Perante o arrazoado mais ou menos infame, mais ou menos balofo, vazio de conteúdo ou, até, mais ou menos idiota das ditas mensagens de natais e anos novos que vamos ouvindo nesta época, do tipo bolo-rei de terceira categoria, seco e pobre em frutos, por parte dos organismos oficiais, porque não a hei-de emitir também eu, cidadão português comum, classe média, europeu, ocidental, nem-Nato-nem-Pacto-de-Varsóvia – como se dizia –, nem anti, nem pró «economias emergentes» e sem convicção especial em salvadores providenciais mais ou menos embrulhados na neblina dos dias?
De facto, sendo certo que de médico e de louco cada um tem um pouco – e quem diz médico, dirá político, ou economista ou simples filósofo com a mesma ligeireza – porque não aventurar-me eu em panaceias de curandeiro da urbe e da plebe?
Então, cá vai uma mão-cheia bem intencionada de propostas avulsas, daquelas, claro, de que o inferno se vai enchendo:
- Em 2011, faça um pouco mais e melhor do que em 2010. Verá que tudo lhe parecerá mais e melhor do que no ano anterior! E se o que fez foi uma porcaria muito grande, verá que o reconhecimento dos demais, ao longo deste ano, será muito mais óbvio e é sempre gratificante sermos reconhecidos, nem que seja pelos piores motivos – olhe-se para os exemplos que vêm de cima, de quem (des)norteia este Portugal de nós todos, e apure-se se tal facto lhes causou alguma mossa...
- Em 2011, pense um bocadinho mais nos outros. Verá que os outros pensarão um bocadinho mais em si… que mais não seja sempre que lhes entupir a caixa de correio electrónico com pps da treta, ou os inundar de mensagens facebookianas perfeitamente irrelevantes, para que eles fiquem capazes de o estrangular mal lhe ponham a vista em cima.
- Em 2011, combata o aumento do custo dos combustíveis como faz um amigo meu que vai para 20 anos a meter sempre a mesma importância de combustível na sua viatura… não gastando assim nem mais um cêntimo, ano após ano. Claro que, actualmente, já tem o carro pousado sobre quatro cepos e transporta a gasolina num jerrycan, apenas para poder pôr o motor a trabalhar ocasionalmente. Mas a verdade – como punhos! – é que não gasta nem mais um cêntimo em combustível, quaisquer que sejam os aumentos, e cumpre assim o nobre objectivo a que se propôs!
- Em 2011, dedique-se à apanha sazonal da azeitona ou de qualquer outro produto agrícola, aí durante uns seis mesitos do ano. Nos restantes seis dedique-se de corpo e alma ao Fundo de Desemprego – verá que companhia não lhe faltará, circunstância expedita de desenvolver novos conhecimentos e de, assim, se lhe abrirem novas expectativas relacionais… para a apanha, na próxima época, de um qualquer outro produto agrícola sazonal, porventura.
- Em 2011, se está a pensar comprar casa… não compre uma, compre duas. Mas tenha o cuidado de as adquirir junto de um estabelecimento de ensino superior. Vai habitar uma delas com a sua família e aluga a outra a vinte alunos deslocados e, talvez até, a um ou dois professores, com os respectivos arrendamentos totalmente isento de impostos – o Estado não quer saber disso para nada e não o incomodará – , o que lhe permitirá fazer face ao duplo encargo e, com boa gestão, talvez até amealhar algum… Pelo lado dos alunos, ensardinhados na casa alugada, a proximidade intensa com os demais colegas poderá promover novas e interessantes experiências. Há aqui, pois, uma vertente social não despicienda.
- Em 2011, esqueça tudo o que lhe sugeri acima e inscreva-se mas é nas «jotas» de algum dos partidos com futuro ou com presente. Aqui as tácticas poderão ser diversificadas, mas tente ser, ao mesmo tempo, um imenso bajulador do «chefe» e um chato terrível junto dos seus pares. Com duas ou três fintas de corpo, lá pelos vinte e quatro anos está director (ou mais…) de uma empresa pública, pelos vinte e cinco estará na Assembleia da República e, a partir daí, o céu não é o limite. Ah, e já poderá contar, colateralmente, com duas reformas asseguradas, aí a partir dos trinta e dois ou trinta e cinco anos. Qualquer paralelo com situações parlamentares actualmente existentes é pura coincidência, claro.
