setembro 30, 2014

A parábola do boi e do burro.




Um dia, em tempos idos, e na Feira dos 23, quando na altura se vendiam por lá peças de gado e outras alimárias que tanto ajudavam o homem no amanho dos campos do Mondego, o Sr. Manuel teimava em perguntar o preço de um burro meio lazarento, talvez já velho, e que era cego do olho direito.
Um seu vizinho, ao ver o negócio em que ele se ia meter, apalavrou em voz baixa as cautelas que achava por bem ter em tão estranho negócio. Até porque conhecia bem o animal que estava em causa.
— O Ti Manel, que raios, homem, para que é que vossemecê quer o animal? Não vê que ele é cego?
— Isso vejo eu bem, e é por isso que acho que serve bem os meus propósitos. Até lhe digo mais, se for como eu penso, é o bicho ideal para aparelhar com o meu Mimoso.
O vizinho, homem bom e solidário, espantou-se genuinamente com tão desencaixada ideia: — — Então, mas vossemecê já virou quantos copos de três? Quer aparelhar o burro com o seu boi, logo o Mimoso, o majestoso boi de todos os campos de Montemor? E sabe o senhor que este burro, sendo cego do olho direito, só puxa, e muito,  para a esquerda?
— Ora aí está o ponto aonde quero chegar, — refunfou o agricultor.— É exatamente isso que eu quero. E explicou — por acaso infeliz, o meu Mimoso puxa ligeiramente à direita e, além disso, a charrua 3B que eu tenho lá no alpendre tem a relha e a aiveca também um tudo nada viradas à direita e a rabiça empenou com o tempo, para a direita. Quando me meto a virar a leiva, não consigo que o rego siga a constante e tenho a terra inculta e posso sofrer à fome. Na decrua e na sementeira nada fica como deve ser, porque as leivas são tortas e todas viradas à direita.
— Então, e o que tem o burro com isso? — Perguntou ainda o vizinho, não atingindo a visão ‘da coisa’.
— O que tem? É simples. Com o burrico a puxar insistentemente para a esquerda, vou conseguir que a leiva vá consistente, a direito e produtiva, com promessas de boa colheita.

Assim é a política. Em verdade vos digo, que se não fossem os burros das forças que lutam pelos direitos cívicos, laborais, sociais e outros, estaríamos todos a virar leivas improdutivas, a seguir o glorioso líder com horários de 72 horas, muito mais mal pagos, sem direito a fim de semana, sem subsídios de férias e de Natal, etc. Choca-me imenso que muitas pessoas pretendam reescrever a história, negando aos movimentos de oposição o papel de fiel que tiveram para que a sociedade seja menos má do que seria.
O que é preciso é que o burro, ainda que velho, esteja lá e vivo, não em peças, como aquilo em que a esquerda parece hoje querer transformar-se. E tenho pena, muita pena, porque vamos sofrer com as leivas mal alinhadas.

4 comentários:

  1. Estes burros tinham muito a aprender com ele, mas são uns burros que sendo cegos dos olhos esquerdos, puxam o que está torto ainda mais para a direita. Tanto, que fecharam tudo numa espiral de onde é mau de sair, sem re-lavrar tudo outra vez.
    E ainda se corre o risco de virem uns burros cegos dos olhos direitos... e lá fica tudo torto, para o outro lado... :(

    ResponderEliminar
  2. Velho não

    um jovem com experiência

    ResponderEliminar
  3. Excelente parábola. Principalmente tendo em vista (só uma, claro) que o animal em questão ainda será capaz de pregar um bom par de coices, quando lhe der na gana!

    ResponderEliminar