A Laura escreveu dois textos (este e este) nos seus Jardins sobre o livro «Um mundo sem regras» de Amin Maalouf.
Deixo-vos aqui a leitura dela:
Para começar apresento-vos o seu autor: Amin Maalouf, nascido no Líbano em 1949, vive em Paris desde 1976. Repórter durante 12 anos, realizou missões em mais de 60 países. Antigo chefe de redacção do "Jeune Afrique", onde também foi editorialista. É autor de várias obras, entre elas a premiada «As Cruzadas vistas pelos Árabes» (Prix des Maisons de la Presse). Actualmente consagra a maior parte do seu tempo à pesquisa para os seus livros.
A certa altura deste livro, às páginas 180 ele diz o seguinte:
"«Valores» é uma palavra aviltada e versátil. Navega com facilidade entre o pecuniário e o espiritual e, no domínio das crenças, pode ser sinónimo de avanço ou de conformismo, de libertação moral ou de submissão. Devo também explicitar o sentido em que a utilizo e as convicções que ligo a ela. Não para reunir quem que seja ao meu estandarte - não possuo nenhum, mantenho-me a boa distância dos partidos, das facções, das capelas, nada é mais precioso aos meus olhos do que a independência de espírito, mas parece-me honesto, desde o momento em que se expõe a visão das coisas, dizer sem rodeios aquilo em que se acredita e a que se gostaria de chegar.
Do meu ponto de vista, sair 'por cima' do desregramento que afecta o mundo exige a adopção de uma escala de valores baseada no primado da cultura, direi mesmo baseado na salvação pela cultura.
Atribui-se geralmente a André Malraux uma frase que provavelmente ele nunca pronunciou, segundo a qual o século XXI 'será religioso ou não existirá'. Suponho que as últimas palavras, 'ou não existirá', significam que não poderemos orientar-nos no labirinto da vida moderna sem uma bússola espiritual.
Este século ainda é jovem, mas já se sabe que os homens poderão perder-se com a religião, como poderão perder-se sem ela.
Que se pode perder com a ausência do religioso, a sociedade soviética demonstrou-o amplamente. mas também se pode sofrer com a sua presença abusiva - já o sabíamos desde o tempo de Cícero, de Averróis, de Espinosa, de Voltaire - e, se o havíamos esquecido durante dois séculos, por causa dos excessos da Revolução Francesa, da Revolução Russa, do nazismo e de algumas outras tiranias laicas, muitos acontecimentos vieram recordar-nos disso desde então. Para nos levar, espero, a uma apreciação mais justa do lugar que a religião deveria ocupar nas nossas vidas.
Estaria tentado a dizer a mesma coisa do 'bezerro de ouro'. Vituperar contra a riqueza material, culpabilizar aqueles que se esforçam por aumentá-la, é uma atitude estéril que serviu constantemente de pretexto às piores demagogias. Mas fazer do dinheiro o critério de toda a respeitabilidade, a base de todo o poder, de toda a hierarquia, acaba por esfarrapar o tecido social."
Prossigo a minha análise destacando dele alguns trechos que, como este, ora dão pistas sobre 'caminhos' a seguir, ora me permitiram redescobrir pedaços da história humana recente e rever outros cuja exacta dimensão e consequências até aqui ignorava! Assim:
"(...) populações com múltiplas origens, que vivem lado a lado em todos os países, em todas as cidades, vão continuar a olhar-se entre si através de prismas deformantes – algumas ideias feitas, alguns preconceitos ancestrais, algumas fantasias simplistas? Parece-me que chegou o momento de modificar os nossos hábitos e as nossas prioridades para nos colocarmos seriamente à escuta do mundo onde estamos embarcados. Porque neste século já não há estrangeiros, já só há 'companheiros de viagem'. Quer os nossos contemporâneos habitem do outro lado da rua ou no outro lado da terra, estão a dois passos da nossa casa. Os nossos comportamentos têm efeito na sua carne, e os seus comportamentos têm efeito na nossa.
Se pretendemos preservar a paz civil nos nossos países, nas nossas cidades, nos nossos bairros e no conjunto do planeta, se desejamos que a diversidade humana se traduza por uma coexistência harmoniosa e não por tensões geradoras de violência, já não podemos permitir-nos conhecer 'os outros' de maneira aproximativa, superficial, grosseira. Temos necessidade de conhecê-los com subtileza, de perto, direi mesmo na sua intimidade. O que só pode fazer-se através da sua cultura. E em primeiro lugar através da sua literatura. É aí que ele revela as sua paixões, as suas aspirações, os seus sonhos, as suas frustrações, as suas crenças, a sua visão do mundo que o rodeia, a sua percepção de si mesmo e dos outros, inclusive de nós próprios. Porque ao falar dos 'outros' convém nunca perder de vista que nós próprios, quem quer que sejamos, onde quer que estejamos, somos também 'os outros' para todos os outros.
É claro que nenhum de nós tem a possibilidade de conhecer tudo o que gostaria ou deveria conhecer desses 'outros'. Há tantos povos, tantas culturas, tantas línguas, tantas tradições pictóricas, musicais, coreográficas, teatrais, artesanais, culinárias, etc. Mas se encorajássemos qualquer pessoa a apaixonar-se desde a infância e ao longo da vida por uma cultura diferente da sua, por uma língua livremente adoptada em função das suas afinidades pessoais – e se ela estudasse ainda mais intensamente do que o indispensável a língua inglesa – daí resultaria uma tessitura cultural densa que abrangeria todo o planeta, reconfortando as identidades temerosas, atenuando os ódios, reforçando pouco a pouco a crença na unidade da aventura humana e tornando possível, por esse facto, um sobressalto salutar.
Não vejo objectivo mais crucial neste século e é claro que, para termos os meios para o alcançar, devemos atribuir à cultura e ao ensino o lugar prioritário que lhe cabe.
Talvez tenhamos começado a sair, nos Estados Unidos e fora, de uma era sinistra onde era de bom tom cuspir na cultura e fazer da incultura um testemunho de autenticidade. Uma atitude populista que, paradoxalmente, se junta à do elitismo, na medida em que, tanto num caso como no outro, se aceita implicitamente a ideia segundo a qual a 'população' teria capacidades limitadas, que não conviria pedir-lhe demasiados esforços intelectuais, que bastaria fornecer-lhes caddies bem carregados, alguns slogans simplistas e diversões fáceis, para que fique piedosa, tranquila e reconhecida. E que a cultura deve ser o apanágio de uma ínfima minoria de iniciados.
Trata-se aqui de uma concepção desdenhosa e perigosa para a democracia. Porque não podemos ser totalmente cidadãos ou eleitores responsáveis se nos deixarmos manipular passivamente pelos propagandistas, se nos deixarmos inflamar ou acalmar segundo a vontade dos governantes, se nos deixarmos arrastar docilmente para aventuras guerreiras. Para poder decidir com conhecimento de causa, sobretudo nos países cujas orientações determinam em grande medida a sorte do planeta, um cidadão tem necessidade de conhecer em profundidade e com subtileza o mundo que o rodeia. Acomodar-se à ignorância é renegar a democracia, é reduzi-la a um simulacro.
Por todas estas razões e algumas outras, estou convencido de que a nossa escala de valores só pode basear-se hoje no primado da cultura e do ensino. E que o século XXI, para retomar a frase já citada, será salvo pela cultura ou então soçobrará.
(...) O combate para 'manter o mundo' será árduo, mas o 'dilúvio' não é uma fatalidade. O futuro não está escrito de antemão, é a nós que compete escrevê-lo, concebê-lo, construí-lo – com audácia, porque é preciso ousar romper com hábitos seculares; com generosidade, porque é preciso unir, tranquilizar, ouvir, incluir, partilhar; e, acima de tudo, com sensatez. É a tarefa que incumbe aos nossos contemporâneos, homens e mulheres de todas as origens, e eles não têm outra alternativa senão assumi-lo.
Quando um país está mergulhado no marasmo, pode sempre tentar-se emigrar; quando o planeta está ameaçado, não existe a opção de ir viver algures. Se não queremos resignarmo-nos à regressão, tanto para nós próprios como para as gerações vindouras, devemos tentar inflectir o rumo das coisas."
A ideia de que a resposta está na cultura e no ensino/educação dos povos parece-me não só justa como ao alcance de todos nós! E a primeira imagem que me veio à ideia foi a de trabalhos realizados pelos alunos da E.I.G. (Escola Internacional de Genebra, aquela que situada perto da O.N.U.) onde trabalhei durante algum tempo ainda recentemente, cujo tema se debruçava nas múltiplas e diferentes nacionalidades presentes na própria escola, realçando as características específicas a cada uma, como a sua língua, as suas tradições, etc., promovendo a troca de informação e de ideias, transformando assim aquilo que as distingue numa riqueza que mais não quer que ser partilhada, num património comum a toda a humanidade! Sim, porque aquilo que nos distingue não tem forçosamente que nos separar... antes nos deveria unir no respeito pelo direito à diferença! E vocês, o que acham?
janeiro 31, 2011
Viva o MFD!
Do MFA (Movimento das Forças Armadas) já praticamente nada sobra.
Proponho que criemos o MFD - Movimento das Forças Desarmadas.
Começaríamos por delinear os conteúdos programáticos no MeFoDe - Memorando das Forças Desarmadas.
Que tal?
Proponho que criemos o MFD - Movimento das Forças Desarmadas.
Começaríamos por delinear os conteúdos programáticos no MeFoDe - Memorando das Forças Desarmadas.
Que tal?
janeiro 29, 2011
In(Dependência)
Há muitas luas atrás, li, numa revista de fim de semana, daquelas que servem para vender mais jornais, uma entrevista com a Mafalda Arnauth. A páginas tantas (adoro esta expressão), sai-se a cachopa com uma que me deixou a pensar. Dizia ela "A independência pode ser uma coisa perigosa. É bom depender, no sentido de confiar no outro".
Olhem, não podia concordar mais com a mocinha, que ainda por cima é gira e canta bem (nunca gostei tanto de ouvir cantar Fausto Bordalo Dias noutra voz, como gostei de o ouvir na dela).
Espanto-me sempre ao constatar que a minha geração é uma geração de Tribalistas, do género "Eu sou de ninguém, / eu sou de todo mundo e todo mundo é meu também". Tipo orgia colectiva de afectos, em que ninguém se prende porque tem medo de se perder. Em que ninguém se diz de ninguém, não vá o outro mudar de ideias e enveredar por outra via, ferindo-nos o orgulho e o futuro que se construiu comum, nem que tenha sido apenas na imaginação de um; assim, pelo sim, pelo não, somos todos de toda a gente, não pertencemos a ninguém. Escusa de se saber que se sonhou. Ou que nunca se quis sonhar, há sempre a outra face da moeda!
Já ninguém diz "sou tua" com a voz embargada de lágrimas, com os olhos marejados de certezas e o peito a arder, num fulgor que pode ser eterno ou efémero, pouco importa. Importa aquele momento, o que se quer ali e agora, a vontade de se ser de outro. Sem medo, porque quem confia desconhece o terror da traição, da cobardia, da inconstância, do sofrimento, do desinteresse.