- Em 2011, solicite um financiamento à banca ou ao FMI ou ao Diabo e abra (mais) uma grande superfície; de seguida, contacte algumas organizações humanitárias e disponibilize espaço nessa mesma grande superfície para a recolha de bens alimentares e outros adquiridos e pagos pelos solidários concidadãos, em sucessivas campanhas contra a fome, o frio ou o que seja. Fará um vistaço, socialmente falando, e vai assegurar um escoamento dos seus produtos muito acima das expectativas de qualquer prospecção de mercado mais optimista.
Como vê, caro concidadão, a crise pode ser uma janela de oportunidades… nem que seja de alumínio anodizado. Basta puxar pelo bestunto, abdicar de qualquer racionalidade e, bem no fundo, estar-se nas tintas para o próximo.
- Jorge Castro
Tu adoras as janelas de alumínio anodizado.
ResponderEliminarahahahahahahah
Ano bem bom também para ti (se houver novas oportunidades)
Ele há coisas que integram o meu imaginário. Que seria deste país sem o alumínio anodizado? ;-)»
ResponderEliminarO meu imaginário passa mais pelo anis escarchado :O)
ResponderEliminarAh ... Ganda Castro.
ResponderEliminarOlha, no que diz respeito às campanhas de solidariedade, não podia estar mais de acordo contigo. Não te cito nomes pois os olhos e ouvidos do Imperador estão por todo o lado e ainda tramavam o desgraçado que me chamou para eu VER in loco o que se passa numa das contralojas de um Hiper; . Caixas e mais caixas de leite pelo chão, sacos de arroz rebentados de quedas, verdura e fruta aos pontapés, caixas de chocolate etc etc, tudo coisas que caem para o chão durante as descargas, mas a sua recolha é vedado ao pessoal, mais que vedada, é expressamente interdita.
Eles estão simplesmente proibidos de as poderem apanhar, sob pena de acção displinar e ameaça da perda de emprego. (e foi esta País que de Cravos fez Abril)
Quando vejo depois os - certamente bem intencionados- voluntários a pedir para que colaboremos com qualquer coisa para mitigar a fome a quem precisa, fico - tal como o Jorge- pior que estragado. É que o negócio da caridadezinha é feita à custa dos consumidores, e o srs Hipers arrecadam mais uns largos milhões e ainda se rogam a vaidades por terem colaborado nas campanhas. Ora porra! Com as calças do meu pai sou um homem. Vejam lá se eles dizem que em "tal dia" 5 % das receitas é para a campanha para dar o exemplo e em solidariedade? Falo só em 5%, que é muito pouco comparado com os 100% que nos é solicitado oferecer em cada cada artigo nessas campanhas...
Isso é um belo tema para um post (ou muitos).
ResponderEliminarSempre pensei na negociata que é para os hipermercados esta caridadezinha... mas assim não me sinto sozinho.
Meus caros, quando comecei a referir esta reflexão sobre a recolha de bens nas grandes superfícies para os bancos alimentares, colhi e colho, invariavelmente, um ar de espanto do meu interlocutor e, logo, o comentário do tipo «- Olhe que é capaz de ter razão, nunca tinha visto a coisa por esse lado...».
ResponderEliminarE é isso que nos vai afligindo: o povo parece incapaz de pensar - claro que os «sucessos» educativos de Sócrates e Cª. vão contribuido muito para esta anestesia geral.
Por aqui, já somos três a pensar o mesmo - e eu nem tenho rebuço qualquer em confessar que também tenho alinhado com essa demagogia para maior enriquecimento das grandes superfícies. Mas parei e pensei um bocadinho...
