abril 09, 2013

«País invertido» - por Rui Felício

"Depois de tantos anos, finalmente passeei por aquela estranha terra que desde há muito queria conhecer.
É o País Invertido onde tudo se passa às avessas, ao contrário daquilo a que preconceituosamente nos quiseram habituar.
E, todavia, tive a sensação de já o conhecer há muito!
Ali, as pessoas dizem o contrário do que pensam, andam às arrecuas em vez de caminharem em frente, dizem que vão para ali, quando afinal estão a vir de lá. E asseguram-nos que vêm de lá quando saem daqui para lá. Curvam-se quando deviam ter a espinha direita e empertigam-se quando se deviam curvar envergonhadas.
Quando querem dizer-nos algo, afirmam peremptoriamente aquilo que não queriam transmitir-nos.
A história que dizem não nos quererem contar, mas que nos contam, é iniciada pelo fim e vão recuando na descrição até ao prólogo.
Às perguntas que os jornalistas lhes fazem não respondem. Mas respondem àquilo que não lhes foi perguntado.
Os deficientes físicos, em cadeiras de rodas, cedem o seu lugar nas filas do autocarro ou do supermercado aos jovens saudáveis, e estes manifestam e reclamam o seu direito de passar à frente de velhos e deficientes.
Na rua, os ricos pedem esmola aos pobres, e, se puderem, roubam-nos.
Os músicos desafinam os seus instrumentos nos teatros, para uma plateia de surdos que ali vai assistir aos espectáculos. E que bate palmas antes do inicio. Os que compraram lugares nas primeiras filas, sentam-se no galinheiro e vice-versa.
Os filhos educam os pais e obrigam-nos a ir à escola, os assaltantes dão conferências e palestras advogando os princípios basilares da sua conduta moral.
Na escola os estudantes ensinam os professores, disciplinam-nos e avaliam-nos.
Antes das eleições, os políticos votam no Povo. Os que tiverem menos votos, os menos capazes vão para o Governo, com a missão de reduzir o nível de vida da população, de a tornar mendicante, de a obrigar a uma morte precoce. Depois fazem campanha eleitoral, publicam os resultados e marcam eleições.
As mulheres aguardam nervosas no átrio das maternidades que os seus homens dêem à luz na sala de partos.
Os recém nascidos nascem velhos e quando morrerem daqui a 80 ou mais anos serão crianças de tenra idade depois de uma vida regressiva.
Naquele País Invertido não há corrupção e quando alguém, por vaidade, se declara corrupto é aclamado e elogiado!
As prisões estão a abarrotar de inocentes e os guardas prisionais são os bandidos.
E os Tribunais, quase sempre inactivos e inconsequentes, proferem céleres sentenças laudatórias que servirão de fundamento para a atribuição de comendas e medalhas aos criminosos."


Rui Felicio
Blog Escrito e Lido

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