Portugal acordou, hoje, estremunhado
mas espantado e alegrete, pois que uma entidade internacional de renome, a
saber, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) julgou, por violação das
normas comunitárias, a favor de uma senhora enfermeira espanhola que se
encontrava a trabalhar, ilegalmente, com contratos a prazo sucessivamente
renovados há cerca de quatro anos, no serviço de saúde de Madrid.
O incómodo destas coisas é que,
por vezes, até fazem jurisprudência…
A seitinha cá do burgo logo se
espantou e, mesmo sem dar especiais ouvidos à coisa, já tive o ensejo de ouvir
alguns comentários que encheram de contentamento a minha alma… quando não de
alguma azia ou, até, malditos fados, de flatulência.
Para princípio de conversa, é
sempre bom saber que «lá fora» alguém ajuda a resolver os problemas que temos «cá
dentro» e para os quais nos vamos mantendo a assobiar distraidamente para o ar,
haja bola e festivais.
Precariedade? Ah, pois é… Eu
conheço alguns casos… ou tantos. Sim, sei lá, o meu filho, o meu sobrinho, aqui
a vizinha, o Manelinho da Pacheca, coitadinho, que é tão bom menino e já com
três mestrados e quatro pós-graduações e ali de caixa no supermercado… Olha lá,
e não estás a lembrar-te do Tozé da Arminda, que só em vodafones e outras lojas
de telefones já anda naquilo há mais de uma dúzia de anos… E aquela miúda
estagiária da Playboy portuguesa, há três anos sem ganhar tostão, mas cheia de
enriquecimento curricular…? E a Zeza, que estava já tão grávida quando a
mandaram embora daquela repartição e meteram lá a irmã gémea, a fazer o mesmo,
mas que não estava grávida…?
E diz quem aparenta saber e será de
insuspeito parecer:
A precariedade laboral agravou-se nos
últimos anos, trazendo para as ruas milhares de trabalhadores em protesto. Só
no primeiro semestre deste ano, 80% dos contratos de trabalho assinados são
precários, garante-nos Carlos Silva, secretário-geral da UGT.
E
o que é isto, afinal, da precariedade? Nada mais do que uma «invenção» de
chicos-espertos públicos e/ou privados, alegadamente para diminuição do custo
final de qualquer artigo ou projecto, sempre através do corte na remuneração do
trabalho, mas que voga, invariavelmente, na mais pantanosa ilegalidade.
As
faces do truque são mais do que muitas pois é consabido sermos grandes no
desenrasca. E isso também vale para os «empresários».
Sim,
porque ele há leis (consta até que é o que há mais…) e dizem alguns que a
sociedade dita ocidental se fundamente na existência do estado de direito, o
qual só faz sentido se se cumprir, contrariando a lei da selva, que é, afinal,
o que por aí campeia, em termos de mercado do trabalho.
Dizem-se
coisas destas, mas pratica-se pouco ou nada e cada vez menos – não a lei da
selva, claro, mas sim o estado de direito -, até por não haver qualquer espécie
de mecanismos actuantes para o fazer funcionar, exercendo vigilância pelo
cumprimento da lei e punindo os seus prevaricadores.
E,
depois, claro, se o próprio estado pratica tal incumprimento, a par com os
grandes empórios empresariais, porque é que o Zé-da-Esquina não haveria de o
fazer? Ainda que este seja, muito provavelmente, mais depressa apanhado por ter
admitido um aprendiz sem contrato e sem habilitações pelo único inspector do
trabalho ainda sobrevivente, do que qualquer das tais outras grandes empresas
por contarem, nos seus quadros não-efectivos, com várias centenas ou milhares
de precários com licenciaturas e pós-graduações e tudo e tal.
Ora,
claro que já ouvi, hoje mesmo, um advogado da área do Trabalho – especializado,
com certeza – referir que isto é tudo muito bonito mas, cá em Portugal, há que
se ser pragmático – que é uma coisa assim a modos que pornográfico, mas com
outras incidências e conotações… – e, com certeza, aquela disposição do
Tribunal de Justiça não será, por cá, de fácil (?) aplicação pois ele há a
competitividade feroz com o estrangeiro e a indigência endémica e atávica dos
empresários nacionais e, digo eu, até há esta corja de opinadores
especializados em castrarem o tal estado de direito, mal surja uma nuvem menos
branca no horizonte dos seus interesses.
Ser
um advogado a dizer isto, publicamente, é estranho? Seria, até pela assunção
implícita da subversão do direito. Mas isso interessa a alguém? A malta curva a
cerviz, pobres e obrigados, que sempre valem mais 300 € por trabalho escravo do
que euro nenhum…
Ainda
bem que há enfermeiras espanholas! É que por cá já nem sei se existem, sequer, advogados portugueses.
As minhas filhas têm uma curta mas interessantíssima experiência com a Segurança Social e com o que elas chamam, com toda a propriedade, Centro de Desemprego.
ResponderEliminarBem sei o que me apetecia ir a essas entidades e ter uma conversinha com aquela malta...
Aquilo, que é "gerido" com o nosso dinheiro, deixa sempre a impressão de que estão a fazer favores a quem não merece sempre que precisamos de alguma coisa, que pasme-se, são do nosso direito.
EliminarAs coisas que acontecem aqui mesmo ao lado!
ResponderEliminarQue maus exemplos, que chatice, que pauzinho na engrenagem!
Ainda está fresca na memória a tirada do feitor deposto que dizia com voz triste de que a maior pena era a da não ter conseguido baixar o "custo do trabalho" enquanto o seu patrão dizia e continuava a dizer de que é preciso "flexibilizar" mais o mercado de trabalho de Portugal.
Estamos feitos com esta canalha que desgoverna o mundo....