Diz-se "odeio o sentimento de posse", como quem invoca o santo nome da liberdade em vão, numa atitude impensada que me soa a libertinagem.
Gosto de ser DE. Dos meus alunos a professora, dos meus amigos a melhor amiga (desculpem-me a arrogância), da minha cadela a dona, da minha mãe a filha, do meu irmão a "mana" (sim, tenho um metro e oitenta e cinco de profissional de sucesso a chamar-me nestes termos e eu adoro!), do meu carro a devedora (só por mais um mês!), dos meus avós a neta. Sou DE. Deles todos. Sem medo algum.
Porque no dia em que eu tiver medo de ser DE, não sou. De ninguém. E jamais teria a ousadia de almejar que o mundo fosse meu, se eu não me desse ao mundo. Ou aos meus mundos particulares. DE quem sou. Sem medos.
Olhem, não podia concordar mais com a mocinha, que ainda por cima é gira e canta bem (nunca gostei tanto de ouvir cantar Fausto Bordalo Dias noutra voz, como gostei de o ouvir na dela).
Espanto-me sempre ao constatar que a minha geração é uma geração de Tribalistas, do género "Eu sou de ninguém, / eu sou de todo mundo e todo mundo é meu também". Tipo orgia colectiva de afectos, em que ninguém se prende porque tem medo de se perder. Em que ninguém se diz de ninguém, não vá o outro mudar de ideias e enveredar por outra via, ferindo-nos o orgulho e o futuro que se construiu comum, nem que tenha sido apenas na imaginação de um; assim, pelo sim, pelo não, somos todos de toda a gente, não pertencemos a ninguém. Escusa de se saber que se sonhou. Ou que nunca se quis sonhar, há sempre a outra face da moeda!
Já ninguém diz "sou tua" com a voz embargada de lágrimas, com os olhos marejados de certezas e o peito a arder, num fulgor que pode ser eterno ou efémero, pouco importa. Importa aquele momento, o que se quer ali e agora, a vontade de se ser de outro. Sem medo, porque quem confia desconhece o terror da traição, da cobardia, da inconstância, do sofrimento, do desinteresse.
Diz-se "odeio o sentimento de posse", como quem invoca o santo nome da liberdade em vão, numa atitude impensada que me soa a libertinagem.
Gosto de ser DE. Dos meus alunos a professora, dos meus amigos a melhor amiga (desculpem-me a arrogância), da minha cadela a dona, da minha mãe a filha, do meu irmão a "mana" (sim, tenho um metro e oitenta e cinco de profissional de sucesso a chamar-me nestes termos e eu adoro!), do meu carro a devedora (só por mais um mês!), dos meus avós a neta. Sou DE. Deles todos. Sem medo algum.
Porque no dia em que eu tiver medo de ser DE, não sou. De ninguém. E jamais teria a ousadia de almejar que o mundo fosse meu, se eu não me desse ao mundo. Ou aos meus mundos particulares. DE quem sou. Sem medos.
A propósito das in(dependências)...
janeiro 28, 2011
O Afrodisíaco dinheiro e as castrações bolsistas
No mesmo instante em que os homens inventaram a abstracção do dinheiro, criaram também a projecção do seu poder fálico consubstanciado através do mecanismo da sublimação que consiste na posse substantiva e real desse meio.
Não existe outra forma de poder efectivo que não seja expresso através da detenção quantitativa deste mecanismo que pretendia ser apenas, na sua génese, um instrumento facilitador das trocas de bens e serviços, e não que se tornasse ela própria uma mercadoria.
O dinheiro, a sua posse, transpõe para o possuidor duas sensações opostas. A primeira é a afrodisíaca sensação de plenipotência. No entanto, o seu poder esgota-se no mesmo instante em que ele cumpre a função para a qual foi criado, e o desconforto deixado pela sua escassez, qual ressaca, é a segunda e remanescente.
Temos aqui, neste binómio, bem expressa a própria função do Falo: potente enquanto erecto, esgotando o seu poder no instante da troca. O dinheiro é sem dúvida de sexo masculino.
Ser poderoso é ser de algum modo possuidor de um estado que psicologicamente situamos num patamar de erecção inesgotável, e essa capacidade representa-se pela detenção de muito dinheiro: podendo dispender largas quantias, o seu poder, aparentemente, não se esgota. A sensação transmitida a quem não o possui é sempre de impotência, pois aceitamos subconscientemente de forma individual e depois para toda a sociedade, a transposição entre valores. E, de facto, não possuir dinheiro num ambiente em que tudo é representado por ele, é sinónimo de impotência real.
E é por aqui que se desenvolvem as aberrações que desembocam em crises.
Sempre houve crises, é um facto. Mas as crises que conhecemos na História tiveram sempre a ver com escassez de recursos e a luta pela posse dos mesmos, no fundo, a luta pela sobrevivência, transposta embora depois para regulação administrativa como forma de controlar as produções e prever carências futuras.
Esta crise que vivemos é porém de uma matriz moderna e decalcada de outras semelhantes, relativamente recentes e que consistem na habilidade de conquistar poder inventando dinheiro. Sabemos que inventar dinheiro gera inflação, pois os bens produzidos (que é aquilo que o dinheiro representa) não tem correspondência real. O dinheiro assim criado perde valor e o aumento da sua posse não cria mais poder, pois os bens que representa em ambiente de troca são exactamente os mesmos. Habilmente, criam-se então bens fictícios e com a mesma habilidade fazem-se entrar no mercado de trocas essas virtualidades. O fim deste ciclo acaba como o azeite misturado na água: alguém um dia quer ver a saia preta e azul bordada com o ouro que forneceu.
A parte dramática destas crises, uma vez descobertas as fraudes, é a de que os grandes detentores de dinheiro obtido desta forma não querem perder o poder que a sua posse representa. Essa perda de poder seria automática, pois não havendo de facto bens representativos, o seu dinheiro perderia de imediato grande parte do valor através do disparo inflacionário. E é para evitar isso que a todo o custo se retira dinheiro da circulação. Provocando a sua escassez, com todos os dramas que isso arrasta para toda a sociedade, mantém o seu poder relativo. Os meios utilizados são os mesmos onde esses donos do mundo transaccionaram os fios invisíveis num fato não existente: as Bolsas.
Neste ambiente de crise, artificial como se vê, pois nunca houve tanta abundância de produção na História Humana, seria importante que alguém com poder, Fálico de facto e com eles no lugar, acabasse com essas instituições que passaram de sítios onde as sociedades apostavam na sua criatividade e produção, a antros de hienas depredadoras.
Charlie
Não existe outra forma de poder efectivo que não seja expresso através da detenção quantitativa deste mecanismo que pretendia ser apenas, na sua génese, um instrumento facilitador das trocas de bens e serviços, e não que se tornasse ela própria uma mercadoria.
O dinheiro, a sua posse, transpõe para o possuidor duas sensações opostas. A primeira é a afrodisíaca sensação de plenipotência. No entanto, o seu poder esgota-se no mesmo instante em que ele cumpre a função para a qual foi criado, e o desconforto deixado pela sua escassez, qual ressaca, é a segunda e remanescente.
Temos aqui, neste binómio, bem expressa a própria função do Falo: potente enquanto erecto, esgotando o seu poder no instante da troca. O dinheiro é sem dúvida de sexo masculino.
Ser poderoso é ser de algum modo possuidor de um estado que psicologicamente situamos num patamar de erecção inesgotável, e essa capacidade representa-se pela detenção de muito dinheiro: podendo dispender largas quantias, o seu poder, aparentemente, não se esgota. A sensação transmitida a quem não o possui é sempre de impotência, pois aceitamos subconscientemente de forma individual e depois para toda a sociedade, a transposição entre valores. E, de facto, não possuir dinheiro num ambiente em que tudo é representado por ele, é sinónimo de impotência real.
E é por aqui que se desenvolvem as aberrações que desembocam em crises.
Sempre houve crises, é um facto. Mas as crises que conhecemos na História tiveram sempre a ver com escassez de recursos e a luta pela posse dos mesmos, no fundo, a luta pela sobrevivência, transposta embora depois para regulação administrativa como forma de controlar as produções e prever carências futuras.
Esta crise que vivemos é porém de uma matriz moderna e decalcada de outras semelhantes, relativamente recentes e que consistem na habilidade de conquistar poder inventando dinheiro. Sabemos que inventar dinheiro gera inflação, pois os bens produzidos (que é aquilo que o dinheiro representa) não tem correspondência real. O dinheiro assim criado perde valor e o aumento da sua posse não cria mais poder, pois os bens que representa em ambiente de troca são exactamente os mesmos. Habilmente, criam-se então bens fictícios e com a mesma habilidade fazem-se entrar no mercado de trocas essas virtualidades. O fim deste ciclo acaba como o azeite misturado na água: alguém um dia quer ver a saia preta e azul bordada com o ouro que forneceu.
A parte dramática destas crises, uma vez descobertas as fraudes, é a de que os grandes detentores de dinheiro obtido desta forma não querem perder o poder que a sua posse representa. Essa perda de poder seria automática, pois não havendo de facto bens representativos, o seu dinheiro perderia de imediato grande parte do valor através do disparo inflacionário. E é para evitar isso que a todo o custo se retira dinheiro da circulação. Provocando a sua escassez, com todos os dramas que isso arrasta para toda a sociedade, mantém o seu poder relativo. Os meios utilizados são os mesmos onde esses donos do mundo transaccionaram os fios invisíveis num fato não existente: as Bolsas.
Neste ambiente de crise, artificial como se vê, pois nunca houve tanta abundância de produção na História Humana, seria importante que alguém com poder, Fálico de facto e com eles no lugar, acabasse com essas instituições que passaram de sítios onde as sociedades apostavam na sua criatividade e produção, a antros de hienas depredadoras.
Charlie
janeiro 26, 2011
opiniões imorais, discurso sarnento...
Ontem, dia 25 de Janeiro, ouvi o ex-ministro Morais Sarmento, num frente-a-frente com Francisco Assis, na SIC Notícias, e a propósito da eventual racionalização de Juntas de Freguesia na cidade de Lisboa – onde existem nada menos do que 53… - lavrar a sentença, do alto da sua pequenez, de que as tais organismos de proximidade seriam, em última análise, para acabar, a médio prazo, em todo o território nacional.
Assim, sem mais. Morais Sarmento expende tal aleivosia ao mundo com o mesmo à vontade com que um psicopata proporia o abate sumário de todos os Morais Sarmentos porventura existentes à face da Terra… isto se admitirmos que a Terra tenha capacidade de absorção de mais do que uma unidade de tal quilate.
Podemos admitir que tal se fique a dever, ainda, a algum excesso de adrenalina mal contido que lhe sobre da recente vitória de Aníbal Cavaco Silva nas presidenciais, mas não mais do que isso. Que mal lhe terão feito as pobres das Juntas de Freguesia, ao senhor ex-ministro ora comentador?
