junho 01, 2014

Não à mudança de hora - finalmente uma resposta da Comissão Permanente da Hora!

De: Rui Agostinho
Enviada: 23 de maio de 2014 17:36
Para: Paulo Moura
Assunto: Re: [Case_ID: 0815317 / 2358769] Mudança de hora

Exmo Dr. Paulo Moura,

Peço-lhe muita desculpa por esta resposta tardia, pois já o deveria ter feito aquando da sua primeira mensagem. Apresento-lhe assim o meu formal pedido de desculpas e, se pretender, poderemos falar pessoalmente pelo telefone 96x xxx xxx (só não atendo quando estou nas aulas ou em reunião).
Desde a sua primeira mensagem que fui ver logo as páginas internet que indicava para além de ter relido duas vezes as afirmações e argumentos que referencia no seu texto.
O OAL, tendo a Presidência da Comissão Permanente da Hora (CPH, por decreto lei), recebe emails ou cartas de diversas pessoas, ou entidades, que são guardados e depois apresentados à Comissão quando ocorre uma das reuniões (sempre que necessário). Assim será feito com as suas propostas e comentários.
Note que a Comissão é apenas um órgão consultivo do Governo e não tem autoridade para mais.
Tendo analisado os seus textos (constantes na página web que refere) depreendo e caracterizo-os por uma diversidade de opiniões e temáticas, muitos em linha com o que ouço de algumas pessoas, algumas jocosas contudo muito interessantes de ler (como aliás refere e quis incluir com essa mesma finalidade), muitas outras que fazem referência a artigos na imprensa e de cariz diverso, seja de opiniões pontuais que reflectem sentimentos pessoais, ou referências a estudos (de simples inquéritos de opinião ou mais
elaborados) que terão sido conduzidos no estrangeiro sobre o tema da existência ou não da Hora de Verão, isto é, no sentido da sua necessidade e impacto sobre a vida pessoal ou social.
Em relação aos pedidos que apresenta informo que:

"1) se existem estudos sobre as vantagens e desvantagens da mudança de hora em Portugal"
É um facto que, em Portugal, nunca um estudo académico (ou estudos) foi realizado que abordasse cientificamente a multiplicidade dos factores que influenciam o bem estar das pessoas, na perspectiva da Hora de Verão. O cariz científico é mesmo CRUCIAL pois remove o carácter apenas opinativo da percepção pessoal dos efeitos, ou das opiniões genéricas (pessoais ou de grupo) muitas vezes enviesadas pela não inclusão da generalidade dos factores, ou ainda porque estes factores se interligam de maneira intrincada e de análise difícil para destrinçá-los. Uma abordagem científica necessita correlacioná-los de modo correcto para se determinarem os verdadeiros efeitos da Hora Legal de Verão e as suas interdependências.
Como exemplo duma análise multiparamétrica, pense no impacto que teve na economia Portuguesa a utilização duma Hora Legal igual à Hora Central Europeia, entre 1993 e 1996. Um estudo destes requere isolar o efeito da Hora Legal de todos os outros constrangimentos nacionais e externos que existiram nessa altura mas que também condicionaram a evolução económica. O importante é conseguir isolar as alterações e impactos que foram apenas devidos à questão da Hora e não à usual evolução da economia com todas as condicionantes (normais ou anormais) que sempre apresenta.
Num outro exemplo, pense nos gastos de energia que à data existiram: é forçoso determinar se os gastos ou poupanças se deveram à nova Hora Legal (entre 1993 e 1996), retirando daí todos os efeitos então havidos mas induzidos pelas flutuações climatéricas, mudança de hábitos, evolução regular do comportamento social, evolução económica gradual, aquisição de equipamentos, etc..
Resumindo, estas análises devem evidenciar as relações causa-efeito exclusivos da Hora Legal, deduzindo resultados impessoais que descrevam o impacto sobre a sociedade como um todo, em vez de preferir determinar os efeitos em grupos sociais particulares, sejam estes grandes ou pequenos, a menos que esse seja o objectivo científico em si.
É nesta perspectiva que coloquei a minha avaliação das diversas afirmações que apresenta:
“Constatei, com base nos diversos estudos e artigos que li sobre este tema, que existem essencialmente argumentos de cariz económico (que pendem para justificar a «hora de Verão», embora haja alguns estudos que contradizem essa conclusão) e argumentos pela defesa do bem estar (que, de forma retumbante, levam a considerar este procedimento um artificialismo absurdo e lesivo para os indivíduos)”, ou, “Ora, enquanto estes últimos argumentos estão perfeitamente documentados, são sensatos e intuitivamente passíveis de serem considerados razoáveis por qualquer cidadão que analise esta temática, os argumentos económicos (nomeadamente de poupança de energia) ou não se encontram disponíveis ou, nos casos em que temos acesso aos mesmos, verificamos que são estudos que partem de pressupostos que, logo à partida, enviesam as conclusões a que chegam.”

