setembro 08, 2014

Os tiques de esquerda


Há uns meses atrás, em amena cavaqueira com dois amigos à volta de um ciclóstomo, um deles teve uma tirada curiosa quando falava de uma personalidade tal e tal, que tinha uma boa profissão, um bom vencimento, vestia fatos de marca e conduzia um carro vistoso. A curiosidade do comentário foi algo do género: "Com tão bom nível de vida e tem tiques de esquerda!" Não viria mal ao mundo se não fosse o caso de ter relacionado o ser de esquerda ou de direita com o nível de vida que as pessoas têm. Então quer isto dizer que os ricos não podem ser de esquerda? Se assim fosse, e lida a cartilha ao contrário, então, em Portugal, deveria haver, pelo menos, 5 milhões de votos na esquerda porque aos 2,6 milhões que vivem abaixo do  limiar da pobreza devemos acrescentar os quase 1,6 milhões de aposentados com a reforma mínima e os tristemente remediados. Os partidos à esquerda deveriam ter uma larga maioria de votantes entre os portugueses, infelizmente. E digo INFELIZMENTE não porque os portugueses votariam à esquerda, mas tão só porque são pobres.

4 comentários:

  1. O facto de ser-se de esquerda ou de direita, ou do meio ou da ponta , são apenas clichés.
    Tradicionalmente, a margem esquerda era a margem pobre. As cidades erguiam-se do lado direito dos rios e era aí que os poderosos viviam.
    O lado esquerdo era a margem desprezada e quem lá vivia era de algum modo o "marginalizado".
    Que os que viviam à margem aspirassem a exibir os simbolos vindos do deslumbre da margem oposta era expectável. Que os já la viviam não se sintissem particularmente entusiasmados pela entrada dos marginalizados era-o do mesmo modo.
    Já menos natural seria assistir-se a algum da margem direita a querer pertencer à margem esquerda.
    Transpondo os valores simbólicos ancestrais para a quase abstracção dos tempos correntes, esquerda e direita são pontos de vista necessariamentes limitados de uma mesma e fluente realidade. Em constante mutação, contradição e pressão. As soluções baseadas em puras convicções doutrinárias resultam quase sempre anquilosadas. Foi assim com a implementação do comunismo, como o é com o fundamentalismo capitalista.
    Tanto quem diz que as empresas não devam pertencer ao Estado, como os que dizem que apenas o Estado deve puxar pela economia estão profundamente errados. No caso Português não é necessário dizer mais nada; as consequências para a economia global das últimas privatizações aí estão à vista de todos, menos os que apenas vêem a realidade sob o prisma do conforto pessoal que lhes traz o facto de estarem a agir de acordo não com o pragmatismo mas sim dentro do envólucro uterino da sua doutrina.
    Por mais maus que as coisas estejam, é sempre possivel argumentar-se que se está melhor do que antes. Verdadeira caverna de Platão, é que vemos quando se assiste à luminosidade de determinados debates.
    Perante estas realidades, o facto de alguém ter determinadas ideias de esquerda e vestir e usar referências da margem oposta em nada me choca. Antes pelo contrário: já Henri Ford dizia que os empregados deveriam ganhar dinheiro suficiente para que com o que lhes sobrasse pudessem comprar os carros que a sua empresa produzia.
    Seria Henri Ford de esquerda? De direita? Seriam os empregados do mesmo modo uma ou outra coisa?
    Talvez indiferentes o que é possivelmente a melhor posição: nem angustiados pela pressão da míngua, nem egoistas, ansiosos pela posse de riquezas e temerosos pela sua perda. Seriam apenas gente que queria viver e deixar viver, porque o deixar viver contribui para que se viva. E isso pode ser feito tanto com um Swatch como como um Rolex, tanto num Kispo como num Fraque de cerimónia.

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  2. Charlie, já me tinhas contado isso das cidades no hemisfério Norte se erguerem do lado direito dos rios. Mas não tenho ideia de qual é a razão para isso...

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  3. Tem essencialmete a ver com o culto magico-religioso em relação ao sol tendo a serpente /rio como referência. Acho que está lá no estudo...

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    1. Pois... só mostra que ainda não o estudei como deve ser...

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