Talvez por delas emanarem as pouquíssimas vozes dissonantes do concerto partidário e perverso que nos cerca – atitude essa que decorre da mesma proximidade às populações. Talvez por aí ainda se centralizarem e colherem apoio as muitas manifestações culturais de que o País que somos tanto carece, circunstância que muito incomoda os que pugnam pelo obscurantismo massificado. Talvez por alguma inveja mal resolvida. Talvez por pura precipitação no diálogo eufórico de suposto vencedor por interposta pessoa. Talvez…
Aproveitando uma reflexão que aponta para uma racionalização, porventura lógica, porventura necessária, porventura exequível, porventura útil, mas centralizada na cidade de Lisboa, Morais Sarmento voa, qual andorinha migrante, para o desconchavo pandémico de… acabar com todas e em todo o território nacional!
E uma outra vez, perante a passividade argumentativa de um Assis esmagado ao peso de uma patética derrota eleitoral, que nem o deixou reagir a tal dislate, o ex-ministro ora comentador esgrime uns quantos milhões de euros de alegado desperdício, logo seguidos das estocadas canhestras do exemplo da Europa, essa entidade mítica que, na boca destes Vasconcelos de pacotilha, é sempre exemplar para o que lhes convém mas nunca vem à colação quando se comparam vencimentos, qualidade nas regalias sociais, ou mera higiene urbana, para só citar três minudências que me ocorrem, assim de repente.
Refere o senhor ex-cavacal ministro, então, que não é admissível a existência de quatro patamares de distância entre o cidadão e o poder – como se os seus apaniguados não venham auferindo fartas prebendas por tanto patamar –, e não lhe ocorre nada mais fulgurante do que eliminar de forma sumária exactamente aquele dos patamares que assegura – enfim, apesar de tantas limitações –, a tal proximidade de que o povo carece como de pão para a boca.
Mal por mal e face ao desempenho descabelado da desgovernação de que também Morais Sarmento foi actor de primeira linha, talvez não lhe ficasse mal, tendo em vista a sacrossanta diminuição de custos e de encargos, propor a eliminação dos governos, substituindo-os por uma confederação de Municípios… gerida por contratação de gestores no mercado mundial.
janeiro 24, 2011
Contas são contas! Abstenção à presidência!
O Brasil tem a Dilma. Nós temos a Abstenção, que ganhou com 53,37% dos eleitores a optar por ela. O Cavaco só teve votos de 52,94% dos votantes (números do «Público»), ou seja, menos de 1/4 (23,6%) da população que podia votar. Em números, que é mais fácil de entender:
Gráfico do jornal «Público» - eu só lá pus o macaquinho. E nem é preciso dizer-lhe "está quieto, macaquinho".
Portugueses que podiam votar - 8,4 milhões (100%)
Abstiveram-se de votar - 4,9 milhões (53%)
Votaram em Cavaco Silva - 2,2 milhões (24%)
Nobre Povo, Nação temente, pobres mortais....
Podia o Povo ter dado, ao voto, o sentido supremo da Nobreza.
Algo que fosse Defensor dos valores que a História, ela própria qual Deusa, tivesse Alegremente assente no barro do qual se faz o Povo.
Mas não...
Mais uma vez se adiou o sonho.
Chego a pensar se terá sido por engano ou avaria que o Ovni do 25 do A teria poisado neste canto do mundo, ou se apenas teria sido um instante de devaneio, um salto tão fulgurante quanto efémero de Coelho a escorregar para a ilusão do refúgio seguro que na verdade é o estômago do lobo: "aquiLO, PESe embora julgares ser uma toca, é a boca que te come..."
Assim, perante Nulos e Brancos que somam mais de 6% e dariam segunda volta, vence o Bolo Rei, esse onde eu jamais votaria, (nem votei) por mais sugestivo que tivesse sido o trabalho dos opinion makers ao transformar o seu mais que vetusto bolor discursivo em amena Cavaqueira
Charlie
Algo que fosse Defensor dos valores que a História, ela própria qual Deusa, tivesse Alegremente assente no barro do qual se faz o Povo.
Mas não...
Mais uma vez se adiou o sonho.
Chego a pensar se terá sido por engano ou avaria que o Ovni do 25 do A teria poisado neste canto do mundo, ou se apenas teria sido um instante de devaneio, um salto tão fulgurante quanto efémero de Coelho a escorregar para a ilusão do refúgio seguro que na verdade é o estômago do lobo: "aquiLO, PESe embora julgares ser uma toca, é a boca que te come..."
Assim, perante Nulos e Brancos que somam mais de 6% e dariam segunda volta, vence o Bolo Rei, esse onde eu jamais votaria, (nem votei) por mais sugestivo que tivesse sido o trabalho dos opinion makers ao transformar o seu mais que vetusto bolor discursivo em amena Cavaqueira
Charlie
janeiro 23, 2011
Crónica de uma votação atribulada ou do estado de um país a que não devíamos ser obrigados a ter direito
Mais cedo do que tarde, lá fui hoje exercer a minha cidadania. Presente na minha mesa de voto «tradicional», sou confrontado com duas novidades, a saber:
- o facto de ser detentor de um novo cartão de cidadão alterou o meu número de eleitor;
- as mesas de voto não dispõem de meios para apurar qual o novo número atribuído.
Perante a minha estupefacção, solícitos, os meus concidadãos presentes na mesa, informam-me de que disponho de um número para onde posso enviar um sms, informando do número de cartão de cidadão e data de nascimento, o que fiz de imediato.
Supostamente receberia indicação do actual número de eleitor – que julgava eu já constar do cartão de cidadão, o tal que não consegue ser lido em lado nenhum... – e, de posse desse precioso elemento, os membros obsequiosos da mesa dir-me-iam para que mesa da mesma freguesia eu teria sido remetido.
Se aguardasse pela resposta da mensagem, ainda agora, passadas que foram duas horas, estaríamos a olhar uns para os outros, à espera de melhores dias.
Então, apurei que havia, também, três números de telemóvel 91, 96 e 93, para os quais poderia ligar... No entanto, os dois primeiros estavam indisponíveis e apenas no terceiro pude apurar o novo número de eleitor, preciosa informação da qual tomei nota num guardanapo do café, não vá esquecer-me nas próximas eleições... e esperando, também, não perder o guardanapo, agora não menos precioso.
Pronto, agora já votei. Mas poderemos imaginar o efeito desta circunstância aí pelo país fora?
Para além do efeito fácil de passarmos a vida a dizer mal de tudo e de todos, alguém consegue explicar-me porque cargas de água é que eu sou detentor de um extraordinário cartão de cidadão, muito mais caro e de muito menor período de validade que o anterior bilhete de identidade, que não serve para nada nem para ninguém, sendo até preenchido com caracteres tão minúsculos que, sem as respectivas cangalhas, ninguém com mais de 35 anos consegue ler?
Bem dizia o poeta, ai os ais deste país...
.............................
E agora, que já são 21h30 e temos Aníbal Cavaco Silva como Presidente da República, gostaria de congratular José Sócrates pelo excelente resultado eleitoral, que tanto o beneficia e ao seu projecto político.
Depois, o bom povo português queixa-se, o pobre.
Depois, o bom povo português queixa-se, o pobre.
Carta de trás da Serra - Viva o CORTEX!
Olá!
Olha que as coisas por aí estão bem complicadas... e nós por cá é que nos tramamos.
A ti'Marquinhas que, como sabes, sabe tudo, disse-me que ouviu dizer que o Estado não sabe o que tem nem onde gasta. Que o João Cantiga Esteves (revista Visão de 27/5/2010) contou 13.740 entidades (das quais mais de 600 fundações) que recebem dinheiro do Estado, de forma regular. "São camadas em cima de camadas, instituto atrás de instituto, muitos deles para tratar de assuntos semelhantes". "O Estado não consegue entrar no concreto, a nível do local, do projecto, da entidade". Há "Estado em cima de Estado". "O próprio Estado arranjou mecanismos para contornar as leis em vigor, dos quais são exemplos as fundações, os institutos públicos, as empresas municipais,..." Procura-se "contrariar a lei que se aplica ao financiamento autárquico, como a dos limites de endividamento ou a dos limites de cargos e mordomias". As autarquias também "fogem às regras e violam boas práticas da administração pública", com "a duplicação de encargos, de administrações e de direcções". "A Fundação para a Prevenção e Segurança, a Fundação para as Comunicações.... O que é isso? Qual é o objecto social, a missão, o património?". "No meio disto tudo, ainda somos bombardeados com notícias de ajustes directos, sem concurso público...". "Há um Estado clássico (ministérios, direcções-gerais, etc.) e depois temos institutos públicos, fundações, associações...". Os funcionários, conselhos de administração, etc. destas empresas e institutos não entram na contabilidade da administração pública".
E que achas tu das consultorias técnicas no exterior, gabinetes, assessores, adjuntos...?
"Houve um programa (PRACE – Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado) que "foi uma tentativa interessante, mas ficou aquém dos objectivos. Na hora da verdade, os agentes políticos bloqueiam". O Estado social promete aos cidadãos um conjunto de benefícios sociais sem sustentabilidade.
O ping-pong entre partidos alternadamente no poder dá no que se vê.
Por tudo isto, peço-te que me mandes uma lista com as 13.740 entidades que recebem dinheiro do Estado, se não for muito incómodo para ti, para eu dar uma vista de olhos. E, como me parece que o SIMPLEX tem tido algum sucesso, proponho que se crie o programa CORTEX - acrónimo de Contribuintes Reunidos Todos Em Êxtase.
E não se poderia, entretanto, seguir a sugestão de "interrupção na democracia" da Manuela Ferreira Leite? Pensa nisso, que eu entretanto vou ter que ir a casa do Quatro Papos-secos ver como está a recuperar do braço desde que caíu da cerejeira. E tentar convencê-lo a não cortar a árvore, que estava quietinha e não tem culpa nenhuma.
Quando deixas essa vida e regressas à nossa terra?
Recebe um abraço do
Paulo Moura
Olha que as coisas por aí estão bem complicadas... e nós por cá é que nos tramamos.
A ti'Marquinhas que, como sabes, sabe tudo, disse-me que ouviu dizer que o Estado não sabe o que tem nem onde gasta. Que o João Cantiga Esteves (revista Visão de 27/5/2010) contou 13.740 entidades (das quais mais de 600 fundações) que recebem dinheiro do Estado, de forma regular. "São camadas em cima de camadas, instituto atrás de instituto, muitos deles para tratar de assuntos semelhantes". "O Estado não consegue entrar no concreto, a nível do local, do projecto, da entidade". Há "Estado em cima de Estado". "O próprio Estado arranjou mecanismos para contornar as leis em vigor, dos quais são exemplos as fundações, os institutos públicos, as empresas municipais,..." Procura-se "contrariar a lei que se aplica ao financiamento autárquico, como a dos limites de endividamento ou a dos limites de cargos e mordomias". As autarquias também "fogem às regras e violam boas práticas da administração pública", com "a duplicação de encargos, de administrações e de direcções". "A Fundação para a Prevenção e Segurança, a Fundação para as Comunicações.... O que é isso? Qual é o objecto social, a missão, o património?". "No meio disto tudo, ainda somos bombardeados com notícias de ajustes directos, sem concurso público...". "Há um Estado clássico (ministérios, direcções-gerais, etc.) e depois temos institutos públicos, fundações, associações...". Os funcionários, conselhos de administração, etc. destas empresas e institutos não entram na contabilidade da administração pública".
