novembro 27, 2014

O julgamento paralelo de José Sócrates

A “Justiça” não é capaz de informar a sociedade.
Supõe-se viver fora e acima dela. Nos astros.

As Escrituras narram a parábola de Maria Madalena. Os fariseus, em magote, trouxeram-na à presença do Senhor. Que a condenasse pelos seus muitos pecados. O Senhor atentou na dignidade humana de Maria Madalena. Ouviu-a. Depois, ditou sentença.

As questões da Justiça são políticas. Os tribunais exercem um poder soberano. O exercício dessas funções é, por natureza, político.
Se os políticos nos transmitem que se não intrometem com o poder soberano dos tribunais, teremos de responder que se trata de mera tautologia.
Falam por falar.
Não se quadram nem apreciam o silêncio.
Exigem e esperam decisões céleres e justas.

Directa ou implicitamente, conforme interesses, também partidários e políticos, responsabilizam o que chamam “A Justiça” pelo processamento lento do sistema judicial. Desleixam a Justiça no investimento que não fazem no sistema. Tratam o poder judicial com displicência. Um poder soberano menor. Provocam, por confrangedora incompetência, sem consequências políticas, a paralisação do sistema.
Só se lembram da Justiça quando ela lhes bate à porta.
O “país político”, dizem, fica longe da Justiça.
Não devia ficar.
Todos somos “país político”.
A Justiça também.
Vivemos na civitas.
A Justiça diz respeito ao Estado de direito.
A política também. Nelas, todos somos parte interessada com dever de participar.
O “país político” nada explica sobre a Justiça.
É com outros.
O poder judicial pouco ou nada explica.
A Justiça é para dentro.
Com ele.
Está ainda colado a metodologias tradicionais e arcaicas.
Subestima o direito à informação da comunidade.
Não sabe comunicar. Defende-se.
Fecha-se.
 O segredo de justiça alomba com todas as responsabilidades de um secretismo incompatível com a sociedade de informação que é a nossa.

A “Justiça” não é capaz de informar a sociedade.
Supõe-se viver fora e acima dela. Nos astros.

Nem está preparada para comunicar.
Vive para dentro. Ignora como separar sigilo do que deve ser público.
Receia a comunicação social.
Só interage às ocultas. “Julgar em nome do povo” transmuda-se em fraseologia gratuita.
Retórica.
Os gabinetes de imprensa do Ministério Público produzem comunicados secos e irrelevantes.
Sacralizam o sistema.
Separam-no da comunidade.
Blindam-no.
A comunicação social apossa-se de toda a informação pública. É ostracizada pelo sistema judicial. Como um adversário temível. Transmite verdades e inverdades. Factos e aparência de factos. Massacra dias inteiros a reproduzir as mesmas coisas ad nauseam. Fomenta juízos de valor sobre pessoas e factos que ignora em toda a amplitude.

Os arguidos são sujeitos a julgamentos paralelos.
 O segredo de justiça, imposto pelas normas do julgamento legal, impede-os de usar o contraditório no julgamento da rua. Ninguém os leva, com o arrolamento dos “pecados”, à presença do Grande Júri.
São apedrejados.
Culpados.
Não há direitos de defesa, nem presunção de inocência que lhes valham.

Confunde-se Justiça com justicialismo.
São condenados antes de julgados.

E depois?
Depois, a ninguém assiste o direito de desrespeitar a dignidade da pessoa humana.

Procurador-geral adjunto

artigo publicado no público

posted by Charlie

7 comentários:

  1. Alguém me explique esse conceito da "pessoa humana"...

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  2. Deve ser porque algumas pessoas são tão desumanas, que precise enfatizar - e necessária a redundância - o termo "pessoa...humana".
    Ou, os irracionais estão sendo mais humanos do que as pessoas, e, então, é imprescindível distinguir estes... daqueles.
    Ou, ainda, que nem sei se sou pessoa , mas Fernando, pessoa, era.
    Ou, Fernando Pessoa era tão humano, mas fingia sentir-se ...pessoa.
    Enfim, deleta tudo que é muito desumano o que esta pessoa, daqui, escreve.
    <•))))))<

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  3. Tu és mesmo uma pessoa muito humana, Mamãe ;O)

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  4. Desde que toda a gente é pessoa,
    então toda a pessoa é aquilo que é gente
    e sendo gente o ser humano
    então é pessoa o que é gente
    e gente, pessoa humana.

    Desde que inventaram a transgenia, qualquer dia temos praí uma palmeira humana, ou um humano palmeira, que passarão a ser pessoas quase humanas, Ou se levarem uns chips à nascença, playstations quase pessoas, ou super pessoas, com, X por cento de humano.
    No campo do juridíco temos pessoas singulares e colectivas e/ou equiparadas, que são no caso das pessoas, umas espécies de cubos que se pretendem certinhos, daquilo que é a imensa batata que é um ser humano.
    Podemos esfregar as mãos de contentes que vêm aí já mais umas alterações nos códigos a prever e enquadrar as novidades.
    Os terceiros sexos já o fazem, qualquer dia num futuro qualquer, teremos nos nossos cafés, quem sabe, um caniche a ler o jornal, ou um peixinho de aquário compositor, ou um homem cenoura, tudo enquadrado no conceito de pessoa que será humana em que percentagem?

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  5. Coitadinha da São: sempre a sofrer preconceitos!
    "...Os terceiros sexos já o fazem..."
    :-/

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