“2) qual tem sido a posição manifestada por Portugal em relação à mudança de hora”
Nos últimos anos em que Portugal enviou o parecer para o União Europeia, foram favoráveis à existência de Hora de Verão.
Como refere, a situação europeia é diversa, e esta decisão não é nacional mas sim da União:
“A Bélgica pronunciou-se a favor da manutenção do actual regime ou, alternativamente, de uma aplicação da hora de Verão durante todo o ano”.
[actualização: na Alemanha, o congresso do SPD de Novembro de 2013 aprovou uma proposta para se pôr fim à mudança de hora;”
E nos outros países, onde esta situação é competência de cada Estado, as decisões assentam em diversos factores, sejam económicos, de cariz mais político ou sociais:
"no Brasil, "Deputados pedem o fim do horário de verão, pois os benefícios com a redução da carga máxima de energia elétrica em horário de pico não atingem a maior parte dos cidadãos"; na Rússia, já há mais de um ano que a mudança de hora deixou de existir;"

“3) quando será a próxima ocasião em que a União Europeia sondará os estados-membros em relação a este assunto”
Deverá fazê-lo em 2014-15.

“4) se é possível recolherem a posição daqueles que acham a mudança de hora um artificialismo lesivo para o bem estar dos cidadãos.”
Como afirmei no início, é óbvio que sim:
O OAL, tendo a Presidência da Comissão Permanente da Hora recebe emails ou cartas de diversas pessoas, ou entidades, que são guardados e depois apresentados à Comissão quando ocorre uma das reuniões. Assim será feito com as suas propostas e comentários.
É claro que as suas informações e sentimentos serão tomados em linha de conta da próxima vez, do mesmo modo que todas as reflexões e opiniões que nos chegaram anteriormente também foram devidamente analisados pela CPH.

Mais uma vez apresento-lhe os meus pedidos de desculpa pelo tempo que entretanto passou, garantindo-lhe que nunca o seu ponto de vista foi desconsiderado nem a sua mensagem ficou no esquecimento.
Os meus melhores cumprimentos.
Rui Jorge Agostinho
(Director do OAL)
Observatório Astronómico de Lisboa 
Tapada da Ajuda, PT-1349-018 LISBOA, PORTUGAL
Centro de Astronomia e Astrofísica da UL
Departamento de Física da FCUL


Para já, a minha resposta foi:

"Bom dia, Professor

Agradeço-lhe tão amável e completa resposta. Valeu a pena, mesmo com toda esta demora.
Vou analisar tudo com o máximo cuidado, partilhar e discutir com os meus amigos, colegas e conhecidos que, tal como eu, não encontram na mudança de hora qualquer benefício evidente e comprovável que justifique o artificialismo e o incómodo desse procedimento.
Posteriormente, se subsistirem algumas dúvidas (o mais provável) ou se houver algo que possa ser relevante para lhe transmitir, fá-lo-ei, com todo o gosto.
De qualquer forma, fico desde já agradecido pela apresentação que fará à Comissão desta nossa posição.