E que achas tu das consultorias técnicas no exterior, gabinetes, assessores, adjuntos...?
"Houve um programa (PRACE – Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado) que "foi uma tentativa interessante, mas ficou aquém dos objectivos. Na hora da verdade, os agentes políticos bloqueiam". O Estado social promete aos cidadãos um conjunto de benefícios sociais sem sustentabilidade.
O ping-pong entre partidos alternadamente no poder dá no que se vê.
Por tudo isto, peço-te que me mandes uma lista com as 13.740 entidades que recebem dinheiro do Estado, se não for muito incómodo para ti, para eu dar uma vista de olhos. E, como me parece que o SIMPLEX tem tido algum sucesso, proponho que se crie o programa CORTEX - acrónimo de Contribuintes Reunidos Todos Em Êxtase.
E não se poderia, entretanto, seguir a sugestão de "interrupção na democracia" da Manuela Ferreira Leite? Pensa nisso, que eu entretanto vou ter que ir a casa do Quatro Papos-secos ver como está a recuperar do braço desde que caíu da cerejeira. E tentar convencê-lo a não cortar a árvore, que estava quietinha e não tem culpa nenhuma.
Quando deixas essa vida e regressas à nossa terra?
Recebe um abraço do
Paulo Moura
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janeiro 22, 2011
Procuro é o bem estar
Já desde os meus tempos de puto estudante de economia que sempre assumi que o objectivo último das pessoas e das organizações deve ser o bem estar. Sempre fui adepto, desde que estudei essa matéria na FEUC, da Economia do Bem Estar.
O lucro deve ser uma forma de obter esse bem estar, não um fim em si. E não são, de forma alguma, antagónicos. Aliás, da obtenção do lucro depende o bem estar de todos os que dependem de uma organização, investidores obviamente incluídos.
Vejamos três exemplos de quem pensa assim, com trechos da revista «Visão» de 23/12/2010:
Muhammad Yunus, Nobel da Paz de 2006, fundador do Banco Grameen, que empresta pequenas quantias (microcrédito) aos mais necessitados - defende o conceito de negócio social, convencendo as empresas a investir na solução de graves problemas humanos, gerando receitas que cubram os custos mas sem daí retirarem dividendos (se houver lucros, deverão reverter para os pobres). Como ele refere numa entrevista: "a psicologia das empresas vai no sentido de correr para o dinheiro. Mas os gestores são pessoas como nós. Só funcionam como uma máquina porque estão dentro dela. A partir do momento em que chegam a casa, falam com a família e são como qualquer pessoa, preocupam-se com a pobreza e os conflitos mundiais. Todos os seres humanos querem contribuir para mudar o mundo, faz parte do nosso ADN. E uma empresa é feita de pessoas."
José Mourinho (sim, sim, "the special one") - numa entrevista diz: "Ganhar não pode ser uma obsessão (...). Perguntam-me, às vezes, se o meu objectivo é ganhar a Champions League pela terceira vez, se é ganhar não sei o quê... Não, nada disso, aquilo que eu procuro mesmo é a felicidade (...) A procura de felicidade devia ser, hoje, fundamental na vida das pessoas.
Reino do Butão, pequeno Estado nos Himalaias com 700 mil habitantes e 47 mil Km2 - não apostam no turismo porque "(...) então, seria necessário transformar também os nossos templos em museus e as nossas festas em espectáculos. Sem contar que precisaríamos de esvaziar as aldeias para conseguir mão-de-obra". Evitam a exploração imprudente de recursos naturais. Usam o conceito de FNB - Felicidade Nacional Bruta, com 72 indicadores que valorizam o bem estar psicológico, ambiente, saúde, educação, cultura, nível de vida, utilização do tempo, actividades sociais e boa governação.
O lucro deve ser uma forma de obter esse bem estar, não um fim em si. E não são, de forma alguma, antagónicos. Aliás, da obtenção do lucro depende o bem estar de todos os que dependem de uma organização, investidores obviamente incluídos.
Vejamos três exemplos de quem pensa assim, com trechos da revista «Visão» de 23/12/2010:
Muhammad Yunus, Nobel da Paz de 2006, fundador do Banco Grameen, que empresta pequenas quantias (microcrédito) aos mais necessitados - defende o conceito de negócio social, convencendo as empresas a investir na solução de graves problemas humanos, gerando receitas que cubram os custos mas sem daí retirarem dividendos (se houver lucros, deverão reverter para os pobres). Como ele refere numa entrevista: "a psicologia das empresas vai no sentido de correr para o dinheiro. Mas os gestores são pessoas como nós. Só funcionam como uma máquina porque estão dentro dela. A partir do momento em que chegam a casa, falam com a família e são como qualquer pessoa, preocupam-se com a pobreza e os conflitos mundiais. Todos os seres humanos querem contribuir para mudar o mundo, faz parte do nosso ADN. E uma empresa é feita de pessoas."
José Mourinho (sim, sim, "the special one") - numa entrevista diz: "Ganhar não pode ser uma obsessão (...). Perguntam-me, às vezes, se o meu objectivo é ganhar a Champions League pela terceira vez, se é ganhar não sei o quê... Não, nada disso, aquilo que eu procuro mesmo é a felicidade (...) A procura de felicidade devia ser, hoje, fundamental na vida das pessoas.
Reino do Butão, pequeno Estado nos Himalaias com 700 mil habitantes e 47 mil Km
janeiro 21, 2011
Carta aberta aos mercados
Senhores mercados,
Só vos queria dizer que, ao contrário do que nos impingem os políticos e a comunicação social, eu sei muito bem que não são vocês que estão nervosos. Vocês estão bem descansadinhos, protegidos por buracos na legislação internacional e sem terem que responder criminalmente por usarem a especulação financeira para ganharem balúrdios a acrescerem aos balúrdios de que dispõem.
Nervosos estamos nós! Nervosos e mal pagos!
A bem da noção
Paulo Moura
Só vos queria dizer que, ao contrário do que nos impingem os políticos e a comunicação social, eu sei muito bem que não são vocês que estão nervosos. Vocês estão bem descansadinhos, protegidos por buracos na legislação internacional e sem terem que responder criminalmente por usarem a especulação financeira para ganharem balúrdios a acrescerem aos balúrdios de que dispõem.
Nervosos estamos nós! Nervosos e mal pagos!
A bem da noção
Paulo Moura
Breve reflexão de estranheza em período eleitoral para a Presidência da República
Num alargado círculo de relações e apesar de todos sabermos que o voto é secreto, mas também porque muito boa gente já assumiu a Democracia como modo de vida, tive artes de, também eu, ir fazendo a minha sondagem, limitadinha, a pobre - como, aliás todas as sondagens - mas despretensiosa.
Coisa negra e contraditória, pois sou dos que consideram que as sondagens, publicamente anunciadas, deveriam ser ilegalizadas por serem descaradas condicionantes ao livre arbítrio de cada livre pensador – que deve ser cada um de nós. Mas como vivemos no reino da rebaldaria das éticas, olha...
O certo é que lá fui ouvindo um e outro, independentemente de conotações partidárias, e obtive um resultado clamoroso: há gente capaz de anunciar o seu voto em todos os candidatos, excepto num, a saber, Aníbal Cavaco Silva, aquele das origens humildes, dez anos de desgoverno e vai para cinco de apagada presidência e outras menores minudências.
Mas como tanto guru, sondagem, opinativo de rádio e televisão a darem-nos como garantida a sua definitiva e esmagadora vitória, vão ver que – a concretizarem-se tais poderes divinatórios – teremos ali um candidato eleito pela «maioria silenciosa»... ou também há povo que engana o povo? Uma das duas ou as duas juntas, só pode...!
janeiro 15, 2011
lá vai uma, lá vão duas, três pombinhas a voar...
Aprecio sobremaneira dedicar alguma atenção ao que se vai passando pelo mundo, não de forma sistemática, academista ou erudita, mas assim ao correr da pena das opiniões, que cada um tem a sua, e nada como uma saudável esgrima das mesmas para mantermos os neurónios funcionais.
É apenas por isto que estou a partilhar convosco duas ou três, muito fresquinhas, quais brancas pombas no ar voando, que respigo do jornal que hoje acompanhou as torradas da manhã acinzentada deste sábado.
Lá vai uma: Carla H. Quevedo, opinativa no jornal Metro, em artigo que intitula Homofobia e Liberdade de Expressão, arrepia-se, a partir do recente caso passional (?) ocorrido nos States com protagonistas portugueses, com os comentários homofóbicos que pululam, a propósito, em tudo que é caixa de comentários. E chega a questionar-se se Portugal não será um país de homofóbicos, em extrapolação abrangente e perturbadora.
Claro que se imagina que a pergunta seja retórica. Mas também retórica, ainda que algo infeliz, é a sua afirmação, supostamente em defesa da liberdade de expressão, pela qual nos faz saber que, em sua opinião, «a balbúrdia inerente à democracia é preferível à compostura própria do politicamente correcto».
Esta da «balbúrdia inerente à democracia» é que não lembra ao demo. Foge-nos, assim, de quando em vez o pezinho para o achinelado dos conceitos e tudo se estraga e tudo se revela. Será que a nossa senhora opinativa terá querido referir-se à diversidade e, canhestramente, lhe chamou balbúrdia? Ou desconhecerá o significado do termo que, ingenuamente, assim achincalha a democracia? O tempora…
Mas louvo-lhe a apreciação inicial desassombrada, ao referir o caso como sendo (mais um) de violência doméstica. Na verdade terá sido apenas isso o que motivou uma morte, quaisquer que sejam os outros contornos. Uma banalidade, pois, se atentarmos à quantidade de mulheres mortas em cada ano que passa, também por violência doméstica, sem um milésimo da projecção mediática, em todos os casos somados, que este lamentável incidente imerecidamente teve. O mores…
Lá vão duas: televisão e jornal encresparam-se de novo com notícias sobre um estudo da Universidade de Trás-os-Montes versando a possível incidência do radão como causa de cancro e com especial incidência na região de Amarante, já que o radão existe no granito e este, como é sabido, tem larga aplicação habitacional com especial incidência no Norte do país.
Já não é a primeira vez que tal informação nos assalta, não sei se com o intuito de criar mais um mito urbano, ou se, na verdade, para nos alertar para qualquer coisa que não se sabe bem o que seja…
E digo isto porque não me consta que exista algum estudo que, em paralelo, nos demonstre, no terreno, a incidência de casos de cancro que o tal radão esteja a ocasionar.
