Farto de uma telenovela sem fim que dura há anos, onde pior do que uma acusação e condenação em sede própria ou o arquivamento relativamente a alguém com particulares responsabilidades na História recente do Pais, a suspeita se eternizou como substituta da Justiça.
Que os tablóides representam o lado mau da imprensa, já todos sabíamos.
O que não precisávamos de ter era uma Imprensa acima da lei, ou pior, de braço dado com um lado escuro qualquer que lhe dá uma força que não sabemos onde -num Estado Democrático- a vai buscar.
O artigo que tomo a liberdade de repetir neste espaço é apenas um parágrafo deste folhetim, e a entrevista recente concedida por Joaquim Paulo Conceição do Grupo Lena a um José Gomes Ferreira na Sic Notícias, mais apostado em fazer as vasas de acusador do que de jornalista interessado na verdade, é outro.
Apenas dois apontamentos discordantes num mar de condenações prévias em praça pública a coberto de "notícias" paridas de um "segredo de justiça" que é mais uma anedota trágica do tempo do Santo Ofício do que instrumento de apoio a uma máquina jurídica ao serviço da Democracia num Estado aberto.
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A leitura do texto abaixo dispensa comentários, salvo um: começo a ter medo...
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O DIREITO DE DIFAMAR
por Fernanda Câncio
Sabendo que nunca tal conversa tinha ocorrido, fiz uma declaração pública acusando o Correio da Manhã (e a CMTV, que repetiu, em peça televisiva, as mesmas imputações) de difundir uma falsidade e anunciando ir exigir ao MP (o que já fiz) acesso directo às escutas em que sou interveniente - convém lembrar que o processo ainda está em segredo para quem, como eu, não é arguido nem assistente.
Em resposta, a direção do CM exarou um revelador comunicado.
Em vez de sustentar o que publicou e prová-lo, faz uma declaração genérica:
"As escutas e os factos que o CM tem noticiado foram validados pelo juiz de instrução por serem determinantes na produção de prova no processo."
Vale a pena olhar bem para esta frase: o que nela se lê, textualmente, é que o que o CM publica é validado por um juiz - no caso, Carlos Alexandre.
Uma espécie, então, de censura prévia, e da qual ainda por cima a direcção do CM se gabaria ao público?
A ideia é risível, mas é aquela que o CM quer fazer passar.
A de que se confunde em tudo com a justiça e está por ela "autorizado" - para tal se fez "assistente" no processo, pervertendo quer a figura do assistente quer a deontologia jornalística - funcionando como seu braço armado.
Ora sucede que o CM engana os seus leitores, como a CMTV engana os seus espectadores, ao dar a entender que tem acesso directo e autorizado às "escutas" e "factos".
Nesta fase, o que está de escutas no processo são resumos interpretativos, não as conversas ipsis verbis, e os "factos" são igualmente interpretações, ou seja, opiniões e perspectivas, da acusação.
Que por sua vez o CM "interpreta" e falseia a seu bel-prazer, como no caso da conversa aludida.
Falseamento tão óbvio que não existe em toda a peça publicada uma frase entre aspas com o conteúdo que o CM coloca em manchete, e por um motivo muito simples: tal frase não existe.
De resto, a ausência de rigor é tal que o CM não diz sequer quem estava sob escuta: as duas interlocutoras?
Uma só delas? Qual? Não interessa; para o CM é igual: vai tudo corrido a suspeito.
Perante isto, que pode alguém fazer?
Como se defende?
Num Estado de direito democrático, recorre aos tribunais.
Além de acções criminais e cíveis, interpus uma acção para tutela dos direitos de personalidade com vista a proibir que estes e outros meios continuem a invocar gratuitamente o meu nome e a minha qualidade de jornalista do DN em peças sobre o processo Marquês, transformando meras relações pessoais numa espécie de "suspeição por contaminação".
Previsivelmente, serei acusada de "censura" e de "constrangimento ao exercício do direito de informar."
É que, parece, há quem considere que é mais grave tentar impedir crimes do que cometê-los.
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