maio 09, 2015

«Os professores tristes» - Gabriel Magalhães

foto hoy.es
Sei que, hoje, muitos professores têm uma cara que pede esmola. Um rosto triste, que vai coleccionando sombras e vincos de amargura. Sei também que, às vezes, um docente sai de uma aula de cócoras, ou até a rastejar. Sei, ainda, que com frequência quem ensina se descobre a si mesmo a falar aos peixes do Padre António Vieira. E tudo isto eu sei porque também sou professor – e porque conheço, estimo e admiro muitos colegas, com os quais me encontro, sobretudo nas palestras que dou em escolas públicas.
Aqueles que se dedicam ao ensino têm de ser árvores, com uma raiz ética, moral, um tronco de saber e ramos crescendo devagar devagarinho em cada aula. Árvores que devem dar sombra e flor e fruto, aos seus alunos e à sociedade. No entanto, neste presente que nos coube e que é como uma estrada cada vez mais estreita, promove-se um professor entretido com todas as formiguinhas da burocracia. Instalou-se nas escolas uma espécie de "big brother" que nos vigia através de câmaras feitas de papelada ou de sistemas informáticos.
Por outro lado, o Portugal em que nos inserimos está a perder a noção do valor do conhecimento: um pouco como se este fosse uma igreja que já não lhe interessa frequentar, porque as missas da aprendizagem são longas, exigem paciência. Muitos jovens viajaram para as galáxias das novas tecnologias – e estas transformam-se num buraco negro que os engole.
Finalmente, a bilha quebrada de tantas famílias varre os seus cacos para o sistema escolar e os docentes não sabem como colar crianças, adolescentes despedaçados.
Mas não podemos desistir. De resto, os professores já foram escravos, como nos tempos da antiguidade clássica, e chegaram a mendigar num soturno poema de Cesário Verde. Sobreviveram, porém, a isso tudo – e sobreviverão igualmente a todas as ingratidões do presente. Tal acontecerá porque temos por guia um mapa do tesouro desenhado com ideias, com textos, com memórias, com descobrimentos: esse maravilhoso oceano do conhecimento, cujas ondas não deixarão de cantar nas praias da ignorância.
Não podemos desistir porque cada um de nós é uma velinha acesa desta luz enorme que clareou os tempos todos. Com efeito, não seria justo deixarmos ao abandono um poema de Camões, uma teoria de Newton, uma tela de Leonardo.
Aqui estamos, pois, também porque sabemos que este país sombrio precisa de nós. Aquilo que hoje se desvaloriza voltará a ser recordado: o conhecimento é uma das melhores enxadas para cavar o futuro. E não podemos desistir por mais um motivo: as pedras preciosas dos nossos alunos aguardam que as lapidemos, de modo que triunfem a cintilar todos os seus brilhos. Por maior que seja o sonambulismo de alguns estudantes, uma certa arrogância da própria preguiça, que transforma as aulas num sofá de indolências – nesses rostos moribundos de aborrecimento existe sempre um olhar que, por mais enevoado que se encontre, está à espera de qualquer coisa que lhe mostremos para tornar a luzir. Bem sei que é difícil ser, hoje, professor. Ensinar, na actualidade, passa muito por perdoar. E – não o esqueçamos – por nunca desistir.

(artigo publicado no «Jornal do Fundão» de 7 de Maio de 2015)

7 comentários:

  1. Agora, não irei me estender neste assunto, porque estou tentando engolir o que fazem com os professores, também no Brasil (e só passei para deixar um pouco do meu perfume).
    A Sra. Dilma comentou - na sua "rede social" - , que reduzir a maioridade penal não iria resolver o problema (crescente) da criminalidade no Brasil, porque "lugar de criança é na escola".
    PQP! Qual escola? No interior do Nordeste, nos confins da Amazônia... tantas crianças nem conseguem sentar num banco da praça, quanto mais em um banco de escola. Desviam verbas da merenda escolar; desviam verbas para a construção/reforma das precárias infraestruturas que chamam de "escola". O transporte das crianças ribeirinhas se dá via fluvial, vocês nem têm ideia de como - poucas - tentam ir a um casebre, que o (des)governo teima em classificar de escola. Em canoas, sem qualquer condição de segurança, atravessam quilômetros de nossos rios para obter um pouco de estudo.
    Mas isso é cômodo demais para o PHODER. Para que ensinar? Por que educar? Povo esclarecido começa a questionar, a votar conforme sua consciência (não pela compra de votos), e isso não é muito bom aos olhos de quem (des)governa um país.
    Professores ganham mal no Brasil, desde aquele que alfabetiza até aquele que - às custas de muito sacrifício - consegue fazer um doutorado, ou pós-doutorado.
    Já adiantei um pouco da minha indignação. Mas o sapo ainda está atravessado na garganta.

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  2. Somos mesmo povo irmão, putz...

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  3. Pois.... penso que no Brasil, não terá sido a Dilma a fazer as escolas-casebres, certamente já existiam e passaram por vários governos. O pecado dela é quiçá o facto de mascarar a coisa e não fazer nada para que melhore.
    Por cá é se calhar mais grave: tínhamos um edifício em construção que uns energúmenos ´transformaram em casebres.
    Não convém os poderes determinado grau de esclarecimento. O pensamento livre assusta, a terra continua a ser quadrada, e o que importa é que o gado consumidor saiba o suficiente para alimentar a máquina produtora, e reparemos como quanto mais alargada a base de consumo, menos se sabe sobre determinado producto. A utilização fácil é a palavra-chave de todos as promoções, ou seja, a ausência de conhecimento avançado.
    O ensino tende a ser dirigido tipo pescadinha de rabo na boca: quer-se engenheiros de que a industria precisa e não indústrias que produzam o que os engenheiros projectam.

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    1. Decerto, Charlie.Os casebres e o pacto da mediocridade existiam antes da Dilma.Mas o PT está no poder há mais de 12 anos. Então, o Partido no qual o povo acreditava que iria acabar com a roubalheira, com a corrupção, com a "fartura" de ausência do poder público quanto à educação,assistência médica etc etc...é o período em que mais os Erário foi saqueado.
      Enfim, enganam a todos desde sempre.

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  4. Muito de acordo com o Charlie, claro. O conhecimento, o saber, a cultura perturbam os senhores do poder na exacta proporção da sua própria e insondável ignorância. Mas uma coisa eles sabem: cabeças esclarecidas não irão na sua banha-da-cobra. Então, acabrunha-se, desmembra-se, arrasa-se o conhecimento, não apenas acabrunhando, desmembrando e arrasando os seus principais mentores, os professores, como se chega ao destempero das próprias instalações, também elas acabrunhadas, desmembradas, arrasadas.
    Qualquer Passos de trazer por casa (e, talvez aqui tornar extensivo às Dilmas...) sabe que o perigo lhe chega por quem saiba mais do que ele e que lhe destape a incipiente careca em qualquer esquina da vida. Mas estes serão tão-só os títeres que executam as ordens recebidas. Interessa mais saber quem lhes manipula os cordelinhos, quem os usa para espalharem a ignorância como estratégia de dominação.
    E o pior é que nada disto é novo. Há muitos milhares de anos que a coisa não muda. Mas há-de mudar. Sob pena de perecermos enquanto espécie - o que, provavelmente, até será uma janela imensa de oportunidades para a Vida... E isto nem é pessimismo, nem realismo, nem nada. É assim.

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