janeiro 29, 2011

In(Dependência)

Há muitas luas atrás, li, numa revista de fim de semana, daquelas que servem para vender mais jornais, uma entrevista com a Mafalda Arnauth. A páginas tantas (adoro esta expressão), sai-se a cachopa com uma que me deixou a pensar. Dizia ela "A independência pode ser uma coisa perigosa. É bom depender, no sentido de confiar no outro".
Olhem, não podia concordar mais com a mocinha, que ainda por cima é gira e canta bem (nunca gostei tanto de ouvir cantar Fausto Bordalo Dias noutra voz, como gostei de o ouvir na dela).
Espanto-me sempre ao constatar que a minha geração é uma geração de Tribalistas, do género "Eu sou de ninguém, / eu sou de todo mundo e todo mundo é meu também". Tipo orgia colectiva de afectos, em que ninguém se prende porque tem medo de se perder. Em que ninguém se diz de ninguém, não vá o outro mudar de ideias e enveredar por outra via, ferindo-nos o orgulho e o futuro que se construiu comum, nem que tenha sido apenas na imaginação de um; assim, pelo sim, pelo não, somos todos de toda a gente, não pertencemos a ninguém. Escusa de se saber que se sonhou. Ou que nunca se quis sonhar, há sempre a outra face da moeda!
Já ninguém diz "sou tua" com a voz embargada de lágrimas, com os olhos marejados de certezas e o peito a arder, num fulgor que pode ser eterno ou efémero, pouco importa. Importa aquele momento, o que se quer ali e agora, a vontade de se ser de outro. Sem medo, porque quem confia desconhece o terror da traição, da cobardia, da inconstância, do sofrimento, do desinteresse.
Diz-se "odeio o sentimento de posse", como quem invoca o santo nome da liberdade em vão, numa atitude impensada que me soa a libertinagem.
Gosto de ser DE. Dos meus alunos a professora, dos meus amigos a melhor amiga (desculpem-me a arrogância), da minha cadela a dona, da minha mãe a filha, do meu irmão a "mana" (sim, tenho um metro e oitenta e cinco de profissional de sucesso a chamar-me nestes termos e eu adoro!), do meu carro a devedora (só por mais um mês!), dos meus avós a neta. Sou DE. Deles todos. Sem medo algum.
Porque no dia em que eu tiver medo de ser DE, não sou. De ninguém. E jamais teria a ousadia de almejar que o mundo fosse meu, se eu não me desse ao mundo. Ou aos meus mundos particulares. DE quem sou. Sem medos.

16 comentários:

  1. E é tão bom ser-se amigo DE ti ;O)

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  2. Quando Aldous Huxley escreveu o " Admiravel Mundo Novo" previu magistralmente a ditadura científica que cada vez mais se vive nas sociedades actuais. O Homem limitado a consumidor, e ao prazer ilimitado sem raizes afectivas algumas. O desmembramento da noção de grupo, de identidade. Sexo sem limites, e os filhos feitos por máquinas, pois nem a família é autorizada. Quando somos impelidos a trocar de bens personalizados como telemóveis cada três meses, impedindo a relação de afecto e memórias prolongadas que o seu uso exclusivo acarreta, porque não faze-lo em relação a tudo?

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  3. O meu número de telemóvel é DE mim desde que há telemóveis em Portugal (e na empresa onde trabalhava tinha um daqueles "tijolos portáteis" precursores dO saco da Ana).
    Tenho o mesmo telemóvel há 7 anos (e os outros que tive, mudei quando pifaram). Pedi-o assim:
    - Quero um telemóvel que só faça e receba chamadas e que tenha agenda.
    - Ah, isso não temos.

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  4. Ola, viste, também gosto da Mafalda, sim senhora. Bela voz e bom ar.

    E, já agora, sempre te digo que nunca, nos mais desvairados momentos da vida, consegui libertar-me de um sentimento socialmente (hipocritamente?) tão negativo como o ciúme...