Até já fiz um artiguito sobre isso... mas ainda não saiu publicado.
Tu colhes um ar de espanto? Sortudo! Eu sou tratado como indigno de ser humano. E desprezado pelos «benfeitores» domingueiros. Hoje recebi um e-mail que dizia isto: "Três dias antes do Natal, assistia calmamente ao Telejornal da RTP1 quando vi a grande notícia da noite: o presidente da EDP a levar dois saquinhos de papel com roupa usada e um brinquedinho (usado) para uns caixotes de cartão, cheios de coisas usadas para oferecer no Natal. Fiquei comovida. Que imagem de boa pessoa, que gesto bonito: pegar num fatinho usado do seu guarda-vestidos que deve ter uns 200 e num pequeno brinquedo de peluche, e depositar tudo no caixote de cartão para posteriormente ser redistribuído? À administração da empresa? Não, a notícia explica que é para oferecer aos pobrezinhos, que estão a aumentar com a crise. Primeiro, pensei que estava a dormir e um pesadelo me fizera voltar ao tempo de Salazar, à RTP a preto e branco ou à série da Rita Blanco «Conta-me como foi».
ResponderEliminarMas não, eu estava acordada e a ver o presidente da EDP no Telejornal da RTP 1 (podem ver o filme na net) posar sorridente para as câmaras, a levar um saquinho a um caixote, que não era de lixo, mas de oferta (...)."
Em primeiro lugar, o medronho não está esquecido heehhh, deixa só o ladrão fazer a ocasião.
ResponderEliminarO Presidente da EDP. A tal empresa que parece uma árvore de natal, pois sempre que há uma despesa qualquer a cobrir, penduram-na na nossa factura da energia: é a taxa de radiodifusão, é a eco-taxa, é a taxa a propósito das energias renováveis e por aí fora ad infinitum.
Tão ridiculamente cínica esta atitude do Sr Presidente. Um pouco como a ceia de natal do Bush - too stupid to be president- no Iraque, em que ele pousou para as câmaras da tv a fingir o gesto de trinchar o perú para a soldadesca. Apenas fingiu para as tv presentes, para o momento do take pois o peru era de plástico, - coisa vulgar nos adereços do cinema-, tão plástico quanto o gesto de largueza de alma deste nosso Edepista Presidente. A única diferença é a de que após o momento mediático, os soldados no Iraque comeram de facto uma ceia de peru que entretanto tinha sido previamente confeccionada para o efeito, enquanto que por cá duvido que alguma criança tenha ao menos tido o prazer de tirar os olhos ao peluche, como quem diz que não gosta de ter areia atirada sobre os ditos.
E eu a pensar que estavas com medronho...
ResponderEliminarBoa Orca!
ResponderEliminarAté se respira melhor só por saber que ainda há quem tenha o sotão ventilado e os neurónios a funcionar, além do talento de uma escrita impecável.
Já agora... uma "amiga" em comum teve a gentileza de me oferecer o "Auto das Danações"... Parabéns! Excepcional! Obrigada a ambos... ;)
Quanto ao resto... este 2011 promete...
Que bom ver-te por aqui, Libelita!
ResponderEliminarUma amiga (sem aspas) danada só poderia oferecer um auto das danações ;O)
Obrigado, Libélula, pelo comentário ao Auto.
ResponderEliminarQuanto ao mais, sobre o senhor presidente, de ursinho e fatiota à ilharga, é a treta do costume: passa-se o ano a criar pobres e, em vésperas de Natal, chega-se ao desplante de promover uma lavagem dos pés - literal e verídico! - aos sem-abrigo...
Quando o ridículo não tem fronteiras e é elevado ao desconchavo mediático a que assistimos, parece que o céu não é o limite. Nem a hipocrisia o tem.
Agora, o que eu acho supimpa é imaginar o sem-abrigo, de Armani, a pedir à porta de algum centro comercial. Ainda corre o risco de receber uma proposta de casamento de alguma Lili Caneças...
Lavagem dos pés?! Jura!...
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