fevereiro 14, 2011

A nova escravatura laboral e a velha docilidade das massas

Há algo de eminentemente suicidário neste modo airado em que se deixaram – e vamos deixando todos - cair as relações laborais. E, apesar de ter eu algumas responsabilidades sindicais ou até por isso mesmo, não deixo de manifestar o meu profundo asco pela hipocrisia que medra nesta descomposta perversão social.

De facto, de há uma boa quinzena de anos a esta parte que venho ouvindo, nos mais diversificados fóruns sobre a matéria, as teorias mais acabrunhantes quanto à fatalidade das alterações no relacionamento laboral «tradicional» – o que tem por trás, sem que ninguém o denuncie, a vontade incontrolada de subverter a legislação em vigor, com a decorrente subversão do estado de direito – sem que alguma vez eu tenha liminarmente percebido quais as momentosas razões que justificam ou explicam esta «fatalidade».

Paira invariavelmente sobre os oradores apologistas de tamanha e incontornável desgraça – sempre indivíduos escolhidos pelo Olimpo dos deuses liberais - um saber que lhes chegou por iluminação divina, porventura muito mais do que pela análise objectiva das realidades sociais que os rodeiam, mas à qual, por força de bom aconchego proporcionado pelos seus mandantes, lhes são estranhas.

Banham-se, então, patronato feudalizante e seus profetas, no mesmo pântano dos ruminantes estatais, primeiros fautores desta desregulamentação e péssimos exemplos de promoção de justiça social, por obrigarem a praticar, nos organismos a que se alcandoraram, as mais ilegítimas relações de trabalho, certos da sua impunidade. Já porque o seu próprio desempenho é temporário e a memória do povo é curta, já porque a mole imensa do aparelho estatal tudo vai amalgamando num cimento de indiferença, já porque a justiça, em Portugal, ainda segue preceitos mais ruminantes do que eles próprios. Nada será, pois, detectado, julgado e punido em tempo útil e assim crescem e medram os seus seguidores.

Ora, se o Estado o faz, logo depois os inevitáveis oportunistas, seguros desta impunidade, lhes seguem o exemplo, tanto mais que as «lógicas» colocadas no terreno, tendo início no Estado, prosseguem as mais das vezes na actividade dita privada através das mesmíssimas mãos sujas, ainda que de punhos alvos.

E é assim que, invocando as teorias mais aberrantes e estapafúrdias, sem qualquer base com mínimos de objectividade sociológica, filosófica ou, até, política, para além do «venha a nós o vosso reino» que todos conhecemos, estes prostitutos do capital vêm destruindo todo um edifício de conquistas sociais, essas sim sustentadas pelo suor de cada dia, quando não pelas lágrimas e pelo sangue de quantos chegaram a dar a vida pelo mais justo equilíbrio do que se considera ser a sociedade humana.

Discurso radicalóide, este, e em termos passadistas? Venham lá dizer-me em que passagem…

O certo é que, por força deste oportunismo desenfreado, nove em cada dez empregos actualmente criados em Portugal, são-no na base da precariedade, do recurso ao «recibo verde», e ao arrepio de quanta legislação laboral existe em vigor. 

Não menos certo é que esta «lógica», que tem por grande objectivo transformar o mundo do trabalho numa enorme «chinesice» em prol da maior criação de riqueza concentrada cada vez em menor número de mãos, arrasa irremediavelmente e torna insustentável toda a segurança social – um dos pilares em que é suposta estar apoiada a civilização dita ocidental.
E entenda-se tal «chinesice» na perspectiva de ser criada uma força de trabalho disponível e amorfa, embrutecida pela urgência de sobreviver em cada dia, aculturada e incivilizada, ainda que tenha acesso ilimitado aos «saberes» empacotados e formatados que as pseudo-elites  lhes disponibilizam.

Como efeitos colaterais, a míngua crescente dos descontos verificados para a Segurança Social, por parte de quem pouco ou nada ganha, lado a lado com as reformas milionárias que, entre si, distribuem aqueles novos bonzos que nos desgovernam e que também pouco ou nada descontam, graças a expedientes consabidos de pagamentos em géneros, por força da «dignidade da função», tornam-se o germe e estão a criar condições para que – a manter-se esta «lógica neoliberal» - venhamos a assistir, mais cedo do que todos esperam, ao desenvolvimento de enormes convulsões sociais.

