O que é o subprime
Fala-se muito na crise do "subprime" e do "mercado de crédito de alto risco nos EUA" mas pouco se consegue saber de concreto sobre este tema.
Há algumas décadas atrás, o sistema financeiro de crédito hipotecário consistia em instituições bancárias onde se faziam depósitos, os quais eram usados para financiar empréstimos para compra de casa. O risco de crédito, o risco da taxa de juro e o risco de liquidez eram todos da própria instituição bancária.
A partir de 1938, para gerar maior liquidez na economia, foi criada nos EUA uma entidade estatal que comprava esses créditos aos bancos e os geria, assumindo os riscos dessas operações. Nos anos 60, dado o sucesso desta solução, os empréstimos que esta entidade contraía para financiar as compras de crédito eram já uma fatia significativa da dívida dos EUA.
A partir de 1968, foi feita uma reorganização que privatizou parte do processo, passando algum do risco de mercado para investidores, eliminando essa fatia da dívida estatal. Uma fatia grande desta dívida passou a ser transaccionada em bolsa, como títulos suportados por hipotecas, comprados por investidores institucionais, milionários, e os próprios bancos. Este processo diluiu os riscos de mercado para os bancos e retirou dos seus balanços este risco. Permitiu ainda aos bancos terem disponível maior liquidez para as suas operações de crédito.
A gestão destes títulos passava normalmente por um paraíso fiscal off-shore, sob formas cada vez mais complexas e cada vez com maior sucesso. Em 2003, 76% deste mercado (nos EUA) era público e 24% era detido por instituições privadas. Em meados de 2006, a parte pública desceu para 43% e os privados subiram para 57%. Só que as entidades privadas tendencialmente passaram a conceder crédito a organizações com algum risco ou mesmo alto risco (clientes "subprime", muitas vezes até sem qualquer classificação de risco), ao contrário das entidades públicas, que mantinham critérios mais cautelosos de atribuição de crédito (clientes "prime", muitas vezes com a classificação AAA).
A partir de 1987, criou-se nos EUA um esquema colateral de títulos de dívida, com o objectivo de a repartir em tranches e classes de risco, com diferentes taxas de juro, com as mais altas premiando obviamente as tranches de alto risco (o mercado "subprime").
Em termos de prioridade de pagamentos, em primeiro lugar estão os créditos "prime". Os créditos "subprime" só são liquidados após os de menor risco e menor taxa de juro. Em condições normais do mercado, estes títulos podem ser renegociados, nomeadamente por fundos de alto risco ("hedge funds") e nos mercados de futuros (em que se assumem compromissos, com preços pré-estabelecidos, para compra e venda de títulos numa data futura). Estes "hedge funds" são pouco transparentes e "alavancam" os valores investidos. Por exemplo: um "hedge fund" com 100 milhões USD para aplicar, pode juntar-lhes 500 milhões USD de empréstimos para investir 600 milhões USD. Se pensarmos que estes títulos são renegociados, é fácil imaginar os números com muitos zeros que estas operações podem atingir. Associado a esta "bolha especulativa", estes títulos não são negociados em bolsa e sim bilateralmente, entre as entidades intervenientes. Alguns destes contratos contêm cláusulas ilegais. Os preços e volumes transaccionados são assim desconhecidos. E basta que não haja interessados em transacções para que este mercado fique sem liquidez. Foi o que se passou em Agosto de 2007, com os "hedge funds" a pararem as suas transacções. Os emissores dos títulos colaterais de dívida deixaram de ter quem os comprasse... e não emitiram mais, provocando um choque em cadeia, envolvendo os bancos e as outras instituições que investiam nesse mercado e, indirectamente, mesmo aqueles que transaccionavam só em mercados "prime", com risco reduzido. O impacto foi para os compradores potenciais de casas ou para quem quer fazer obras: os empréstimos pedidos não são concedidos. Daí a crise actual do sector de construção e imobiliário nos EUA. As estimativas mais recentes apontam para prejuízos até 600 mil milhões de euros.
O impacto maior deste choque em cadeia estará provavelmente ainda por aparecer. Muitas entidades ainda não reconheceram as perdas desta crise nos seus balanços. E penso que há muitas "fachadas" que irão ainda ruir.
O que se pode esperar
Os agentes económicos tendem a decidir e a actuar mais com base em expectativas do que em realidades.
Dou sempre como exemplo a frase de Durão Barroso «O país está de tanga», quando foi nomeado primeiro-ministro em Abril de 2002, que marcou um período de desânimo das empresas portuguesas de que ainda hoje não se recuperou. Nos meses seguintes àquela frase, os bancos e muitas empresas cortaram crédito e reduziram ou adiaram investimentos.
As mensagens que os bancos passam neste momento, incluindo o próprio governador do Banco de Portugal, não augura nada de bom para a economia. Mesmo que os indicadores fundamentais das empresas e bancos sejam "saudáveis", vão-se mostrar "doentes", aproveitando para tomar medidas mais gravosas para os clientes... e consumidores. No caso dos bancos, é uma tentação poder aumentar os "spreads" e, logo, a sua margem bruta de lucro.
Isto não augura nada de bom, nem para as famílias, nem para as empresas e nem mesmo para o Estado português, que apesar de não recorrer praticamente a empréstimos bancários, financia a sua dívida pública nos mercados internacionais e pode vir a ter dificuldades na colocação de novas emissões de Obrigações do Tesouro.
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Fonte principal: artigo "Subprime: tentacles of a Crisis" da revista "Finance & Development", Dezembro 2007.
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