamãe, e recorrente à metáfora no fim do post, um condenado que leva só duas chicotadas por dia, fica feliz por lhe serem poupadas as outras oito que diariamente lhe estão destinadas.
ResponderEliminarPor cá o governo do Passos usou esse estratagema para impor as terriveis medidas de que todos sofremos.
Começa por ameaçar atirar uma pedra de duas toneladas sobre os nossos pés. Aflitos e revoltados, reclamamos, barafustamos, e a pedra passa a pesar "só" cinquenta quilos.
Uff! Que alívio, dizemos nós, um pouco mais felizes, ou menos infelizes, numa atitude que quase roça o masoquismo.
Do tipo daquele em que um cromo vai atravessando o deserto a pé mas agarrado a uma porta de automóvel, só para sentir o fresquinho que entra pelo vidro aberto.