Uma coisa sem a outra, pode ser muito bem intencionada, mas há-de ir parar ao inferno das lixeiras tóxicas porque não nos serve para nada.
Ou o estudo da respeitável Universidade está incompleto, ou o filtro da nossa comunicação nos está a esconder o essencial, promovendo uma vez mais o medo, o pavor irracional como modo de dominação das consciências.
Então, como é? A malta de Amarante deve começar já a demolir as casas e o património, com ou sem apoios de Bruxelas, ou isto é só a gente a falar?
Três pombinhas a voar: Cascais e Oeiras fedem graças à existência da estação de tratamento de lixos de Trajouce. Coisa grave, de saúde pública, e que, para além da pestilência inerente, cheira pior porque tal pestilência já se verifica há cerca de vinte anos.
Já há uma data de anos atrás, quando confrontado com a evidência, em deslocação oficial às instalações para verificação do seu alto nível de sofisticação mas perante as queixas dos cidadãos – chegou a dizer-se que haveria uma unidade idêntica no andar inferior de um restaurante no Mónaco, salvo erro – Mário Soares, projectando abdominalmente a opinião, qual Galileu dos tempos modernos, afirmou perante o óbvio: «- E, contudo, fede!».
Ora, desta nova queixa generalizada por parte da população, o senhor Domingos Saraiva, apresentado como responsável por tal unidade e depois de referir que «todas as instalações da Trtatolixo estão muito degradadas», avançou com esta piramidal evidência: «- Nós percebemos que o mau cheiro existe, mas não conseguimos alterar enquanto não fizermos obras»…
Querem melhor certificado de honestidade, de probidade, que a deste ilustre cidadão? Ora, vá lá, deixem-se disso!
Deve ser esta – digo eu – mais uma prova cabal da tal «balbúrdia democrática» a que a Carla Quevedo se referia.
Continuemos, então, tranquilamente a fazer o favor generalizado de sermos felizes.
janeiro 14, 2011
Do amor, segundo os meus alunos e não só
Um dos temas que os meus alunos de Pensamento Crítico em avaliação contínua mais escolhem, no âmbito dos textos argumentativos que têm de escrever, é o amor dito romântico. Sobretudo os de primeira matrícula e, dentro destes, aqueles que, porque são alunos de Direito na Universidade Católica do Porto, têm todas as certezas e repudiam quaisquer dúvidas (o que lhes vai passando, com a idade e a experiência), dissertam assertivamente sobre o que era o amor "antigamente" (mas há um "antigamente", para miúdos de dezoito anos, no que toca ao amor, ou somente um saber-por-ouvir-dizer, acrítico e heterónomo?) e o "desastre" em que se tornou hoje.
E porque as pessoas abandonam casamentos sem pensar, e que no tempo dos avós é que era em grande, porque os matrimónios eram para a vida toda (as/os amantes também, mas isso não ouviram eles dizer) e as pessoas eram felizes como tudo e não havia primos homossexuais (pois não, os que o eram tinham mulher/marido e filhos e amantes como os hetero-) e (já agora) o Natal era uma maravilha porque havia espírito familiar e consumismo zero e patati-patatá e trecolareco.
Quando leio estas atrocidades, apetecia-me fechá-los comigo numa sala e perguntar-lhes quem lhes mentiu tanto. E dizer-lhes que, se calhar, os avós e pais e tios que lhes contam estas patacoadas sonharam toda a vida em viver num país onde o divórcio fosse permitido ou numa cidade grande, onde não fosse uma vergonha trocar o marido ou a mulher por um/uma namorado/a. E que não tem mal algum pensar em amores em vez de no Amor, porque este tem várias caras e vários tempos e não dura para sempre. E (já agora), lembrar-lhe que hoje cada um vive o Natal como quer e que o espírito familiar não é inversamente proporcional ao consumismo, e que se na casa deles só sentem este último e nem réstea daquele, se calhar é melhor aproveitarem a consoada e terem uma conversa comprida, daquelas que as famílias à séria devem ter sempre que há uma chatice, com ou sem consumismo.
E, já que estava com a mão na massa, juntaria aos meus alunos um certo amigo, que acha que ficar com alguém de quem deixou de se gostar é altruismo: não se sente bem com a situação, mas tudo é melhor do que dar ao outro o desgosto de ficar sem a sua insuperável presença (porque isso seria, lá está, egoísmo, o que provavelmente constitui pecado mortal).
Fecharia a porta e deixá-los-ia a falar sem uma professora ou uma amiga a avaliá-los. Podia ser que, entre adolescentes e trintões, chegassem a uma qualquer conclusão, sem me porem com taquicardias nem vontade de lhes dar um valente puxão de orelhas.
E porque as pessoas abandonam casamentos sem pensar, e que no tempo dos avós é que era em grande, porque os matrimónios eram para a vida toda (as/os amantes também, mas isso não ouviram eles dizer) e as pessoas eram felizes como tudo e não havia primos homossexuais (pois não, os que o eram tinham mulher/marido e filhos e amantes como os hetero-) e (já agora) o Natal era uma maravilha porque havia espírito familiar e consumismo zero e patati-patatá e trecolareco.
Quando leio estas atrocidades, apetecia-me fechá-los comigo numa sala e perguntar-lhes quem lhes mentiu tanto. E dizer-lhes que, se calhar, os avós e pais e tios que lhes contam estas patacoadas sonharam toda a vida em viver num país onde o divórcio fosse permitido ou numa cidade grande, onde não fosse uma vergonha trocar o marido ou a mulher por um/uma namorado/a. E que não tem mal algum pensar em amores em vez de no Amor, porque este tem várias caras e vários tempos e não dura para sempre. E (já agora), lembrar-lhe que hoje cada um vive o Natal como quer e que o espírito familiar não é inversamente proporcional ao consumismo, e que se na casa deles só sentem este último e nem réstea daquele, se calhar é melhor aproveitarem a consoada e terem uma conversa comprida, daquelas que as famílias à séria devem ter sempre que há uma chatice, com ou sem consumismo.
E, já que estava com a mão na massa, juntaria aos meus alunos um certo amigo, que acha que ficar com alguém de quem deixou de se gostar é altruismo: não se sente bem com a situação, mas tudo é melhor do que dar ao outro o desgosto de ficar sem a sua insuperável presença (porque isso seria, lá está, egoísmo, o que provavelmente constitui pecado mortal).
Fecharia a porta e deixá-los-ia a falar sem uma professora ou uma amiga a avaliá-los. Podia ser que, entre adolescentes e trintões, chegassem a uma qualquer conclusão, sem me porem com taquicardias nem vontade de lhes dar um valente puxão de orelhas.
Conversa de Café sobre a Crise II
...Se eu te der uma caixa de papéis a dizer que és dono da Lua, 'tás podre de rico...
Olá, gente. Espero que continuem o saudável hábito de misturar aromas e lugares comuns por entre as sinfonias de chávenas e chapinhar de colheres.
Ora, não é pela hora do café que o pessoal resolve todos os problemas... dos outros?
Eu, rapaziada, ninas e ninos, não sou excepção (que me perdoem os modernaços, que "exceção" soa-me a qualquer coisa que o corpo deita fora).
Mas foi entre uns cafés, zitos ou zinhos, enquanto os companheiros se digladiavam sobre tácticas e apitos, foras de jogo e arbitragens, que os interrompi com uma tirada, ela mesmo, toda off-side:
- Malta. Quanto vale uma coisa que não tem valor?
Depois de me olharem uns instantes e de olharem uns para os outros, saiu:
- Tu tás parvo... se não tem valor, é porque não vale nada, ou melhor, vale zero.
- Então, quer dizer, que se eu te der uma caixa cheia de papéis a dizer que és dono da Lua, tás tão podre de rico como se não te der coisa alguma, não é?
- Exacto.
- Pois é aí que eu estou a matutar e não consigo perceber.
- Não percebes o quê?
- Não percebo como é que alguém pode falar em prejuízos se perder algo que não tem qualquer valor.
- Mas que coisa é que tás praí a asneirar, pá?
- Ouve lá. O BPN não estava cravadinho em acções sem valor?
- Pois tava. O BPN e muitos outros.
- Então se essa coisa, a vigarice, digo, a que chamam activos tóxicos não valem uma ponta dum corno, porque é que temos todos que estar a pagá-las?
- Como dizes?
- Vá! Então expliquem-me se souberem.: se não valem nada, tanto faz que as guardem ou deitem fora. Uma coisa é que eu quero entender: Se dizem que elas não valem e temos que estar a tirar o pão da boca, para aquilo, é porque afinal valem! Mas sabem? Continuam a dizer que não valem, que são tóxicos... hehehe eufemismos do caraças, este nome que lhe arranjaram - tóxicos - para nos chamar de estúpidos.
- É ... tens razão, pá. Agora temos que ser, queiramos ou não, tóxicodependentes e pagar para a veia. Olha, mas isso que dizes de não valer mas ter de ser pago faz lembrar as conversas do Marcelo quando opinava sobre o aborto: É crime? É! Deve ser castigado? Não! Aqui é o contrário: Tem valor? Não! Tem que ser pago? Sim!
- Heheheheehe. Deste-lhe em cheio, pá! Sabes? Estava a pensar, os gajos - que tinham como parceiros a apregoar o produto, as tais Agências de Rating - põem um papel qualquer na praça que vale zero mas dizem que vale X, os outros que o têm acrescentam-lhe ao X um Y que vendem a outros e estes dizem que valem X+Y+Z e aquilo vai sempre crescendo, e cada um que compra o comboio de papelada, X+Y+Z+T+D+B elevado a "n", pensa que tem o bilhete premiado da lotaria entre os dedos, até ao dia em que descobrem estar o papel cheio de caruncho.
- A desfazer-se entre os dedos, queres tu dizer...
- É isso. Ora esta é que é a porra que não entendo de maneira alguma. Porque será que não atiram esses activos (?) simplesmente para o caixote do lixo como eu faço com os papéis do euromilhões todas as semanas em vez de ir reclamar à Santa Casa que me pague os milhões que não me saíram?... Pode ser que com mais um cafezinho entenda.
- Então não entendes, pá?
- Não entendo não.
- Então vá, explico-te. Levantaste a conversa mas depois resvalaste tanto que às vezes pareces mesmo totó: até à véspera as tais Agências não conseguiam ver nenhum buraquinho naquela treta, e agora esburacam-nos para tapar os buracos daquilo. É só isso, pá, um negócio de tapa-buracos...
- E a gente deixa?...
- Deixamos porque eles vão roendo devagarinho e, quando damos por ela, estamos que nem nos podemos mexer, a cair aos bocados e sem defesa...
Charlie
Olá, gente. Espero que continuem o saudável hábito de misturar aromas e lugares comuns por entre as sinfonias de chávenas e chapinhar de colheres.
Ora, não é pela hora do café que o pessoal resolve todos os problemas... dos outros?
Eu, rapaziada, ninas e ninos, não sou excepção (que me perdoem os modernaços, que "exceção" soa-me a qualquer coisa que o corpo deita fora).
