No momento em que tantos papões
se agitam contra a justíssima greve dos professores que vai abranger a realização
de exames nacionais, algumas questões devem ser colocadas e respondidas, a bem
da nossa sanidade mental e no sentido de recolocar as coisas nos seus eixos:
- São os exames importantes? Muito
relativamente. Na verdade e restringindo-nos ao seu peso técnico, a nota do
exame representa apenas 25% do «aproveitamento» de cada aluno durante todo o
ano lectivo.
- Qual é a missão nobre da Escola?
Isso mesmo, com maiúscula. Ensinar, transmitir conhecimentos, desenvolver em
cada aluno a capacidade criativa e crítica, em suma, habilitar o cidadão com
uma panóplia de conhecimentos e atitudes mentais que lhe permitam desenvolver
cada vez mais qualificadamente a sua cidadania, integrado, pois, numa comunidade.
Os exames são, neste contexto, sempre um elemento acessório muito longe desta
missão nobre da Escola.
Desta sucinta instrospecção
facilmente concluo que a guerra inominável que os actuais governantes – até tu,
Crato?! – andam a mover aos professores com o argumento apalhaçado do «superior
interesse dos alunos» é tão hipócrita que até as Associações de Pais já o
entenderam e, rapidamente, dele se distanciaram.
Para cúmulo, os dirigentes da
FENPROF anunciaram que vão divulgar, a bem da verdade dos factos, as gravações
das reuniões com o Ministério… Eu, por cá, aplaudo. Mas fico-me constrangido
pelo nível tão baixo a que vamos tendo de chegar por força desta maneira pulha e
chunga de se governar um país.
Não será, entretanto, de estranhar se quisermos assumir que tudo isto se integra numa perspectiva mais vasta, pois
já lá diz o outro que isto anda tudo ligado…
Na verdade, se se aniquila a
agricultura, as pescas, a indústria, mananciais profícuos e constantes também do
enriquecimento e inovação de uma língua, para além das outras características
que tais actividades incorporam; se a isto se adiciona o primado absoluto da
gramática, nas bases programáticas do ensino do Português que, vai para duas
dezenas de anos, emanam dos sucessivos Ministérios da Educação – orientadas
para a tal falácia dos exames versus saber
e conhecimento – em detrimento quase total do ensino da nossa tão rica
Literatura e da capacidade de cada aluno entender criticamente um texto, o que
se está, afinal, a fazer que não seja a destruição completa e assumida da
identidade de um povo ou de uma nação?
É que, hoje, a parcela de
conhecimento que é transmitida oralmente de pais para filhos, de oficiais para
aprendizes, está muito longe de ter os paradigmas que existiam, digamos, há cem
anos atrás. Ninguém (ou quase) acompanha o seu progenitor na jorna, apreendendo
os saberes da vida pelo modo mais directo e difícil. Ninguém (ou quase) calcorreia,
hoje, o penoso labor da oficina ou da traineira, aprendendo com o oficial ou o
mestre como se entalha o lenho, como se dobra o aço ou como se lança um
aparelho de pesca.
Hoje é a escola o sítio por
excelência onde o conhecimento deve e tem de ser transmitido. Consta, até, que
é para isso que uma nação se organiza e os seus concidadãos pagam impostos. E saber
construir uma boa rede, como o é a gramática, está muito longe de ser sinónimo
de se dominar as artes da pesca, como o é a Literatura.
Acrescentem ao que fica dito, a
criação de condições para o desrespeito, por parte de encarregados de educação
e de alunos, sobre os professores; de seguida, fragilizem, pelo medo e por
incontáveis e sucessivas desregulamentações do trabalho, os mesmos professores;
achincalhem-nos em termos de pagamentos e condições de trabalho cada vez mais
indignos; violem as regras do jogo a que, durante dezenas de anos, os mesmos
professores estiveram sujeitos e a tal foram constrangidos… e teremos um caldo
de cultura que, pessoalmente, só não compreendo como não resultou, ainda, em
explosão, mas que me deixa deveras preocupado quanto à qualidade humana de que esse futuro venha a revestir-se.
Dir-me-ão que exagero. Talvez.
Ainda que esta seja uma matéria que sempre acompanhei de muito perto e na pele e
que continuo a acompanhar, já em segunda geração. E, repito, uma coisa só eu não
compreendo: de que é que se estava à espera para interromper sine die tudo quanto é avaliações e
exames, até que todo o País acorde para essa insanidade «oficial» que recai, a
cada governo, sobre os professores, mormente os do Ensino Público.
E uma vez mais quer o governo
lançar encarregados de educação e alunos contra uma classe que é o garante da
continuação de Portugal em direcção ao futuro, fazendo caso omisso e tábua rasa
de toda a sua profunda e incontornável responsabilidade no processo e ignorando
criminosa e ignominiosamente todo o sacerdócio, todo o labor altruísta, todo o
espírito de missão que, afinal, contra tudo e contra todos, anima tanto e tanto
professor nas escolas deste País…
Não! Cá para mim, esta aparente
incomensurável estupidez teimosa (o que já de si é redundância) por parte do
actual governo, configura já – e não tenhamos medo das grandes palavras! – uma atitude
reiterada, consciente e deliberada de traição à nação e ao povo que somos. E,
pela parte que me toca, anseio pela hora em que tenhamos artes de nos
libertarmos de tal praga.