janeiro 14, 2011

Do amor, segundo os meus alunos e não só

Um dos temas que os meus alunos de Pensamento Crítico em avaliação contínua mais escolhem, no âmbito dos textos argumentativos que têm de escrever, é o amor dito romântico. Sobretudo os de primeira matrícula e, dentro destes, aqueles que, porque são alunos de Direito na Universidade Católica do Porto, têm todas as certezas e repudiam quaisquer dúvidas (o que lhes vai passando, com a idade e a experiência), dissertam assertivamente sobre o que era o amor "antigamente" (mas há um "antigamente", para miúdos de dezoito anos, no que toca ao amor, ou somente um saber-por-ouvir-dizer, acrítico e heterónomo?) e o "desastre" em que se tornou hoje.
E porque as pessoas abandonam casamentos sem pensar, e que no tempo dos avós é que era em grande, porque os matrimónios eram para a vida toda (as/os amantes também, mas isso não ouviram eles dizer) e as pessoas eram felizes como tudo e não havia primos homossexuais (pois não, os que o eram tinham mulher/marido e filhos e amantes como os hetero-) e (já agora) o Natal era uma maravilha porque havia espírito familiar e consumismo zero e patati-patatá e trecolareco.
Quando leio estas atrocidades, apetecia-me fechá-los comigo numa sala e perguntar-lhes quem lhes mentiu tanto. E dizer-lhes que, se calhar, os avós e pais e tios que lhes contam estas patacoadas sonharam toda a vida em viver num país onde o divórcio fosse permitido ou numa cidade grande, onde não fosse uma vergonha trocar o marido ou a mulher por um/uma namorado/a. E que não tem mal algum pensar em amores em vez de no Amor, porque este tem várias caras e vários tempos e não dura para sempre. E (já agora), lembrar-lhe que hoje cada um vive o Natal como quer e que o espírito familiar não é inversamente proporcional ao consumismo, e que se na casa deles só sentem este último e nem réstea daquele, se calhar é melhor aproveitarem a consoada e terem uma conversa comprida, daquelas que as famílias à séria devem ter sempre que há uma chatice, com ou sem consumismo.
E, já que estava com a mão na massa, juntaria aos meus alunos um certo amigo, que acha que ficar com alguém de quem deixou de se gostar é altruismo: não se sente bem com a situação, mas tudo é melhor do que dar ao outro o desgosto de ficar sem a sua insuperável presença (porque isso seria, lá está, egoísmo, o que provavelmente constitui pecado mortal).
Fecharia a porta e deixá-los-ia a falar sem uma professora ou uma amiga a avaliá-los. Podia ser que, entre adolescentes e trintões, chegassem a uma qualquer conclusão, sem me porem com taquicardias nem vontade de lhes dar um valente puxão de orelhas.

15 comentários:

  1. E os teus alunos nunca pensaram em debater o amor dito erótico?

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  2. Mesmo as memórias vividas e de experiência feitas, ficam matizadas pelo cinzento-rosa da mortalha com que as cobrimos .
    Não há coisa melhor para apagar o amargo dos demónios que invocar a saudades dessa paz feita de "bons velhos tenpos..."

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  3. Isso passa-se no dia a dia das organizações. Antes mesmo de se mudar, qualquer tentativa esbarra com censura prévia. Depois de se implementar algo, "antes é que era bom".

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  4. Gostei muito do post! Eu acho que não devíamos viver no tempo da abnegação, nem no tempo do descartável.

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  5. E eu? As fraldas das minhas filhas eram de pano. E lá as mudava, duas ao mesmo tempo na maioria das vezes... mas, confesso, com abnegação.

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  6. Shagie filha, o culpado disto tudo é a invenção do "Delete".
    Haverá coisa mais descartável e sem resíduos nefastos para o ambiente do que apagar ficheiros, experiências, pessoas e amizades ao premir duma tecla?

    (vá Paulinho, diz-me lá que não dava jeito "seleccionar fraldas e enviar para eliminação sem reciclagam")

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  7. Como dizia o meu falecido patrão, que até as bordas dos jornais aproveitava para fazer anotações que espalhava depois na secretária, "as comodidades pagam-se".

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  8. Ó AnAndrade, se estivesses agora aqui pespegava-te uma beijoca!

    Comovedor desabafo que me deixou a imaginar o teu ar de espantação a ouvir tão sapientíssimas quão definitivas opiniões de quem ainda tem uma vida quase toda para viver...

    E, depois, essa supina ignorância que advém do saber de ouvir dizer, em contraponto às ardências da vida vivida.

    Nada como viver um amor cumprido ou por cumprir - mas sempre vivido - para nos encher a alma com argumentos para mil e um romances...

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  9. Eu também gostava que a AnAndrade estivesse agora aqui... e não aí... olhó catano...

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  10. Obrigada pela beijoca e por me ajudarem a aguentar as fúrias! :)

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  11. A gente só faz isso por medo de represálias :O)

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  12. Ai e o medo...
    É o pior, entre os maís sábios conselheiros....

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  13. Na minha terra diz-se "o meido". E há quem tenha meido até de dar um peido...

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  14. Já o O'Neil dizia que haveremos de chegar a ratos, com tanta miúfa... Ainda que os ratos não tenham miúfa nenhuma. Em desvergonha, então, dão-nos lições...

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