Mas foi entre uns cafés, zitos ou zinhos, enquanto os companheiros se digladiavam sobre tácticas e apitos, foras de jogo e arbitragens, que os interrompi com uma tirada, ela mesmo, toda off-side:
- Malta. Quanto vale uma coisa que não tem valor?
Depois de me olharem uns instantes e de olharem uns para os outros, saiu:
- Tu tás parvo... se não tem valor, é porque não vale nada, ou melhor, vale zero.
- Então, quer dizer, que se eu te der uma caixa cheia de papéis a dizer que és dono da Lua, tás tão podre de rico como se não te der coisa alguma, não é?
- Exacto.
- Pois é aí que eu estou a matutar e não consigo perceber.
- Não percebes o quê?
- Não percebo como é que alguém pode falar em prejuízos se perder algo que não tem qualquer valor.
- Mas que coisa é que tás praí a asneirar, pá?
- Ouve lá. O BPN não estava cravadinho em acções sem valor?
- Pois tava. O BPN e muitos outros.
- Então se essa coisa, a vigarice, digo, a que chamam activos tóxicos não valem uma ponta dum corno, porque é que temos todos que estar a pagá-las?
- Como dizes?
- Vá! Então expliquem-me se souberem.: se não valem nada, tanto faz que as guardem ou deitem fora. Uma coisa é que eu quero entender: Se dizem que elas não valem e temos que estar a tirar o pão da boca, para aquilo, é porque afinal valem! Mas sabem? Continuam a dizer que não valem, que são tóxicos... hehehe eufemismos do caraças, este nome que lhe arranjaram - tóxicos - para nos chamar de estúpidos.
- É ... tens razão, pá. Agora temos que ser, queiramos ou não, tóxicodependentes e pagar para a veia. Olha, mas isso que dizes de não valer mas ter de ser pago faz lembrar as conversas do Marcelo quando opinava sobre o aborto: É crime? É! Deve ser castigado? Não! Aqui é o contrário: Tem valor? Não! Tem que ser pago? Sim!
- Heheheheehe. Deste-lhe em cheio, pá! Sabes? Estava a pensar, os gajos - que tinham como parceiros a apregoar o produto, as tais Agências de Rating - põem um papel qualquer na praça que vale zero mas dizem que vale X, os outros que o têm acrescentam-lhe ao X um Y que vendem a outros e estes dizem que valem X+Y+Z e aquilo vai sempre crescendo, e cada um que compra o comboio de papelada, X+Y+Z+T+D+B elevado a "n", pensa que tem o bilhete premiado da lotaria entre os dedos, até ao dia em que descobrem estar o papel cheio de caruncho.
- A desfazer-se entre os dedos, queres tu dizer...
- É isso. Ora esta é que é a porra que não entendo de maneira alguma. Porque será que não atiram esses activos (?) simplesmente para o caixote do lixo como eu faço com os papéis do euromilhões todas as semanas em vez de ir reclamar à Santa Casa que me pague os milhões que não me saíram?... Pode ser que com mais um cafezinho entenda.
- Então não entendes, pá?
- Não entendo não.
- Então vá, explico-te. Levantaste a conversa mas depois resvalaste tanto que às vezes pareces mesmo totó: até à véspera as tais Agências não conseguiam ver nenhum buraquinho naquela treta, e agora esburacam-nos para tapar os buracos daquilo. É só isso, pá, um negócio de tapa-buracos...
- E a gente deixa?...
- Deixamos porque eles vão roendo devagarinho e, quando damos por ela, estamos que nem nos podemos mexer, a cair aos bocados e sem defesa...
Charlie
janeiro 11, 2011
Diário solidário e (ainda por cima) natalício de um grande administrador de uma grande empresa - apontamentos de jornada em prol do combate à pobreza
Hoje, depois de cumpridos os compromissos de agenda do dia e concluída que foi a última reunião do Conselho de Administração da empresa, dei instruções à minha secretária para contactar o habitual tipo da agência noticiosa, informando da minha hora de saída…
Tenho de me deslocar àquele banco de recolha de roupa e outras dádivas (de que nunca me lembro do raio do nome…), a fim de cumprir algumas obrigações de solidariedade, que ficam sempre bem e são tão necessárias nos dias que vão correndo, com tanta miséria que para aí vai.
Este ano, a coisa está fácil: tenho, no armário do gabinete, aquele fato com uma pequena mancha de café - que a Mónica Andreia, sempre estouvada, verteu sobre mim quando rodopiou para me deixar apreciar a mini – eh-eh-eh… aquilo mais parece um cinto largo do que uma saia (pois, pois, já sei que é uma piada seca, velha e relha mas que se adapta, ai não se não se adapta…) - e uns ursitos de peluche que sobraram do Natal do ano passado… E está feita a festa!
E um tipo faz um vistaço, ora pois, que o fatinho é novo, ainda está catita e é de marca! Mas já não justifica a ida à lavandaria.
Depois, lá para as sete da tarde, temos aquela cena de lavagem de pés aos sem-abrigo, que é coisa bem apanhada e tem um impacto mediático do caraças, ainda que seja uma javardeira dos diabos. Mas estão lá aquelas enfermeiras, todas jeitosas, para nos desinfectarem…
- Qualquer semelhança com factos ou personagens reais de algum pequeno e pantanoso mundo é pura e lamentável coincidência, por muito piroso e nonsense que tudo pareça.
janeiro 07, 2011
Só me apetece brincar...
... quando leio com números (de 13740 entidades públicas, referente a 2009 o Tribunal de Contas só recebeu a contabilidade de 1724 e fiscalizou 418... a cada 12 dias nasce uma nova fundação... a despesa pública aumenta a uma velocidade de 152 mil euros por minuto...) o que todos já sabíamos:
Se temos que transportar a nossa cruz, esta deve colocar-se no escudo de armas nacional. E sou só eu que vejo ali um smile?
O Estado é um monstro com muitos milhares de cabeças.
E ninguém sabe ao certo quantas!
Se temos que transportar a nossa cruz, esta deve colocar-se no escudo de armas nacional. E sou só eu que vejo ali um smile?
janeiro 05, 2011
Vão lixar o Camões!!
Lá pela escola-da-noite, que também funciona mal de dia, deve andar tudo louco.
Há dias, em jeito de mensagem de toma-lá-que-é-para-acabares-o-ano-em-beleza, foi enviada a todos os formadores, a pedido do presidente do executivo, uma circular advinda da Direcção Geral dos Recursos Humanos da Educação (DGRHE) que nos fazia saber que, doravante, só seria considerado "nocturno" o trabalho prestado a partir das 22h.
Muito bem, os senhores estão lá no seu direito mas, quando aceitei o lugar, há dois anos atrás, trabalho nocturno era aquele que se prestava a partir das 19h e até às 23h; mais, quando re-aceitei o ligar, uns meses depois e, novamente (depois de grande hesitação) em Setembro último, continuava a ser exactamente assim, pelo que o (magro) salário que nos era pago, tinha a bonificação de 1,5, conforme a lei.
Que se altere a lei, acho lindamente, nada de novo, leis são alteradas e reajustadas e revistas todos os dias. Mas não me mudem as regras a meio do jogo que eu agarro na bola e tiro a equipa (que sou só eu, mas basto-me) de campo e não se fala mais nisso.
Vai daí, enviei um e-mail directamente ao Executivo, com o conhecimento dos meus colegas, a dizer que, a aplicarem-se as novas directrizes (que, segundo a circular, teriam efeitos imediatos) ao meu caso, deixava desde já patentes os meus votos do maior sucesso para quem ficasse. Mas que eu não ficaria.
Ah, e tal, blablablá, que provavelmente aquilo não nos atingiria ("pessoal docente e não docente", dizia o texto), que talvez conseguíssemos uma excepção (é isso e acabar com a fome no mundo), para eu ter calma (as minhas pulsações nunca se alteraram). E que se ia consultar a Direcção Geral da Educação do Norte (DREN) para se tentar perceber a abrangência da norma.
Ora eu, que não sou formada em direito mas sei ler português, insisti nos sublinhados, mas aceitei esperar. A resposta tardou mas veio: que a senhora da DREN tinha sido muito compreensiva e que concordava que era uma injustiça e patatipatatá e que deveríamos esperar até novas instruções.
Ai o camandro, que aqui já me estava a chegar a mostarda ao nariz.
Gosto pouco de ser tomada por burra e menos ainda que se adie o inevitável.
Lá seguiu novo e-mail a manifestar o meu mais profundo apreço pelo sentido de justiça de todos e mais alguns, mas que o que cada um acha vale muito pouco quando há uma norma que deve ser cumprida.
É para esperar?
Espero.
Mas em casa.
Não mexo nem mais uma palha enquanto não me garantirem, por escrito, que o meu trabalho é majorado como o foi até aqui. Se os outros aceitarem ficar, em claro desrespeito por si, pela sua profissão, e pelos direitos e garantias que o Código do Trabalho lhes faz assistir, é com eles. Eu tenho (muito) mais que fazer.
Só me perguntam onde andam os sindicatos quando há questões desta enormidade para resolver, mas que não enchem as parangonas dos jornais.
Há dias, em jeito de mensagem de toma-lá-que-é-para-acabares-o-ano-em-beleza, foi enviada a todos os formadores, a pedido do presidente do executivo, uma circular advinda da Direcção Geral dos Recursos Humanos da Educação (DGRHE) que nos fazia saber que, doravante, só seria considerado "nocturno" o trabalho prestado a partir das 22h.
Muito bem, os senhores estão lá no seu direito mas, quando aceitei o lugar, há dois anos atrás, trabalho nocturno era aquele que se prestava a partir das 19h e até às 23h; mais, quando re-aceitei o ligar, uns meses depois e, novamente (depois de grande hesitação) em Setembro último, continuava a ser exactamente assim, pelo que o (magro) salário que nos era pago, tinha a bonificação de 1,5, conforme a lei.
Que se altere a lei, acho lindamente, nada de novo, leis são alteradas e reajustadas e revistas todos os dias. Mas não me mudem as regras a meio do jogo que eu agarro na bola e tiro a equipa (que sou só eu, mas basto-me) de campo e não se fala mais nisso.
Vai daí, enviei um e-mail directamente ao Executivo, com o conhecimento dos meus colegas, a dizer que, a aplicarem-se as novas directrizes (que, segundo a circular, teriam efeitos imediatos) ao meu caso, deixava desde já patentes os meus votos do maior sucesso para quem ficasse. Mas que eu não ficaria.
Ah, e tal, blablablá, que provavelmente aquilo não nos atingiria ("pessoal docente e não docente", dizia o texto), que talvez conseguíssemos uma excepção (é isso e acabar com a fome no mundo), para eu ter calma (as minhas pulsações nunca se alteraram). E que se ia consultar a Direcção Geral da Educação do Norte (DREN) para se tentar perceber a abrangência da norma.