    E não me foi ensinado ou incutido pelos meus pais. Mas sempre existiu ali, no momento em que a minha dádiva se imaginava ão retribuída. E apenas contrariada pela racionalização possível, em cada momento, pois o facto é que, quer eu quisesse ou não, a cada passo, zás!, lá estava a ciumeira a perturbar-me o viver.

    Tem isto muito a ver com o que escreves. E a dádiva sustentada na confiança mútua é uma benesse que nos faz maiores.

    Transcendentemente, muito para além das meras relações ditas sexuais, mas nelas também.

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  5. Charlie - E Huxley não era um adivinhador de futuros, apenas um homem atento. e, como ele, se nos permitirmos continuar a ser cabecinhas pensantes, podemos contrariar o aparentemente inevitável, não? Bem sei que, as mais das vezes, nos tornamos Quixotes, vendo moinhos onde todos vêem gigantes (este "Impressão Digital" é dos poucos poemas que me bailam na cabeça constantemente). Mas, pelo menos aqui, ousemos!! :)

    OrCa - Ah, o monstrinho verde... Confesso que também eu tenho tendência para ele; normalmente, corto o mal pela raíz: se há ciúme, não há confiança e, na ausência desta, como bem dizes, pouco fica. Ou ficamos nós, histéricos e medrosos, no extremo oposto do tal bem-estar (ou felicidade) que todos almejamos. Escrevo de cor, não conheço essa "dádiva sustentada na confiança mútua", pelo menos inteiramente. Mas não preciso de ter estado em Nova Iorque para saber que quero muito ir a Nova Iorque. :)

    São - Então tens ou não tens um telelé que só faz e recebe chamadas e mensagens e com agenda?

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  6. "Ah! O mais barato que temos é este. Tem jogos..."

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  7. ... e os jogos é que estragaram tudo, num foi_e? (quanto mais merdices têm essas maquinetas, mais depressa pifam: hoje em dia, pensar que um telemóvel pode durar 7 anos é mito urbano)

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  8. Meninos e meninas.
    Ana, Sãozinha, Paulinho e Orca.
    Eu sou para que conste, técnico destas coisas que no momento actual são exactamente com diz a Ana: frustrantes perfeições de tecnologia de ponta que tem mesmo de ser trocadas ao fim dos seis meses.
    O meu telele também conta ja com os provectos sete e mitológicos anos, coisa ainda dos bons tempos. Agenda, jogos, camara de filmar e fotografar...ah quase me esquecia, também dá para telefonar...hehehhee
    Embora concorde com a Ana que podemos e devemos resistir, tremo só de saber que o telele actual pode pifar a todo momento e que não haja meio de repara-lo. Num ambiente de escolha condicionada, digam amigos, como é que conseguimos escolher algo à nossa vontade se o o que conta é a vontade dos outros, esses que os fabricam para durar uma época e pouco mais...

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  9. Como eu diria se estivesse no meu cantinho porcalhoto, "a moda é uma f..."

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  10. Hehehehehehe!
    Pois é. E a verdade é a que narra o Charlie. Ou não fora eu própria proprietária de um Blackberry (olha, publicidade!, podíamos ganhar umas massas com isto!) com mais funções do que aquelas que alguma vez irei usar.

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  11. Eu quando for grande também hei-de (aquela que cantava "ió delé deleri ú...") ter um Blackberry...

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  12. Ó São, não é "hei-de", é "Áide" - pelo menos segundo a minha vizinha de baixo, que tem uma cadela homónima.

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  13. Olha, eu tenho uma colega que é Aida. É daquelas pessoas que só sabe colocar problemas. Eu chamo-lhe Aida Minhavida.

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  14. E chamas-lhe muito bem. Se for como a cadela da minha vizinha, dará pelo nome e tudo! ;)

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  15. Mas na região onde trabalho safam-se do "hei-de" porque dizem "hádes"... e "o que tu fizestes"...

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