setembro 20, 2016

de Espanha nem bom vento... mas, felizmente, há enfermeiras!

Portugal acordou, hoje, estremunhado mas espantado e alegrete, pois que uma entidade internacional de renome, a saber, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) julgou, por violação das normas comunitárias, a favor de uma senhora enfermeira espanhola que se encontrava a trabalhar, ilegalmente, com contratos a prazo sucessivamente renovados há cerca de quatro anos, no serviço de saúde de Madrid.  

O incómodo destas coisas é que, por vezes, até fazem jurisprudência…

A seitinha cá do burgo logo se espantou e, mesmo sem dar especiais ouvidos à coisa, já tive o ensejo de ouvir alguns comentários que encheram de contentamento a minha alma… quando não de alguma azia ou, até, malditos fados, de flatulência.

Para princípio de conversa, é sempre bom saber que «lá fora» alguém ajuda a resolver os problemas que temos «cá dentro» e para os quais nos vamos mantendo a assobiar distraidamente para o ar, haja bola e festivais.

Precariedade? Ah, pois é… Eu conheço alguns casos… ou tantos. Sim, sei lá, o meu filho, o meu sobrinho, aqui a vizinha, o Manelinho da Pacheca, coitadinho, que é tão bom menino e já com três mestrados e quatro pós-graduações e ali de caixa no supermercado… Olha lá, e não estás a lembrar-te do Tozé da Arminda, que só em vodafones e outras lojas de telefones já anda naquilo há mais de uma dúzia de anos… E aquela miúda estagiária da Playboy portuguesa, há três anos sem ganhar tostão, mas cheia de enriquecimento curricular…? E a Zeza, que estava já tão grávida quando a mandaram embora daquela repartição e meteram lá a irmã gémea, a fazer o mesmo, mas que não estava grávida…?

E diz quem aparenta saber e será de insuspeito parecer:

A precariedade laboral agravou-se nos últimos anos, trazendo para as ruas milhares de trabalhadores em protesto. Só no primeiro semestre deste ano, 80% dos contratos de trabalho assinados são precários, garante-nos Carlos Silva, secretário-geral da UGT.

E o que é isto, afinal, da precariedade? Nada mais do que uma «invenção» de chicos-espertos públicos e/ou privados, alegadamente para diminuição do custo final de qualquer artigo ou projecto, sempre através do corte na remuneração do trabalho, mas que voga, invariavelmente, na mais pantanosa ilegalidade.

As faces do truque são mais do que muitas pois é consabido sermos grandes no desenrasca. E isso também vale para os «empresários».

Sim, porque ele há leis (consta até que é o que há mais…) e dizem alguns que a sociedade dita ocidental se fundamente na existência do estado de direito, o qual só faz sentido se se cumprir, contrariando a lei da selva, que é, afinal, o que por aí campeia, em termos de mercado do trabalho.

Dizem-se coisas destas, mas pratica-se pouco ou nada e cada vez menos – não a lei da selva, claro, mas sim o estado de direito -, até por não haver qualquer espécie de mecanismos actuantes para o fazer funcionar, exercendo vigilância pelo cumprimento da lei e punindo os seus prevaricadores.

E, depois, claro, se o próprio estado pratica tal incumprimento, a par com os grandes empórios empresariais, porque é que o Zé-da-Esquina não haveria de o fazer? Ainda que este seja, muito provavelmente, mais depressa apanhado por ter admitido um aprendiz sem contrato e sem habilitações pelo único inspector do trabalho ainda sobrevivente, do que qualquer das tais outras grandes empresas por contarem, nos seus quadros não-efectivos, com várias centenas ou milhares de precários com licenciaturas e pós-graduações e tudo e tal.

Ora, claro que já ouvi, hoje mesmo, um advogado da área do Trabalho – especializado, com certeza – referir que isto é tudo muito bonito mas, cá em Portugal, há que se ser pragmático – que é uma coisa assim a modos que pornográfico, mas com outras incidências e conotações… – e, com certeza, aquela disposição do Tribunal de Justiça não será, por cá, de fácil (?) aplicação pois ele há a competitividade feroz com o estrangeiro e a indigência endémica e atávica dos empresários nacionais e, digo eu, até há esta corja de opinadores especializados em castrarem o tal estado de direito, mal surja uma nuvem menos branca no horizonte dos seus interesses.

Ser um advogado a dizer isto, publicamente, é estranho? Seria, até pela assunção implícita da subversão do direito. Mas isso interessa a alguém? A malta curva a cerviz, pobres e obrigados, que sempre valem mais 300 € por trabalho escravo do que euro nenhum…


Ainda bem que há enfermeiras espanholas! É que por cá já nem sei se existem, sequer, advogados portugueses.

3 comentários:

  1. As minhas filhas têm uma curta mas interessantíssima experiência com a Segurança Social e com o que elas chamam, com toda a propriedade, Centro de Desemprego.
    Bem sei o que me apetecia ir a essas entidades e ter uma conversinha com aquela malta...

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    1. Aquilo, que é "gerido" com o nosso dinheiro, deixa sempre a impressão de que estão a fazer favores a quem não merece sempre que precisamos de alguma coisa, que pasme-se, são do nosso direito.

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  2. As coisas que acontecem aqui mesmo ao lado!
    Que maus exemplos, que chatice, que pauzinho na engrenagem!
    Ainda está fresca na memória a tirada do feitor deposto que dizia com voz triste de que a maior pena era a da não ter conseguido baixar o "custo do trabalho" enquanto o seu patrão dizia e continuava a dizer de que é preciso "flexibilizar" mais o mercado de trabalho de Portugal.
    Estamos feitos com esta canalha que desgoverna o mundo....

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