Ora eu, que não sou formada em direito mas sei ler português, insisti nos sublinhados, mas aceitei esperar. A resposta tardou mas veio: que a senhora da DREN tinha sido muito compreensiva e que concordava que era uma injustiça e patatipatatá e que deveríamos esperar até novas instruções.
Ai o camandro, que aqui já me estava a chegar a mostarda ao nariz.
Gosto pouco de ser tomada por burra e menos ainda que se adie o inevitável.
Lá seguiu novo e-mail a manifestar o meu mais profundo apreço pelo sentido de justiça de todos e mais alguns, mas que o que cada um acha vale muito pouco quando há uma norma que deve ser cumprida.
É para esperar?
Espero.
Mas em casa.
Não mexo nem mais uma palha enquanto não me garantirem, por escrito, que o meu trabalho é majorado como o foi até aqui. Se os outros aceitarem ficar, em claro desrespeito por si, pela sua profissão, e pelos direitos e garantias que o Código do Trabalho lhes faz assistir, é com eles. Eu tenho (muito) mais que fazer.
Só me perguntam onde andam os sindicatos quando há questões desta enormidade para resolver, mas que não enchem as parangonas dos jornais.
janeiro 04, 2011
mensagem de ano bem bom
Perante o arrazoado mais ou menos infame, mais ou menos balofo, vazio de conteúdo ou, até, mais ou menos idiota das ditas mensagens de natais e anos novos que vamos ouvindo nesta época, do tipo bolo-rei de terceira categoria, seco e pobre em frutos, por parte dos organismos oficiais, porque não a hei-de emitir também eu, cidadão português comum, classe média, europeu, ocidental, nem-Nato-nem-Pacto-de-Varsóvia – como se dizia –, nem anti, nem pró «economias emergentes» e sem convicção especial em salvadores providenciais mais ou menos embrulhados na neblina dos dias?
De facto, sendo certo que de médico e de louco cada um tem um pouco – e quem diz médico, dirá político, ou economista ou simples filósofo com a mesma ligeireza – porque não aventurar-me eu em panaceias de curandeiro da urbe e da plebe?
Então, cá vai uma mão-cheia bem intencionada de propostas avulsas, daquelas, claro, de que o inferno se vai enchendo:
- Em 2011, faça um pouco mais e melhor do que em 2010. Verá que tudo lhe parecerá mais e melhor do que no ano anterior! E se o que fez foi uma porcaria muito grande, verá que o reconhecimento dos demais, ao longo deste ano, será muito mais óbvio e é sempre gratificante sermos reconhecidos, nem que seja pelos piores motivos – olhe-se para os exemplos que vêm de cima, de quem (des)norteia este Portugal de nós todos, e apure-se se tal facto lhes causou alguma mossa...
- Em 2011, pense um bocadinho mais nos outros. Verá que os outros pensarão um bocadinho mais em si… que mais não seja sempre que lhes entupir a caixa de correio electrónico com pps da treta, ou os inundar de mensagens facebookianas perfeitamente irrelevantes, para que eles fiquem capazes de o estrangular mal lhe ponham a vista em cima.
- Em 2011, combata o aumento do custo dos combustíveis como faz um amigo meu que vai para 20 anos a meter sempre a mesma importância de combustível na sua viatura… não gastando assim nem mais um cêntimo, ano após ano. Claro que, actualmente, já tem o carro pousado sobre quatro cepos e transporta a gasolina num jerrycan, apenas para poder pôr o motor a trabalhar ocasionalmente. Mas a verdade – como punhos! – é que não gasta nem mais um cêntimo em combustível, quaisquer que sejam os aumentos, e cumpre assim o nobre objectivo a que se propôs!
- Em 2011, dedique-se à apanha sazonal da azeitona ou de qualquer outro produto agrícola, aí durante uns seis mesitos do ano. Nos restantes seis dedique-se de corpo e alma ao Fundo de Desemprego – verá que companhia não lhe faltará, circunstância expedita de desenvolver novos conhecimentos e de, assim, se lhe abrirem novas expectativas relacionais… para a apanha, na próxima época, de um qualquer outro produto agrícola sazonal, porventura.
- Em 2011, se está a pensar comprar casa… não compre uma, compre duas. Mas tenha o cuidado de as adquirir junto de um estabelecimento de ensino superior. Vai habitar uma delas com a sua família e aluga a outra a vinte alunos deslocados e, talvez até, a um ou dois professores, com os respectivos arrendamentos totalmente isento de impostos – o Estado não quer saber disso para nada e não o incomodará – , o que lhe permitirá fazer face ao duplo encargo e, com boa gestão, talvez até amealhar algum… Pelo lado dos alunos, ensardinhados na casa alugada, a proximidade intensa com os demais colegas poderá promover novas e interessantes experiências. Há aqui, pois, uma vertente social não despicienda.
- Em 2011, esqueça tudo o que lhe sugeri acima e inscreva-se mas é nas «jotas» de algum dos partidos com futuro ou com presente. Aqui as tácticas poderão ser diversificadas, mas tente ser, ao mesmo tempo, um imenso bajulador do «chefe» e um chato terrível junto dos seus pares. Com duas ou três fintas de corpo, lá pelos vinte e quatro anos está director (ou mais…) de uma empresa pública, pelos vinte e cinco estará na Assembleia da República e, a partir daí, o céu não é o limite. Ah, e já poderá contar, colateralmente, com duas reformas asseguradas, aí a partir dos trinta e dois ou trinta e cinco anos. Qualquer paralelo com situações parlamentares actualmente existentes é pura coincidência, claro.
- Em 2011, solicite um financiamento à banca ou ao FMI ou ao Diabo e abra (mais) uma grande superfície; de seguida, contacte algumas organizações humanitárias e disponibilize espaço nessa mesma grande superfície para a recolha de bens alimentares e outros adquiridos e pagos pelos solidários concidadãos, em sucessivas campanhas contra a fome, o frio ou o que seja. Fará um vistaço, socialmente falando, e vai assegurar um escoamento dos seus produtos muito acima das expectativas de qualquer prospecção de mercado mais optimista.
Como vê, caro concidadão, a crise pode ser uma janela de oportunidades… nem que seja de alumínio anodizado. Basta puxar pelo bestunto, abdicar de qualquer racionalidade e, bem no fundo, estar-se nas tintas para o próximo.
- Jorge Castro
janeiro 02, 2011
Conversa de Café sobre a Crise.
A Crise é a mãe de todas as crises.
É coisa que dita deste modo parece um chavão mas, na verdade, a crise é a tal criatura mitológica de múltiplas cabeças que, quanto mais se cortam, mais elas aumentam. À luz do argumento espalhado e aceite de forma carneira pela acéfala população, o Estado tem que cortar despesas para poupar esses cidadãos a mais encargos. Ao mesmo tempo em que diz ir reduzir despesa, aumenta os impostos, de onde concluimos que reduzir despesa é um empreendimento muito caro, tanto mais caro quanto mais se cortam: mais e mais cabeças emergem por cada corte feito. A economia não tem compartimentos estanques e os recursos desviados para uma área ficam em falta noutras, prioritariamente nessas que são geradoras dos impostos de que o Estado precisa. O aumento de impostos em quadro de crise tem assim um efeito multiplicador sobre a própria crise.
A maior parte de nós já está anestesiado pela progressiva e lenta marcha da caravana dos média. É a tal metáfora do sapo cozido lentamente. Se o pusessem em água a ferver, ele saltaria de imediato para fora do tacho mas, aquecendo a água devagar, o sapo acomoda-se à modorra do quentinho e quando dá por ela ferve sem dar um ai.
A palavra crise, espalhada como um vírus na sociedade, tem um efeito multiplicador a nível do comportamento colectivo também e, repare-se, as crises económicas são antes de mais psicológicas.
Podemos ver isso na nossa vida prática do dia a dia. Aliás, não há melhor forma de entender as coisas macro que reduzi-las ao universo micro. Lembrei-me de um mês em que não pude usar o carro e onde a poupança da gasolina me custou um par de sapatos e uns serviços de táxi, sem falar na perda de tempo. Também me ocorre a compra de um estojo de chaves para um desenrascanço. Estava de fim de semana em casa de amigos e ofereci-me para um consertozito de ocasião. Assim lá fui à loja chinesa quase ao lado e adquiri as ferramentas. Coisa barata, já se vê, pois estamos em crise e era apenas para uma intervenção breve. Acabei por partir as chaves e ter que ir comprar umas de qualidade. A poupança ficou-me pelo preço fantástico da aquisição de um estojo e de uma colecção de sucata. Todos nós temos casos destes na nossa vidinha do dia a dia. Sei lá... olhem, por exemplo, o vizinho que poupou na conta da água e depois começou a ir comprar as laranjas e demais produtos que a hortinha deixou de produzir. Saltando para o Estado, aquela ministra que despediu dois craques informáticos – ganhavam muito acima da tabela – e contratou depois duas ou três dezenas para fazer o trabalho dos anteriores, mas a um custo por cabeça muito inferior. Upa-upa! Foi uma poupança! Ou ainda e voltando ao meu universo pequenito, o caso de um empregado de uma empresa pública que percorreu de carro, acompanhado do chauffeur, durante uma tarde inteira, todas as lojas da cidade para comprar ao melhor preço um conjunto de pilhas recarregáveis. Acredito que em termos de poupança estas pilhas deverão ter sido as mais caras da História da Humanidade!
As crises são, e sabêmo-lo pela História, ocorrências cíclicas, mas esta tem alguns contornos deveras bizarros.
Nunca se produziram tantos bens e a preços tão baixos como nestes tempos. O comércio é no fundo a troca de bens e serviços. Trocamos o que nos sobra pelo que nos está em falta.
O dinheiro é a expressão abstracta do seu valor. Mas o facto de serem muito baratos deveria querer dizer que temos pouco que dar em troca da sua aquisição. E aqui começa o paradoxo: ao adquirir uma televisão não preciso de dar muito em troca, mas acontece que o que eu tenho para dar não é aceite pelo vendedor pois, para o seu mercado, o meu barato é-lhe caro e não tem escoamento para o que eu produzo. Para que ele aceitasse eu teria que dar-lhe muito mais do que lhe ofereço. Curioso, não é? Como algo barato só o é se atendermos à sua expressão monetária. Recorro então ao dinheiro. Troco o dinheiro pelo bem. Onde é que está o dinheiro? Não o tenho, tenho bens e expectativa de produzir mais, a força do trabalho. O sistema acredita em mim, acredita no sistema e os Países entram em dívida. A dívida não é algo mau por si mesma, não a devemos temer, o que é grave não é dever, mas sim não ter meios para saldar a dívida. A expectativa dos credores é receber dinheiro a partir dos bens que vamos produzindo mas se os Países de onde importamos não querem os nossos bens, então a solução mais rápida é depreciar o seu valor e vender a preço mais baixo para estimular de algum modo a troca e é isto que acontece quando os Estados vão aos mercados financiar-se. E o que era barato passa a ficar muito mais caro pois há que somar ao preço de compra todos os outros custos: dívida, desemprego e depreciação da produção interna.
