novembro 25, 2014

«O que diz Calimero» - António Pimpão

Quem se não lembra daquele pintaínho preto dos desenhos animados, sendo louros os seus irmãos, que ainda tinha metade do ovo a servir-lhe de chapéu, e cujas infelizes histórias sempre terminavam com ele a dizer: “Não há justiça! Não há justiça! Abusam porque sou pequenino”?
Ocorreu-me esta imagem a propósito do estado da nossa justiça.
Sempre que são apontados os constrangimentos ao investimento estrangeiro em Portugal, o estado da justiça, com a sua morosidade e imprevisibilidade, aparece invariavelmente à cabeça.
Creio não haver dúvidas de que todos sentimos que a justiça portuguesa é um problema sério, sendo inexplicavelmente demorada, errática, injusta e soberba, consumindo consideráveis recursos financeiros do orçamento sem resultados palpáveis correspondentes. E parece ser irreformável.
Os agentes da justiça são dos servidores públicos mais bem remunerados do país – basta consultar no DR as listas dos aposentados e respetivas pensões de aposentação, em que os juízes e magistrados surgem invariavelmente à cabeça -, usufruem de privilégios únicos e excessivos (só podem ser “julgados” pelos seus pares e, por isso, corporativamente intocáveis; só podem ser presos em flagrante delito; não são abrangidos pelas reduções salariais aplicadas aos restantes servidores públicos, …).
Ao arrepio das restantes funções do estado, em que, por força dos contactos com o exterior, estas vão conhecendo e acompanhando as melhores práticas, e por isso se modernizam, a justiça permanece fechada, provinciana, deslocada no tempo, como se ainda estivéssemos na idade média, exigindo dos cidadãos um tratamento submisso e rebaixador (basta atentar na exigência de responder à chamada às 9 horas e, depois, esperar pacientemente nos corredores dos palácios da justiça para se ser ouvido e, muitas vezes, isso nem chega a suceder, sem qualquer aviso, ou, ainda, os inexplicáveis e sucessivos adiamentos).
Estabelecendo um paralelo com a atividade empresarial, é como se a justiça se ocupasse de uma atividade não transacionável, ou seja, virada para o mercado interno, sem contacto com o exterior, enquanto a generalidade dos restantes serviços exerce atividades transacionáveis, ou seja, voltadas para o exterior, sujeitas à concorrência e, logo, ao aperfeiçoamento.
Os resultados da máquina da justiça têm sido desproporcionadamente inferiores aos meios disponíveis e ao dinheiro que gasta, além de que, muitas vezes, as decisões, quando finalmente são tomadas, já não podem, pela sua excessiva demora, produzir qualquer efeito, seja dissuasor, corretor ou reparador.
Nos últimos anos, com recurso à comunicação social e através de bem dirigidas fugas de informação, a justiça tem vindo a promover o julgamento dos suspeitos na praça pública.
Para reforçar a sua posição e induzir-nos à condenação dos suspeitos, vai deixando cair para a comunicação social informações parciais do processo, que reforçam a condenação pública, sem possibilidade de contraditório, visto que tais acusações não passam de insinuações. Nos casos mais mediáticos, os putativos infratores acabaram sistematicamente por ser absolvidos, geralmente por falta de fundamento da acusação ou insuficiente ou irregular obtenção de provas (para além da operação Face Oculta, não me recordo de outra condenação).
Parece que, consciente da sua morosidade e ineficiência, a justiça optou por compensar isso com julgamentos na praça pública, mais céleres, respaldados e definitivos, pois o suspeito nunca mais recupera a condição de inocente. Veja-se, a título de exemplo, os casos do Apito Dourado, da Casa Pia, do Freeport, de Duarte Lima I ou do “serial killer” português.
Muito embora a justiça portuguesa seja – dizem - excessivamente garantística, a verdade é que essa suposta garantia se perde totalmente com as fugas de informação e o degradante espetáculo montado por todos os órgãos de comunicação social, sem o mínimo pudor ou respeito.
Poderá parecer que este post tem a ver com José Sócrates. E terá, apesar de a intenção inicial ter sido mais genérica.
Não ponho as mãos no fogo por José Sócrates relativamente à presumida acusação; não gosto, mas posso aceitar, a sua detenção à chegada ao aeroporto; mas repudio totalmente a fuga de informação, que só pode ter tido uma origem, que permitiu às TV proporcionar-nos o abutriano espetáculo da sua detenção. E do que se seguiu.
Também me permito estabelecer um paralelismo entre o tratamento dado pelos media a José Sócrates e o dado a Ricardo Salgado, ambos detidos, parece-me, em condições excessivas: enquanto Ricardo Salgado saiu prontamente dos noticiários, apesar de a sua presumida responsabilidade ser incomparavelmente superior à de José Sócrates, este está a ser massacrado e escalpelizado até ao tutano. Eventualmente - especulo - porque a comunicação social, além de recear o retorno de Ricardo Salgado, terá sido por ele profusamente beneficiada, podendo ter telhados de vidro.

António Pimpão

1 comentário:

  1. O tal de Marinho Pinto, populista, disse uma vez uma coisa: a mentalidade da máquina, mais justicialista do que administradora da justiça, ainda está no estágio da Inquisição.
    Sem ir tão longe, dir-se ia que já poderia ter sido feito alguma coisa. Afinal quem faz as leis, quem atribui competências, e por aí fora, são os que sentam os traseiros na Assembleia. Se acham que está mal, e está de facto mal, mude-se já!

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