É certo que, nesta pasmaceira em que mal vivemos, mas somos useiros e vezeiros em vivê-la, parece que o bom do portuga tudo aguenta. Mas atente-se no exemplo que nos chega do Egipto.

O que me aflige, socialmente falando, é sabermos que a pior revolta é a do carneiro…

Atingimos, assim, a inevitável questão, para não suscitar acusações de pessimismo exacerbado: perante o que fica dito, que fazer?

Pois a mim parece-me que uma das respostas consiste em, muito simplesmente, fazer cumprir a legislação existente, já que contra ventos e marés adversas, sempre estamos num estado de direito.

E eis como a Inspecção Geral do Trabalho, logo seguida pelos Tribunais, poderão (poderiam?) vir a assumir um transcendente e revolucionário papel no destino da nação que somos. 

Quanto ao mais, indústria, a agricultura, as pescas - lembram-se? -, todo o chamado tecido produtivo nacional, que foram erradicados do mapa nacional no concelebrado período do «Cavaquistão» e das vacas gordas europeias, e que mereceram o aplauso idiota de tanta «picareta falante», como irão renascer das cinzas, para que a nossa dignidade e independência nacionais regressem?   

7 comentários:

  1. Vê o lado positivo,bom OrCa: esta forma de prostituição está legalizada!

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  2. Os mentecaptos dos neoliberais, tem a inteligência dos virus. Alimentam-se do corpo que destroem até à morte deste, acabando eles por perecer também.
    A mensagem deles é apenas de Morte anunciada. Para que um organismo infectado se cure há que acabar com os virus. Remédios? Há muitos. A começar por aplicar neles as receitas que eles indicam aos demais. Nada melhor para fazer um parasita ver a vida com outros olhos do que faze-lo comer o pão que ele manda o diabo amassar para dar de comer aos outros.

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  3. Essa receita é tão simples que soa a eficaz. Tu és a nova Maria de Lurdes Modesto!

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  4. Uma coisa que o Cavaquistão - de que o nosso amigo ORCA fala(ah ganda Orca)- produziu foi uma quadratura do círculo difícil de engolir.
    Lembro a revolução que deu nome a um ministro: Betoneira do Amaral.
    Nessa altura vieram para Portugal uns incontabiliões diários destinados a infraestruturas: Estradas e Auto-estradas. Nunca aceitei o que me pareceu ser um gesto de prostituição: em troca da massa foi um arrancar de oliveiras, abater barcos de pesca e privatizar industrias de nivel mundial (entre outras a Sorefame) que depois acabaram por ser vítimas dos compradores. Sendo estes concorrentes, como no caso da Bombardier, esvaziaram as empresas de segredos e patentes industrias, maquinaria e clientes para fechar e mandar para o desemprego os trabalhadores. Nem sequer falamos dos impactes a nível económico consequentes...
    No pormenor das estradas, o dinheiro que veio para as construir foi parar aos boys e as estradas foram feitas recorrendo a essa coisa trágica e criminosa das parcerias publico-privadas em que as estradas são pagas ano após ano com o dinheiro do Estado ou seja, o nosso dinheiro. Agora, como o Estado, ou seja nós, não tem dinheiro para dar aos que fizeram as estradas, temos que ser nós a paga-las com o que não temos através de portagens o que deveríamos ter pago com o dinheiro que veio da U.E.
    E digam lá senhores e senhoras, se com estes craques em economia a governar a nossa tristeza, se não há razão para chorarmos o nosso Fado...

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  5. E eu, que não gramo lá muito o Fado, nem sei que cantar...

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  6. Podes cantar em FA e DO ou podes ainda trocar-lhe as letras... ;)

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  7. Olha um fado meu:

    Pediste-me um fado corrido
    Porque o fado está na moda
    Mas eu qeu seou duro de ouvido
    Não te dei fado, dei-te uuuuuu... um whisky com soda

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