Outra solução consiste na inovação, de forma a ir ao encontro de novos mercados, mas isso também custa e leva tempo de investimento, além do tempo da formação de capital humano, sem contar na amortização do investimento antes que haja de facto retorno e num país em crise não há espaço para investimentos demorados mesmo que se venham a revelar produtivos a longo prazo. A inovação, se bem que possa ser feita em tempos de crise, deve ser antes levada a cabo nos períodos de abundância e de bons negócios.
Entramos assim na espiral da crise. Pouca gente entende o custo do importar barato. De modo geral apenas se vê o imediato. O lucro fácil, muito localizado no indivíduo mas de efeito perverso sobre toda a sociedade. E neste quadro o que faz o Estado? Exige mais de nós para que, ao termos menos recursos, evitemos essas trocas. O que é grave nisto é o facto de isto fazer com que se limitem todas as trocas e não só as importadas e isto vai fazer com que os bens produzidos cá dentro não circulem com a necessária velocidade para gerar o dinheiro que o Estado exige para o seu próprio funcionamento. Não temos mais fronteiras nem política monetária independente, não podemos aplicar taxas alfandegárias ou mexer com a cotação da moeda. A crise actual é, assim, um monstro sem solução. Talvez a desvalorização rápida do €uro pudesse fazer alguma coisa, ou a aplicação de taxas alfandegárias europeias, baseadas – sei que é utopia – na apreciação dos bens produzidos a baixo preço mas a custo da sobre exploração humana. Apenas isso atenuaria de algum modo o sufoco económico em que presentemente vivemos. Mas o dinheiro é Poder, é afrodisíaco e quem o tem não quer por nada que este perca valor e, tal como disse, o ambiente de crise não gera a confiança para que os detentores o ponham a circular. A tão falada entrada do FMI não resolveria coisa alguma, antes a agravaria. E isto porque vivemos num espaço comum onde todos estão em crise. A receita de aumentar as exportações diminuindo as importações, aplicada a todos os países, faria reduzir ainda mais a actividade económica global. A técnica Espartana do Fundo Monetário, funciona quando apenas um País está em dificuldades num contexto em que os seus parceiros estão de boa saúde financeira.
Qual a solução?
Não me cabe dar, sou apenas um cidadão sem formação nesta área, mas já se ultrapassaram os limites da razoabilidade. Metade de quatro galinhas são duas, metade de duas é uma, metade de uma galinha é meia galinha mas meia galinha não é um ser vivo e é nisso que nos estão a transformar. Meia galinha, em que a parte da cabeça está no Estado, deixando-nos a traseira à sua disposição.
Mas podíamos fazer um exercício simples e recuar novamente à troca directa de bens e serviços.
E num ápice daríamos conta dos inúmeros becos que não devolvem serviços nem bens à sociedade que os sustenta. Dito de outro modo, trabalhamos para a inutilidade e esse esforço desperdiçado faz-nos falta: a ninguém apetece carregar água escassa de um poço para a despejar na abundância de um rio que a leva indiferente ao esforço realizado. E é esta sensação de inutilidade que me trespassa quando me esmifram os escassos €uros nesta toada crescente de um Estado que, não me servindo, está cada vez mais caro.
- Vai um cafezinho?
É coisa que dita deste modo parece um chavão mas, na verdade, a crise é a tal criatura mitológica de múltiplas cabeças que, quanto mais se cortam, mais elas aumentam. À luz do argumento espalhado e aceite de forma carneira pela acéfala população, o Estado tem que cortar despesas para poupar esses cidadãos a mais encargos. Ao mesmo tempo em que diz ir reduzir despesa, aumenta os impostos, de onde concluimos que reduzir despesa é um empreendimento muito caro, tanto mais caro quanto mais se cortam: mais e mais cabeças emergem por cada corte feito. A economia não tem compartimentos estanques e os recursos desviados para uma área ficam em falta noutras, prioritariamente nessas que são geradoras dos impostos de que o Estado precisa. O aumento de impostos em quadro de crise tem assim um efeito multiplicador sobre a própria crise.
A maior parte de nós já está anestesiado pela progressiva e lenta marcha da caravana dos média. É a tal metáfora do sapo cozido lentamente. Se o pusessem em água a ferver, ele saltaria de imediato para fora do tacho mas, aquecendo a água devagar, o sapo acomoda-se à modorra do quentinho e quando dá por ela ferve sem dar um ai.
A palavra crise, espalhada como um vírus na sociedade, tem um efeito multiplicador a nível do comportamento colectivo também e, repare-se, as crises económicas são antes de mais psicológicas.
Podemos ver isso na nossa vida prática do dia a dia. Aliás, não há melhor forma de entender as coisas macro que reduzi-las ao universo micro. Lembrei-me de um mês em que não pude usar o carro e onde a poupança da gasolina me custou um par de sapatos e uns serviços de táxi, sem falar na perda de tempo. Também me ocorre a compra de um estojo de chaves para um desenrascanço. Estava de fim de semana em casa de amigos e ofereci-me para um consertozito de ocasião. Assim lá fui à loja chinesa quase ao lado e adquiri as ferramentas. Coisa barata, já se vê, pois estamos em crise e era apenas para uma intervenção breve. Acabei por partir as chaves e ter que ir comprar umas de qualidade. A poupança ficou-me pelo preço fantástico da aquisição de um estojo e de uma colecção de sucata. Todos nós temos casos destes na nossa vidinha do dia a dia. Sei lá... olhem, por exemplo, o vizinho que poupou na conta da água e depois começou a ir comprar as laranjas e demais produtos que a hortinha deixou de produzir. Saltando para o Estado, aquela ministra que despediu dois craques informáticos – ganhavam muito acima da tabela – e contratou depois duas ou três dezenas para fazer o trabalho dos anteriores, mas a um custo por cabeça muito inferior. Upa-upa! Foi uma poupança! Ou ainda e voltando ao meu universo pequenito, o caso de um empregado de uma empresa pública que percorreu de carro, acompanhado do chauffeur, durante uma tarde inteira, todas as lojas da cidade para comprar ao melhor preço um conjunto de pilhas recarregáveis. Acredito que em termos de poupança estas pilhas deverão ter sido as mais caras da História da Humanidade!
As crises são, e sabêmo-lo pela História, ocorrências cíclicas, mas esta tem alguns contornos deveras bizarros.
Nunca se produziram tantos bens e a preços tão baixos como nestes tempos. O comércio é no fundo a troca de bens e serviços. Trocamos o que nos sobra pelo que nos está em falta.
O dinheiro é a expressão abstracta do seu valor. Mas o facto de serem muito baratos deveria querer dizer que temos pouco que dar em troca da sua aquisição. E aqui começa o paradoxo: ao adquirir uma televisão não preciso de dar muito em troca, mas acontece que o que eu tenho para dar não é aceite pelo vendedor pois, para o seu mercado, o meu barato é-lhe caro e não tem escoamento para o que eu produzo. Para que ele aceitasse eu teria que dar-lhe muito mais do que lhe ofereço. Curioso, não é? Como algo barato só o é se atendermos à sua expressão monetária. Recorro então ao dinheiro. Troco o dinheiro pelo bem. Onde é que está o dinheiro? Não o tenho, tenho bens e expectativa de produzir mais, a força do trabalho. O sistema acredita em mim, acredita no sistema e os Países entram em dívida. A dívida não é algo mau por si mesma, não a devemos temer, o que é grave não é dever, mas sim não ter meios para saldar a dívida. A expectativa dos credores é receber dinheiro a partir dos bens que vamos produzindo mas se os Países de onde importamos não querem os nossos bens, então a solução mais rápida é depreciar o seu valor e vender a preço mais baixo para estimular de algum modo a troca e é isto que acontece quando os Estados vão aos mercados financiar-se. E o que era barato passa a ficar muito mais caro pois há que somar ao preço de compra todos os outros custos: dívida, desemprego e depreciação da produção interna.
Outra solução consiste na inovação, de forma a ir ao encontro de novos mercados, mas isso também custa e leva tempo de investimento, além do tempo da formação de capital humano, sem contar na amortização do investimento antes que haja de facto retorno e num país em crise não há espaço para investimentos demorados mesmo que se venham a revelar produtivos a longo prazo. A inovação, se bem que possa ser feita em tempos de crise, deve ser antes levada a cabo nos períodos de abundância e de bons negócios.
Entramos assim na espiral da crise. Pouca gente entende o custo do importar barato. De modo geral apenas se vê o imediato. O lucro fácil, muito localizado no indivíduo mas de efeito perverso sobre toda a sociedade. E neste quadro o que faz o Estado? Exige mais de nós para que, ao termos menos recursos, evitemos essas trocas. O que é grave nisto é o facto de isto fazer com que se limitem todas as trocas e não só as importadas e isto vai fazer com que os bens produzidos cá dentro não circulem com a necessária velocidade para gerar o dinheiro que o Estado exige para o seu próprio funcionamento. Não temos mais fronteiras nem política monetária independente, não podemos aplicar taxas alfandegárias ou mexer com a cotação da moeda. A crise actual é, assim, um monstro sem solução. Talvez a desvalorização rápida do €uro pudesse fazer alguma coisa, ou a aplicação de taxas alfandegárias europeias, baseadas – sei que é utopia – na apreciação dos bens produzidos a baixo preço mas a custo da sobre exploração humana. Apenas isso atenuaria de algum modo o sufoco económico em que presentemente vivemos. Mas o dinheiro é Poder, é afrodisíaco e quem o tem não quer por nada que este perca valor e, tal como disse, o ambiente de crise não gera a confiança para que os detentores o ponham a circular. A tão falada entrada do FMI não resolveria coisa alguma, antes a agravaria. E isto porque vivemos num espaço comum onde todos estão em crise. A receita de aumentar as exportações diminuindo as importações, aplicada a todos os países, faria reduzir ainda mais a actividade económica global. A técnica Espartana do Fundo Monetário, funciona quando apenas um País está em dificuldades num contexto em que os seus parceiros estão de boa saúde financeira.
Qual a solução?
Não me cabe dar, sou apenas um cidadão sem formação nesta área, mas já se ultrapassaram os limites da razoabilidade. Metade de quatro galinhas são duas, metade de duas é uma, metade de uma galinha é meia galinha mas meia galinha não é um ser vivo e é nisso que nos estão a transformar. Meia galinha, em que a parte da cabeça está no Estado, deixando-nos a traseira à sua disposição.
Mas podíamos fazer um exercício simples e recuar novamente à troca directa de bens e serviços.
E num ápice daríamos conta dos inúmeros becos que não devolvem serviços nem bens à sociedade que os sustenta. Dito de outro modo, trabalhamos para a inutilidade e esse esforço desperdiçado faz-nos falta: a ninguém apetece carregar água escassa de um poço para a despejar na abundância de um rio que a leva indiferente ao esforço realizado. E é esta sensação de inutilidade que me trespassa quando me esmifram os escassos €uros nesta toada crescente de um Estado que, não me servindo, está cada vez mais caro.
- Vai um cafezinho?
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