agosto 28, 2012

A posta que nunca mudam de canal


Uma das coisas que mais me irritam e preocupam nesta caldeirada europeia é a mania de que sempre que há assuntos urgentes por resolver reúnem-se a Merkel e o francês de serviço na liderança à la Louçã (bicéfala) que nenhum tratado consignou.
Será a realidade dos factos, sem dinheiro não há palhaços, mas constitui uma desconsideração para com nações que não se tratam como verbos de encher, entregues os destinos de todo um continente a quem exerce um poder que, por derivar da condição financeira, afinal apenas comprou.
Mas a entrevista de António Borges, na qual um gajo que ninguém elegeu ou nomeou para um Ministério ou Secretaria de Estado revela a sua decisão privada acerca do futuro do canal público, conseguiu irritar-me e preocupar-me ainda mais.

O paralelo está à vista: na Europa dita comunitária como neste desgraçado país não manda a política, recheada de figurantes, de testas-de-ferro patéticos de quem mais ordena. Manda o dinheiro.
Claro que não faltam os defensores da teoria de que sim senhor, faz todo o sentido que mande quem paga. Contudo, essa teoria esbarra no caso da RTP com o pequeno detalhe de sermos nós, a multidão de pelintras, a pagar. A mesma que ajuda a sustentar parlamentos e comissões e outras ilusões europeias de poder para o povo que paga à grande e à francesa mas acaba sempre espoliado do que seja seu ou seja de todos por quem já nem tenta disfarçar o incómodo que estas coisas da Democracia e dos Estados de Direito podem causar à livre iniciativa, ao empreendedorismo ganancioso, ao furor capitalista desastroso e descarado que já nos perdeu a EDP e agora ameaça destruir cinquenta anos de trabalho e de experiência adquirida que todos pagámos a peso de ouro, entregando-o a quem se devam favores milionários.

Na questão europeia a situação é, ou pelo menos parece, idêntica. Gregos, portugueses e outros povos do sul com menos jeito para as contas andaram séculos a contribuir para que o Velho Continente se tornasse num paraíso por comparação com a maioria e agora que a acumulação de riqueza parece ser o único critério de avaliação da grandeza e da relevância das nações (como das pessoas) são colocados num canto com orelhas de burro enquanto, nas tintas para órgãos de soberania ou mesmo para as próprias estruturas criadas para o efeito no âmbito da alegada União, alemães e franceses, os Borges desse filme, anunciam as suas decisões e impõem-nas à revelia de qualquer legitimidade que não a de serem a malta do pilim.
Ou quem a representa.

Em ambos os casos, tudo o que de importante acontece parece determinado por poderes que não os institucionais, não aqueles a quem confiamos as decisões que mais interessam a cada um de nós e ao colectivo que integramos. Tudo o que acontece, cada vez menos razoável, parece provir de quem pouco ou nada se interessa pelo impacto das tais decisões comunicadas por gente sem mandato para as tomar e ainda menos para as impor, com troikas ou com falsas tutelas legitimadas por um sistema cada vez mais difícil de entender no funcionamento e na sua lógica distorcida pelas questões marginais do lucro fácil, imenso e despudorado que rege quase tudo o que emana de quem manda. Ou de quem apenas finge mandar.

13 comentários:

  1. E os poderes a quem confiámos as decisões, confias neles?

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  2. Nem um bocadinho. Sobretudo por perceber o à vontade com que se movimentam por entre as abébias do sistema.

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    1. Bem vindo ao clube dos cépticos (e eu que até fiz parte dos "anti-cépticos"...)

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  3. Pois eu que não sou anti-céptico nem asséptico, embora tenha tido em tempo problemas pépticos, acredito na virtude da mudança. Na mudança efectiva e não a faz-de-conta. A mudança é algo de que a mente humana precisa para re-encontrar o caminho da energia. As férias são esse espaço de renovação, mas apenas funcionam se a par da mudança de sítio houver mudança de vida. Transportar o inferno da cidade para a praia, como muita gente faz, é fazer da praia esse inferno de que se quer descansar.
    O nosso viver colectivo regido pelos maestros do costume enferma precisamente dessa lógica em circuito fechado. Um dos chavões que nos injectam é o de que não há outra solução, que não seja esta, apesar de sentirmos estar a andar em círculos espiralóides cada vez mais apertados rumo à implosão final quando o passeio se finar no ponto zero da estrutura. A cegueira de que parecem padecer é na verdade uma forma ardilosa de domínio: não havendo alternativa, nunca podem estar errados, a sociedade é que não quer colaborar com os seus planos perfeitos. Tal como no caso do doente que padecendo de apendicite ao qual é dado sucessivamente uma dose de purgante para a prisão de ventre, é necessário dar um pontapé nos queixos desses médicos e correr porta fora rumo a outra solução.
    E é por isso que não me conformo com a atitude fácil do cepticismo. No fundo é não acreditar que a mudança pode de facto mudar alguma coisa. Mas isso é como a tal questão das férias na praia: só funcionam de facto se o inferno ficar lá do outro lado.

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    1. E quando se volta de férias volta o inferno?!...

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    2. Nesse caso o inferno somos nós?

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    3. Pois é o que parece... e até é capaz de estar bem visto...

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    4. Sim.... o inferno é um estado de espírito, um sofrimento atroz que em grande medida depende apenas da nossa atitude. Podemos ser muito felizes com quase nada, apenas o essencial, mas sabemos todos como a grande maioria sofre para ter o superfluo e ainda mais por depois não ter para o essencial...

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    5. Foi o que disse o presidente do Uruguai no Rio +20

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    6. E o Karl Marx parece que também tinha uns maus pressentimentos, ele e o seu antepassado comuna, o JC.

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    7. Muito antes, o Adão deveria ter tido isso.

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    8. Estava entretido com a febra. Ou com a costela, para sermos mais específicos...

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    9. Bem vistas as coisas, o homem é um animal autofágico.

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