abril 16, 2013

A posta na vida de saltos rasos


Parto sempre do princípio de que textos publicados em jornais de referência, seja em edição online ou em papel, gozam de um pressuposto de credibilidade e de seriedade sustentados também no critério de selecção dos respectivos escribas.
Por isso mesmo, dou o peito às balas (que é como quem diz os olhos às palavras) sem os mecanismos de protecção que emprego, por exemplo, neste meio alternativo que é a Blogosfera. Ou seja, leio o que é publicado por títulos como o Expresso com a confiança típica do consumidor crente numa chancela.
Contudo, essa abordagem não me resguarda de potenciais erros de casting ou apenas de lacunas na filtragem de conteúdos e depois sou apanhado nas curvas por pérolas destas.

O tema é apelativo, quase diria sedutor, para um esqualo da velha escola, do tempo em que nós gajos tínhamos a fama e elas o proveito nessa matéria.
Dei por isso a máxima atenção possível ao texto da jovem Marta Ramalho, convicto de que iria confrontar-me com a visão moderna, com a perspectiva esclarecida de alguém que terá aprendido com as lições do passado (os don juans e os casanovas citados) e acrescentaria algo de novo (os múltiplos exemplos de sedutores sem pila, menos célebres e mais pragmáticos), nomeadamente a lucidez de quem percebe que à evolução do tempo corresponde a obsolescência de muitos estereótipos.

O tal texto da Marta até tenta, aqui e além, tapar o sol da evidência com a peneira da aparente mistura de géneros no mesmo saco de “vampiros de afectos”. No entanto, a descrição do perfil dessa gente narcisista e com pavor ao compromisso assenta de forma inequívoca e descarada no protótipo masculino mais generalizado. O macho da espécie, como é fácil constatar numa observação desatenta do discurso corrente, assenta como uma luva na definição que a Marta estampa no seu texto e só os/as mais desatentos/as não intuem de imediato aquilo que a alusão introdutória a personagens masculinos, consagrados da sedução, sem contraponto do género oposto (mata haris e assim), pretende garantir.

O texto da Marta é apenas mais uma versão sonsa do eterno (mas cada vez mais injustificado) separar das águas em matéria de agressores/agredidas por esses maus que as pintam como princesas sem qualquer intenção de as coroarem no futuro.
No fundo, é apenas mais do mesmo na sistemática diabolização dos fulanos que dantes as desonravam e agora apenas abandonam depois de conquistadas.

Claro que a Marta se esforça na modernização do cliché, deixando no ar uma vaga miscigenação dos géneros no bando de sugadores de jugulares emocionais, mas a Marta não é parva (se o fosse não escrevia para o Expresso) e a maioria dos leitores (e leitoras) bebe facilmente a mensagem de fundo que nos remete para um estilo e uma actuação que ainda hoje vestem na perfeição o género masculino, por muito que seja mais que óbvia a troca de papéis nesse particular ao ponto de já haver quem deixe escapar alguma saudade desses dias em que os homens (ainda assim numa confrangedora minoria) dominavam a arte da sedução enquanto hoje elas se sentem negligenciadas pela ausência dos tais habilidosos que as seduziam e hoje apenas as fazem bocejar numa sucessão infindável de cedências a males menores, a soluções de compromisso para evitarem as privações.

O que a Marta parece não querer enfatizar é o cariz de reciprocidade na questão da auto-estima, relegando para segundo plano a das pessoas (sem pila) seduzidas em detrimento dos temíveis amantes do efémero que as enganam, presume-se que com falsas expectativas de amores eternos.

O que a Marta parece não querer deixar claro é que quando a corda ameaça partir é porque existe gente a segurá-la com força em ambos os extremos.

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