junho 20, 2013

A penas sem perdão

Tenho pena de pessoas inteligentes que em algum ponto do caminho optaram ou foram forçadas a render a consciência perante uma circunstância qualquer.
Lamento acima de tudo a condição dessas pessoas se essa inteligência é aplicada à memória e, pior ainda, sob a bitola da lucidez. Percebo-lhes o desconforto, a permanente inquietação, na forma como partilham sentimentos de admiração (por outras pessoas inteligentes que jamais se permitiram reféns) com um impulso instintivo para a inveja ou mesmo para o desdém.

A inteligência permite analisar os actos ou decisões e respectivas consequências sobre os outros e sobre nós próprios. É inevitável, porquanto cruel, que uma pessoa inteligente se veja forçada a contornar a consciência da sua cedência mais ou menos indigna a propósitos e objectivos cuja obtenção depende da violação de princípios universais. A honra, a dignidade, coisas assim. Perdidas para sempre no contexto de uma escolha com a qual terão sempre que viver.
Terão acima de tudo que maquilhar essas vergonhas, essa inevitabilidade de pisar o risco como precisam de a acreditar, com pretextos inventados ou apenas enfatizados que a inteligência se esforça por processar mas sem conseguir que se desmintam os factos na origem. Terão que mentir, ou pelo menos omitir, aos outros como a si mesmos, a parte da realidade que a memória sempre guarda e a lucidez se encarrega de despir diante do que reste de integridade na pessoa inteligente que abdicou de uma parte importante de si.

O mundo caminha num sentido mais favorável para estas pessoas de que vos falo, vivemos um primado da futilidade, da estupidificação, do renegar de valores que nos foram incutidos pelas gerações anteriores mas que agora atrapalham o caminho dos que nos vendem como bem sucedidos, como ganhadores.
Contudo, milionários, famosos ou qualquer outro tipo de gente inteligente capaz de se destacar da multidão precisam da felicidade e essa depende sobremaneira da paz interior que, temos pena, não existe quando a inteligência se evade da sua redoma de sorrisos artificiais e a pessoa recorda outros tempos em que se sonhava capaz de chegar lá com base no mérito, no talento, na capacidade que todos precisamos reconhecer nos feitos alcançados e essa não se compadece das subidas a pulso com a ajuda batoteira de um esquema ou de uma jogada oportunista, da corrupção da verdade dos factos com a anestesia de uma bebedeira de poder. Coisas assim.

A vaidade parece nunca bastar a essas pessoas inteligentes que simulam a felicidade com uma máscara arrogante de cidadão superior. A vitória da esperteza, da habilidade para a manipulação, da vontade indómita de chegar mais longe sem olhar onde (quem) pisam os pés, nada disso parece lograr, excepto nos mais pobres de espírito, uma substituição lucrativa dos princípios por meios indecentes para se atingir um qualquer fim.
A inteligência, nem que seja a dos outros mais a sua coragem para a denúncia de embustes, de farsas, de desonestidade intelectual, possuem-na também os que se vêem obrigados a defender o impossível, a encobrir num invólucro de fantasia a história de vida cujo julgamento todos fazemos no balanço do que uma existência já se fez. E é nesse esforço que se perdem aquilo a que chamamos de almas, a essência do que somos e a ilusão do que gostaríamos de ser enquanto pessoas.

A cedência a tentações ligadas à influência sobre as coisas e sobre os outros, aos jogos de poder egoísta, faz parte do a qualquer preço de que todos ouvimos falar e sabemos de que se trata. Faz parte de uma troca em que muito se ganha mas sempre contrapõe algo a perder e a balança não é imutável, o tal balanço depende muito de como a consciência desperta em função de diversos factores e dos dramas eventualmente associados às acções, as más, que se praticam.
E quando esse momento não ocorre, denunciando uma natureza intrínseca desprovida de escrúpulos, de mecanismos de defesa contra a cegueira na ambição temos pena, mas é imperioso manter essas pessoas, mesmo que inteligentes, tão longe quanto possível dos centros decisores mais determinantes.

Acima de tudo de qualquer proximidade com a governação de um país.

5 comentários:

  1. Era homem para votar nesse gajo.

    ResponderEliminar
  2. Quando se lêem alguns blogues de há sete ou oito anos, descobrimos de repente como houve de facto um enorme downgrading na qualidade da blogosfera.
    A rasoira Facebookiana submerge totalmente os raros produtores de coisas que de facto valem a pena. Sente-se o nivelamento por baixo.
    As redes sociais, pastilha elástica, lisas e sem profundidade são agora o que está a dar.
    Uma citação copiada em milésima mão, com erros ortográficos e tudo, são agora a moda e os musts para os likes, numa espécie de roda fechada que nivela por baixo, e onde os posts de facto bons quase ninguém vê-

    Neste ambiente, como levar a sério convocatórias para acções cívicas através de facebooks?
    Como arranjar ânimo positivo quando se lêem dezenas de comentários trogloditas a propósito seja de que coisa fôr sempre que se pretenda uma demonstração de indignação?

    ResponderEliminar