Boa continuação de fim de semana"
Paulo Moura

O Jorge Castro comentou-me assim:

"Ora, viva.
Tão circunstanciado parecer (...) careceria de umas boas horas para dissecar para eventual contraposição, ainda que tal me pareça representar alguma perda de tempo.
Se percebi alguma coisa (...) afinal, até se pode parar com a dança da mudança da hora, sem nos caírem parentes à lama.
No fundo, o que eu acho mais curioso é que ainda se invoquem razões do «interesse da economia» nesta matéria, quando o tráfego mundial já está em funcionamento 24 horas por dia, independentemente de os respectivos operadores estarem a funcionar romanticamente ao luar ou apanhando um banho de sol, na praia. Se o mercado do trabalho local se adaptou ou não a essa realidade, isso poderão ser outros quinhentos, mas pouco tendo a ver uma coisa com a outra, digo eu. (...)
Em qualquer caso, cada vez me parece mais ponderosa, essa sim, a dificuldade - biologicamente considerada - de passarmos a vida a alterar ritmos de vida, com as mazelas que isso, inevitavelmente, nos provoca. A título exemplificativo e se alguém tiver dúvidas, arranje um gato ou um cão e verá, rapidamente, o que ocorre de dramático no despertar doméstico.

Abraço."
Jorge Castro

E o Charlie:

"Pela primeira vez li uma resposta dada por alguém de algum modo responsável que difere do habitual formalismo tipo-circular.
Os pontos destacados são os pontos-chave para a alteração desta mudança bi-anual e por isso saúdo de forma especial o senhor Professor Jorge Agostinho pela atenção dada e ao desenvolvimento que a sua resposta conteve.
Se não existem, ou se são fraquitos, os estudos sobre a mudança horária existentes na Europa, tome-se como referência os estudos do maior país da Europa extra-comunitária: a Rússia. Fixaram a hora legal com base em estudos que nos poderiam servir como referências. Do mesmo modo, atente-se na postura da Alemanha, certamente influenciada pelos estudos e resultados do gigante vizinho.
As putativas e hipotéticas poupanças de energia fazem lembrar um pouco a anedota da manta curta: quando se tapa a cabeça, destapa-se os pés. Por cada hora poupada de manhã, consome-se à noite e vice-versa e acho que já seria tempo de se pôr esse argumento de lado.
Outrossim e bem conhecidos são os efeitos sobre a saúde do "jet lag" e dado que a saúde é o factor económico número um numa economia que deve ter o Homem como fulcro, então tudo o resto é acessório e dependente do primeiro factor. Sob este prisma, e aí sim, a mudança de horário tem efectivamente um impacto negativo.
Assim sendo, Paulo Moura, façamos deste primeiro contacto verdadeiramente importante a débil chama que urge manter acesa nas conchas das mãos para que de palhinhas puerís passem a atiçar e alimentar um calor efectivo no caminho da fixação permanente de uma hora legal.
Abraço e bem hajas pelo teu porfiar."
charlie

5 comentários:

  1. Parabéns pela persistência.
    Sou da opinião que um NÃO é também uma resposta. A falta da satisfação dá conotação de desinteresse, de descaso.

    Parabéns a quem respondeu. Antes tarde do que nunca.

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  2. E um ano depois, menos coisa de horas do que meses, não há mais novidades?
    A hora lá mudou, ou melhor, a hora não muda, as pessoas é que tem de levantar-se mais cedo, comer mais cedo, e ir dormir quando ainda não têm sono e levantar-se de novo ensonadas.
    E quando a ferida já não dói, toma lá mais dose que é para não te curares...

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    1. Regressei agora de uma mudança de duas horas de fusos horários. E custa em menos do que a saga das mudanças estapafúrdias.

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