Eis de novo Portugal no seu melhor: Aníbal Cavaco Silva, presidente de todos os mercados, abdica dos portugueses e institui, pelo seu inefável pensamento, uma troika interna para o que não está mandatado por ninguém, a começar pela própria Constituição da República.
Pelo caminho, deslastra os incómodos Bloco de Esquerda, PCP e mais algumas «minudências», contrariando, desde logo, a letra e o espírito da tal Constituição que jurou defender…
Se pensarmos na sugestão desastrada de Manuela Ferreira Leite, vai para uns tempinhos, aqui temos uma versão alargada e surreal de Cavaco no País das Maravilhas, com coelhos e homens com lata e tudo. Pelo caminho, este perplexo cidadão e eminente pagador de impostos que sou eu, pergunto-me:
E esta proposta será exequível? Tal esquema pode ser imposto aos três partidos que ele nomeia? E como? E o PS alinha? Então o senhor Seguro anda a dizer que só entra num esquema governamental mediante eleições e vem, agora, o senhor Cavaco dizer que antes pelo contrário…?
Estaremos, afinal, numa «democracia tutelada», ao contrário da respeitável opinião de Manuel Alegre, e o seu tutor é o senhor presidente? Então já temos duas tutelas: uma externa, que já se conhece, e uma outra interna, que o senhor presidente conhece e nós não?
E, afinal, o actual governo sempre cai? Já caiu? Os novos proto-ministros tomam posse ou nem por isso? E a «salvação nacional», que o senhor presidente deseja impor, vai constituir governo em cima do governo actual, ao lado do governo actual ou por baixo do governo actual?
E tudo se dissolve em Junho de 2014, porquê? Porque não em Setembro? Ou em Dezembro, tipo Natal com todos e dissolvidos…? Chega tão longe a capacidade premonitória do senhor presidente quanto à oportunidade política circunstancial?
E a chantagem canhestra que o senhor presidente está a ensaiar sobre o PS é legítima? Vejamos, os «outros» dois já são governo. O senhor presidente fala, chega o PS e diz: «- Não, a mim ninguém conta nada, não me passam cartuxo e, agora, querem que me alie com aqueles dois marados? Nem pensar!». E continua amuado.
Vai o PSD e retorque (para o povo, claro): «- Vêem, vêem, estes meninos é que não querem brincar connosco! Assim, por causa deles, quem se trama é o país. Mas a culpa é deles, que assinam tudo e não alinham em nada… Nós cá estamos, esforçados, a tratar-vos da saúde e da carteira». E a birra continua.
Aqui, o CDS do PP, com muita tranquilidade, depois de abrir várias lojas para venda dos tapetes que tirou dos pés de adversários e de companheiros de jornada, sorri e remete-se a um prudente e expectante silêncio. Guardado está o bocado para quem o há-de comer, lá diz o povo.
Mas o senhor presidente estará, ainda, lúcido? Sabe-se (ou presume saber-se) que ele não vai à bola com o Paulo Portas mas, que diabo, tudo tem limites e uma separação, mesmo litigiosa, não justifica tanta violência doméstica.
E, depois, a invocação delirante de uma personalidade de mistério que é capaz de ser consensual relativamente aos três partidos da assinatura da troika… Quem será? O D. Sebastião? O Embuçado? O Tino de Rans? O Tony Carreira? Não nos esclarece nem por um decreto, este senhor presidente. Mas o seu suspense esmaga! Pelo menos, até que algum inevitável arroto nos indicie que a digestão está feita e a vida segue o seu curso.
Esta croniqueta é escrita a quente, sem eu saber, ainda, qual o desenvolvimento assumido pelos partidos. Todos.
Portanto, é o que é: tão-só uma imensa perplexidade perante esta inesgotável capacidade do senhor presidente ser mais um dos que contribui de tantos e tão desvairados modos para a viscosidade do pântano.
Mas, outra vez que isto preocupa-me, o governo cai ou não cai? Cuidado, que os mercados andem aí…! Ou não.