fevereiro 20, 2015
Os portugueses são um povo em trânsito: da dignidade à indignidade.
Ouviu-se por cá, depois das declarações do 'homem dos esquentadores', que os portugueses nunca perderam a dignidade; que a troika nunca colocou em causa a dignidade dos portugueses, blá, blá.... Hoje, na sessão de debates do parlamento, isso voltou a ser reafirmado pelo chefe da coelheira. E o que é curioso, é que eu dou a razão ao homem roedor, vulgo, coelho. Mas eu explico.
Quando o cidadão que viu cortada a sua pensão vai à farmácia e só avia meia receita, dizendo que ainda tem em casa as mezinhas para as quais não tem dinheiro, não está a sentir-se ferido na sua dignidade por causa da Troika;
Quando o casal de cidadãos idosos tem de receber em sua casa de volta os filhos que casaram há 20 e tal anos, trazendo consigo cônjuges e netos, porque ficaram sem empregos e o subsídio acabou e, por causa disso, todos terão de se abrigar debaixo do mesmo teto sobrevivendo das parcas pensões, também não acham que a Troika está a ferir a sua dignidade;
Quando o casal com filhos pequenos tem de abandonar a casa que um dia em sonhos pensaram que seria sua, findo o prazo do empréstimo bancário, e agora têm de devolver ao banco ou a um oficial de execuções fiscais, isso também não faz com que a Troika tenha ferido a sua dignidade;
Quando os doentes, por causa da redução de investimento na área da saúde, ficam desumanamente expostos nos corredores dos hospitais à espera de uma cama e de cuidados e, entretanto, aproveitam para morrer só para 'chatearem' o ministro da saúde, isso também não foi perda de dignidade devida à Troika;
Quando a criança com necessidades de ensino especial não tem esse apoio nem sequer aulas por falta de profissionais que foram despedidos ou reduzidos por falta de verbas no ministério da educação, essa criança também não consegue dizer que a Troika lhe tirou a dignidade;
Quando a mãe solteira ou separada se suicida com os filhos nos braços porque perdeu tudo e nada mais lhe resta, essa então nem tem tempo para dizer que a Troika lhe retirou a dignidade;
Enfim, poderia desfiar um novelo de cidadãos, uns mais como eu e outros mais como os meus amigos que nunca acharam que a Troika os tornou indignos. E digo isto, porque, em verdade, não foi a Troika que nos feriu na nossa dignidade; foi o nosso governo que se encarregou disso, sem precisar da troika para nada.
Já agora, com que dignidade é que nós ficaríamos se deixássemos que fossem os de fora a ferir a nossa dignidade se temos cá dentro prata da casa que tão bem o sabe fazer? Haja dignidade!
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Alguns filósofos dizem que a angústia surge no momento que o homem percebe a sua condenação à liberdade, por isso se sente angustiado, porque sabe que é o senhor do seu destino. Acrescentaria, no entanto, sem querer provocar discordância aos filósofos, que angústia é também quando o homem percebe, de alguma forma, que está perdendo a sua dignidade (e quem sabe não seja, em conseqüência, o que nos leva a perder a liberdade?).
ResponderEliminarEnquanto o poder público, seja qual for o sistema de governo, não tratar com seriedade a questão da dignidade da “pessoa humana” (expressão aceita como correta, considerando que humanos são seres sencientes), da mesma forma não tratará com seriedade os direitos fundamentais e, acima de tudo, não levará a serio a própria humanidade.
Afinal, sem essa dignidade não poderíamos desfrutar das conquistas que fizemos – essas citadas por você - e depois perdidas. São nossos direitos fundamentais, que determinam, portanto, as condições da vida humana. Qualquer indivíduo, que se vê aviltado, sente-se objeto de violação, por parte, especialmente, daquele que deveria ser a maior e mais efetiva instância de proteção da dignidade da pessoa humana: o tal Poder.
Um acinte àqueles que compõem a força de trabalho, cultura e economia de um país.
Um abraço... de solidariedade, Antonino.
Tudo se move
ResponderEliminaraté o vento
Um texto digno sobre estes momentos indignos.
ResponderEliminarNa verdade, só sente a perda de dignidade quem é digno. O governo, não o sendo, não a sente. Tudo se conjuga, como se vê...
ResponderEliminarPor isso é que os discursos díspares por vezes suscitam disparos. É o desespero dos dignos a indignarem-se.
Na verdade, só sente a perda de dignidade quem é digno. O governo, não o sendo, não a sente. Tudo se conjuga, como se vê...
ResponderEliminarPor isso é que os discursos díspares por vezes suscitam disparos. É o desespero dos dignos a indignarem-se.