fevereiro 02, 2015

Querer é poder, mas é preciso saber.


Por diversas vezes que o poder instalado em Portugal vociferou à boca cheia que Portugal não é a Grécia. Todos sabemos isso, mesmo aqueles que não sofrem de geografite aguda. Aliás, não conheço nenhum português que tenha conseguido ir de férias à Grécia sem sair das nossas fronteiras. Portugal, realmente não é a Grécia, para o bem e para o mal. Neste caso sobre o qual agora discorro, não somos a Grécia, infelizmente.
Com uma semana de governo a Grécia já fez mexer mais na Europa do que todas as eleições que ocorreram entre 2009 e 2014. Reparem que, além das medidas para consumo interno, o governo helénico (essencialmente o primeiro ministro e o ministro das finanças) definiram uma operação de conquista conjunta que os vai levar longe.
Três dias depois de terem colocado o líder do Eurogrupo no seu devido lugar, avançaram com uma ronda de contactos que apanhou a maior parte dos governantes da Europa ainda na cama: a agenda previa começar por Chipre (razões de cordialidade e não só), a Itália e a França. Logo a seguir avançariam em bloco para o Reino Unido. Meus caros, isto chama-se agenda inteligente. Mas mais inteligente ainda foi a antecipação da ronda com Michel Sapin, o ministro das finanças francês, pelas repercussões que já teve nas notícias da manhã. Ora, Chipre, Itália, França e o Reino Unido são os chamados 'friendly fields', territórios não hostis às propostas da Grécia.De lado ficaram Portugal e Espanha, também países periféricos da Zona Euro, porque todos sabem que são mais papistas do que o Papa no que à austeridade diz respeito. Quando Tzipras escolheu este roteiro sabia o que fazia e no momento em que for defrontar o grande round com a Buldozer Merkel tem atrás de si um conjunto forte de países que não desgostam das suas propostas. A Grécia já não será só a Grécia; será mais do que ela própria porque a Alemanha e a UE não podem fazer orelhas moucas a razões de vários povos e economias de peso, como a italiana, a francesa e a inglesa.
Por outro lado, ouviu-se hoje Sapin admitir o, até há pouco tempo, inadmissível: a Troika é um aleijão que está mal configurado e que, sim, deve acabar por isso mesmo. Querem melhor eficácia política do que isto? O que Sapin fez foi reconhecer créditos e mérito a Varoufakis e às suas propostas de renovação dos paradigmas económico-financeiros recentes. E para nós fica a pergunta: então esse esterco chamado Troika, que tão mal fez nos lares portugueses, é um aborto que nunca deveria ter posto os pês nos países em crise? Cabeças devem rolar.
Dito de outros modos mais chãos, a Grécia está a querer para poder e tem a sorte de ter no leme homens que sabem.
Cá em Portugal, infelizmente, tudo isto é avaliado como uma" coisa de crianças" e o governo não pode, porque não quer e não quer, porque não sabe. Não sabe ser, não sabe querer e não sabe que existe o poder de mudança. Em menos de uma semana comecei a sentir vergonha do governo que tenho; até há dias ele merecia a minha discordância, mas a partir de agora merece o meu asco por causa da tacanhez e visão de cabresto que revela.
Adivinha-se mudança de governo em 2015. Mas também parece que não iremos longe, pois Costa já afirmou que o PS não quer ser o Syriza. Que pena, pois se quisesse, poderia e só restaria a dúvida se saberia. Mas como não quer, então não pode. Mas não pode porque não quer ou porque não sabe? Essa é a resposta que ele nunca dará e assim ficaremos no limite da Europa, de quatro, a baixar as calças para uma geraldina da Troika e de todas as instituições financeiras que de nós  queiram servir-se.

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. A questão do "tem poder, mas não quer" é como erva daninha. Mesmo que se vislumbrem mudanças no governo - lá e cá - as agruras do povo são semelhantes.
    Numa perfunctória análise do texto acima, arriscar-me-ia a afirmar que é o mesmo cenário do Brasil, demonstrando quão difícil é a relação Verdade e Política, parecendo que há um senso comum de que Política, Poder e Verdade se irritam mutuamente, mas acabam fazendo as pazes, porque sempre está em jogo o interesse deles, não o do povo, que acaba ficando meditabundo acerca de quais valores, afinal, se fundamenta o Estado.

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  3. Antonino, tu estás com um bisturi bem afiadinho, rapaz. Boa malha!
    Quando me mandas uma foto e um pequeno texto teu ali para o menu lateral?

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  4. A Troika é a personificação perfeita da lendária figura do monstro de Knossos.
    Tal como na lenda, o monstro consumia os melhores recursos de Atenas.
    Esta Europa mais parece o labirinto onde o Minotauro devora numa fome infinita tudo o exige, exigindo, numa fome insaciável, sempre mais.
    Diz a lenda que depois Dédalo e o seu filho Ícaro fugiram do labirinto com umas asas feitas com as coisas que tinham a mão: penas e cera de abelha.
    Voaram para longe da armadilha salvando os destinos.
    Contudo, Îcaro, fascinado pela súbita capacidade de voar, deslumbrou-se e foi em direcção ao sol acabando por despenhar-se no mar devido ao derretimento da cera...
    Talvez seja esse o nosso destino, sair do labirinto de Creta pelas nossas próprias asas ficando a chorar o filho perdido no mar da Europa para toda a vida...
    Assim é que não podemos continuar....

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