dezembro 03, 2013

«Exame de avaliação de professores - crónica de uma cag****da em 2 atos» - por Antonino Silva

ATO I – Um ministro torto como piorna decide que, para resolver o problema da educação em Portugal e arredores, os professores contratados, se quiserem trabalhar para o estado, terão de realizar uma prova de avaliação. Dessa prova consta um exercício de ‘redação’ segundo o novo acordo ortográfico. Mais de 10 erros nesse texto implica a nota zero e a erradicação do ensino. Este é, de resto, o único óbice que se poderá colocar a quem faria a prova, porque a outra parte, como sabemos, não levaria a nada, ou seja, é de caras, porque, e como sabem, uma turma de alunos do secundário, testada na brincadeira com o teste modelo que o MEC publicou, perante o grupo de escolha múltipla, portou-se muito bem. A nota mínima foi 16/20. Assim como assim, é ainda mais provável que esses alunos não cometam os tais erros do velho acordo, porque nas escolas o AO já está em vigor desde 2009. Conclusão óbvia: um aluno do secundário está capacitado para ser professor e não é necessário fazer qualquer curso superior. Eis aqui o ponto essencial aonde NC queria chegar: o ensino em Portugal com 12 anos já é mais que suficiente.
A segunda evidência desta luminescência idiota é que o critério da competência parece que passa pela obtenção de lugar no quadro. Se o estado agisse segundo as regras da Organização Mundial do Trabalho, e segundo a imposição hoje incontornável do Tribunal Europeu, seriam menos 12.000 professores de competência duvidosa (segundo o MEC) a ter de fazer o exame, pois, como sabemos, quem está há mais de 3 anos a desempenhar as funções de forma contínua, ainda que a contrato, tem de ser integrado na carreira. E bem!
Entretanto, e ainda dentro deste ato I as instituições de ensino superior nada dizem. Mas que se passa? Será que estão à espera de serem contactadas para a elaboração do dito exame e obter assim mais uns chorados euros? Não parece! Aliás, estão a braços com uma crise que lhes rouba os esforços e a vontade de entrar em outras lutas.
ATO II – Ontem, dia 2 de dezembro, o ministro torto veio anunciar que foi conseguido um acordo com os professores (????) e que só aqueles que têm menos de 5 anos de serviço terão de fazer o dito exame. Fiquei pasmado, revoltado e inconfessavelmente furibundo. Explico porquê.
Até há, exatamente, 5 anos atrás, a formação de professores estava integrada na licenciatura específica da área (para não falar de modelos anteriores, em que já tinha havido um modelo bietápico também) e um professor era um licenciado na área de ensino em… 
Exatamente há 5 anos é lançado um modelo de formação que, não sendo perfeito, é aquele que maior graduação oferece e, se realizado com rigor e honestidade, devolve à sociedade e às escolas um profissional jovem altamente qualificado com formação na área específica e pós-graduação ao nível de mestrado na área de ensino. O processo de formação só fica concluído depois de um 5º ano de prática pedagógica e a entrega de uma dissertação de investigação – arguida perante um júri de 3 professores de ensino superior – que conferirá o grau de Mestre. Domina as tecnologias e a inovação como muitos outros não o fazem (e se calhar não têm de o fazer, pois o que têm de fazer bem é serem bons professores), foi avaliado nas cadeiras específicas hoje muito mais ajustadas e menos magistrais do que outrora, enfim, um ativo que domina as ditas ‘expertises’ e ‘skills’ e possui o germe de competência que crescerá com a experiência quotidiana. E são estes os agentes que o estado quer ‘avaliar’? É de uma sacanice sem conto aquilo que hoje se fez à socapa.
Sei muito bem do que falo, pois fui orientador de estágios em vários modelos e na minha instituição estou exatamente a acompanhar núcleos de estágios segundo este novo modelo com mestrado. É verdade que nem todos têm perfil e, com mais ou menos subtileza, temos conseguido que esses candidatos não prossigam a formação na área de ensino. Além disso, se este crivo falhar, não é um exame medíocre como aquele que foi publicado que conferirá o selo verdadeiro da essência do ser professor.
Entretanto, neste segundo ato, as universidades e politécnicos continuam sem nada dizer. E fico triste, porque isto é um reconhecimento passivo de que o MEC poderá ter razão ao colocar em causa a qualidade de formação em ensino que se promove em Portugal. E isso não é verdade! Não é verdade!
EPÍLOGO
Não escrevo mais, porque a alma me treme e as palavras descaem da parte mais sórdida do dicionário e poderia começar a falar de uma suposta representação de professores que não representa sequer 1/3 dos professores sindicalizados e por aí a fora…
Antonino Silva



HenriCartoon

4 comentários:

  1. Como detesto ler ato onde se deve ler acto, ...nem preciso dizer o que penso sobre esta merda toda....

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  2. Uma verdadeira cagada em três actos, com c. A cagada e os actos. Como apenas são apresentados dois e epílogo, eu imagino o terceiro: aquele em que a reles criatura descerá do pedestal fortuito a que o alcandoraram e resvalará, inelutavelmente, para o tal caixote do lixo da História.

    Com uma ligeira, muito ligeira diferença: agora e daqui para a frente ninguém o levará a sério. Mais um a juntar-se ao cordão dos deslumbrados corrompidos, que se escafederá para alguma prateleira dourada. Mais um a lançar pela janela. Mais um que nos lixa enquanto nação

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