É um facto que há cerca de 2 500 pessoas e empresas em risco de perderem mais de 500 milhões de euros por terem aplicado as suas poupanças em papel comercial.
O que é isso de papel comercial?
O papel comercial é uma das vias para as empresas se financiarem. Uma empresa que precise de dinheiro, em vez de aumentar o seu capital social, de emitir obrigações ou de pedir ao banco, pode recorrer ao papel comercial. Esta operação só pode ser feita com a intermediação de um banco, pois é este que vai convencer os seus depositantes a aplicarem o seu dinheiro nestes títulos de dívida, ou seja, a emprestarem-no à empresa que procura financiamento, garantido pelo tal papel comercial.
Trata-se, normalmente, de dívida de curto prazo e que tem taxas de rendibilidade mais elevados do que os depósitos, daí o seu interesse para os depositantes.
No caso do BES, as empresas que se financiaram com recurso a papel comercial pertenciam ao seu universo empresarial: Rioforte, ESI e ES Property.
Muito embora o BES estivesse, então, impedido pelo Banco de Portugal de intervir no apoio financeiro às empresas do grupo, em que se incluía a intermediação em operações de papel comercial, a verdade é que o fez e os seus colaboradores aliciavam clientes para subscrever papel comercial, muitas vezes sem explicarem o risco envolvido. Tratou-se, pois, de uma violação das orientações do Regulador e de uma vigarice, porquanto as ditas empresas do universo BES estavam tecnicamente falidas e era elevado o risco de não pagarem.
Aqui chegados, ao ponto de partida, passemos à fase intermédia.
Quando o Banco de Portugal tomou conhecimento destas práticas, em meados de 2014, exigiu ao então BES que constituísse provisões para fazer face às responsabilidades do próprio banco, por considerar que era a este que, em última instância, competia ressarcir os depositantes subscritores de papel comercial, no caso de os efetivos devedores (Rioforte, …) não pagarem. E isso afigurava-se muito provável, dada a sua situação financeira.
O BES contituiu/contabilizou a referida provisão, conforme orientação do BP.
Um tema de controvérsia envolvendo esta questão da provisão tem sido este: a provisão em causa ficou no BES (caso em que, segundo os comentadores, seria ao BES - banco mau - que competiria ressarcir os depositantes enganados) ou passou para o Novo Banco (e, neste caso, seria a este que competiria resgatar o papel comercial, pagando o seu valor aos depositantes que o subscreveram).
Ora, sobre isto é que os comentadores estão errados, tecnicamente falando.
O que é uma provisão, também designada por imparidade? É dinheiro guardado, reservado? É um fundo?
A provisão não passa de um mero registo contabilístico em que se regista uma perda potencial pela quantia da responsabilidade ou do risco.
O registo contabilístico desta provisão tem um efeito: sendo uma perda, reduz os lucros da entidade numa quantia equivalente. O efeito prático da sua constituição é indireto. O registo desta perda e consequente redução dos lucros da sociedade faz com que baixe a quantia que pode ser distribuída pelos acionistas a título de dividendos; e, também, que diminua a quantia dos impostos sobre o rendimento. A provisão mais não é, pois, que um “travão” à saída de dinheiro para pagar dividendos ou impostos. Mas não é geradora de receita.
Nestas condições, as provisões não podem ser transferidas de uma entidade para outra, pois elas não têm materialidade (não são fundos) nem constituem direitos. Ainda que a sua transferência contabilística fosse feita, isso seria inócuo pois não arrastaria quaisquer bens.
Portanto, as provisões só têm real sentido na entidade que as criou/contabilizou, não tendo nexo falar na sua transferência para uma nova entidade.
Por outro lado, elas só têm efeito prático ao promoverem a referida retenção dos lucros (e do correspondente dinheiro).
Mas há mais um aspeto a considerar: o que se passa quando teve prejuízo, e, não, lucro, a empresa que constitui a provisão? De notar que foi esta a situação do BES, em 2014.
Neste caso, o registo da provisão só contribui para agrava os prejuízos e, naturalmente, não promove a retenção de lucros (que não existiram!). Não tem qualquer eficácia. Só viria a tê-la, mais tarde, quando a entidade voltasse a ter lucros.
Em resumo: as provisões não são ativos com que se possa fazer pagamentos. Não se podem transferir de umas entidades para outras, uma vez que são meros registos contabilísticos e só fazem sentido na entidade que fez a sua contabilização, sendo sua finalidade a retenção de lucros, em alternativa a distribuí-los. Não têm qualquer eficácia quando a empresa sofreu prejuízo.
Acresce que o Novo Banco não recebeu do BES quaisquer ativos que lhe permitissem pagar, com eles, as dívidas relativas ao papel comercial. Pela simples razão que a dívida é das empresas Rioforte, … O BES agiu como mero intermediário.
Todos somos sensíveis ao drama daqueles que, enganados aos balcões do BES, aplicaram as suas poupanças em papel comercial de empresas do grupo BES e agora as perderam.
Não me parece que a solução seja, como sugeriu a CMVM, ser o Novo Banco a pagar a dívida do papel comercial, porque isso representaria para si uma perda e significaria serem os contribuintes a pagar os erros, vigarices e desleixo de terceiros.
Por outro lado, há evidências suficientes para criminalizar a administração do BES pelo que se passou, pois infringiu culposamente as determinações do Banco de Portugal e ludibriou os pequenos aforradores. Neste caso, sabe-se quem é o criminoso, já nem é preciso investigar. Que seja o criminoso a pagar, em vez de continuar a passar entre os pingos da chuva!
Karen Roe - «broken bench» - Ickworth Park - Suffolk - England |
E ainda há quem diga que o economês é uma linguagem cifrada... Aqui está tudo esclarecidinho, sem margem para dúvidas ou ambíguos entendimentos. Deste ignorante em economia aqui fica, pois, o meu agradecimento.
ResponderEliminarE ainda há quem diga que o economês é uma linguagem cifrada... Aqui está tudo esclarecidinho, sem margem para dúvidas ou ambíguos entendimentos. Deste ignorante em economia aqui fica, pois, o meu agradecimento.
ResponderEliminarNão têm tempo, para isso, pessoal
ResponderEliminarTemos metade da judiciária a arranjar provas para o tal de 44, e a outra metade no turno de descanso.
É que uma pessoa não é de ferro, não é?
Bem dizia a minha avó, que meias só nas pernas e bancos, nem vê-los: a dor que eles fazem ás costas de uma pessoa, É que dão mesmo um mau sentar....