O sentimento de revolta é um dos que mais mobilizam qualquer pessoa. Seja provocado por motivos plausíveis ou apenas fruto de um raciocínio mal formulado, ou mesmo de um erro de interpretação, desenvolve-se como um tumor maligno enquanto persistir a questão que lhe deu origem.
De entre as revoltas possíveis, a revolta surda é potencialmente a mais nociva. Sobretudo porque tende a emudecer.
O cliché da panela de pressão veste como uma luva qualquer descrição da revolta surda enquanto factor de perturbação. A pessoa acumula essa força interior mal contida, absorve cada sinal, cada confirmação, nem sempre fidedigna, da legitimidade da sua ira. A pessoa ou o país.
É sempre de estranhar quando alguém, ou um povo, sente na pele o efeito de injustiças que se somam às provocadas por um rácio desfavorável entre a sorte e o azar e opta por refilar em surdina.
Aos poucos, a revolta surda vai exprimindo o seu paralelo com um vulcão. São pequenos abalos sísmicos, desabafos soltos aqui e além, aumento da concentração de gases perigosos, a mente a abdicar da racionalidade sem se aperceber. Indicadores a que poucos atribuem relevância e afinal são gritos de alerta para a iminência de uma erupção.
A revolta surda não sabe falar. A sua linguagem é equivalente à de uma granada de mão. Aparentemente inofensiva até alguém lhe puxar pela cavilha e o inferno acontecer, o caos espelhado em estilhaços aleatórios que atingem quem estiver mais a jeito.
Alimenta-se a si própria, sem controlo, uma vez deixada à solta na razão. E é essa a primeira vítima do massacre subsequente à revolta engolida quando a sua natureza é ser cuspida nem que sob a forma de um palavrão.
São poucas as escapatórias encontradas por alguém, ou uma população, na lógica que noutras formas de revolta acaba por prevalecer.
A revolta surda, por se sentir amordaçada, é mais eficaz que as restantes na arte de ensandecer.
De uns tempos para cá - muito tempo, se bem analiso - dou-me ao luxo de me revoltar expondo minhas forças e fraquezas. Exorcizo meus fantasmas, como costumo dizer. Minha arma são minhas palavras, mas tendo o cuidado para não perder a minha razão ao questionar. Não me nivelar àqueles que nos provocam as revoltas.
Já tenho conseguido, com isso, algumas vitórias em alguns contextos. Quase nunca por mim (ou por parentais), mas em favor daqueles que se se sentem mudos, mutilados... e aviltados nos seus direitos.
A revolta surda leva o indivíduo a óbito, tantos são os males somatizados. Mas não a um óbito no sentido exato da palavra, mas a outro pior, que é o ver-se, diariamente, diluindo-se, como areia por entre os dedos. E, pelos grãos largados... muitos transitam... e (fingem) que não veem.
Decidi que quero morrer dignamente. Não desse jeito.
Aprendi a ser paciente. A esperar o momento certo para dar o tapa com luva. Mas jamais me amordaçar. Isso, nunca mais!
Há sempre uma mordaça. Nunca dizemos tudo o que achamos que deveríamos dizer.
ResponderEliminarSim, sim. Como aquele infeliz que insiste com a moça "eu cozinho, eu cozinho" a ver se ela percebe a indirecta por não conseguir dizer-lhe o que lhe apetece na altura. :)
EliminarEssa é uma indirecta muito directinha...
EliminarPirgunta ao Nelo a veri çe ele descudifica há primêira e açim
EliminarÉ verdade.
ResponderEliminarQuer por cobardia, quer por calculismo, quer muitas vezes por urbanidade, não chamamos os bois pelos nomes, fica muito por dizer e muitos sapos engolidos.
E o mais caricato é que muitos dos que não levam com a palavra pelos cornos por uma questão de respeito de nós para com eles, são precisamente os que quando chega a vez deles nos dão sem dó nem piedade mesmo que a balança, no contexto do deve e do haver, penda fortemente para o nosso lado.
Lá nisso tens razão, Charlie.
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