maio 17, 2015

vejam bem... (II) - pequeno desenvolvimento

No seguimento da entrada, em 15 de Maio p.p., com este mesmo título (vejam bem...), um amigo meu - a quem vou nomear apenas como JF por reserva de confidencialidade - contactou-me por telefone e com habitual e esperada frontalidade, legitimamente agastado por aquilo que ele considerou - e com alguma razão, a meu ver - eu ter «deixado no ar» uma crítica social de que transpareceria ser o valor da obra de arte a causa da minha diatribe... 

Estou, obviamente a simplificar a densidade da conversa telefónica, cordialíssima, aliás, como se espera de bons amigos que - oh, curiosidade! - ainda para mais se respeitam, mas sim para obstar ao sofrimento dos meus improváveis leitores para me aturarem neste desenvolvimento.

Tive, assim, oportunidade de esclarecer que, muito de acordo com a opinião de que uma obra de arte, em si, terá até um valor incalculável ou imaterial enquanto património da humanidade, o artista necessita de comer e de beber todos os dias e, daí, haver de se lhe atribuir - à obra de arte produzida - um valor muito material que o sustente. 

Até aqui, estamos em enormíssimo acordo.

A minha reflexão - onde também contraponho e sublinho a minha própria situação de privilégio em relação a imensas maiorias de cidadãos por esse mundo fora - é tão-só o alerta possível relativamente a esse mundo em que um qualquer indivíduo, cidadão como os demais, se pode guindar ao estatuto de transaccionar um bem como o quadro de Picasso de que aqui se fala por aquele valor anunciado - do qual convirá também referir que o próprio autor já não está em condições de usufruir a mais ínfima parte. 

E se Picasso, em vida, não teve desmesurados problemas de sustento, isso não ocorre com uma imensa maioria de artistas de desvairadas disciplinas, por esse mundo fora.

A distorção social a que chegamos - e da qual quase nem damos conta - que subjaz à capacidade do indivíduo ou da instituição dispor de tais astronómicas verbas, a despeito do mundo à sua volta se encontrar imerso na desgraça da fome, no meio da sociedade da abastança, isso sim é que reputo de irracional e obsceno.

Outro aspecto a considerar tantas vezes, é que a apropriação particular ou privada da obra de arte vai, afinal, sonegar do grande público o seu acesso, encerrada que fica em catacumbas securitárias pelo incomensurável valor que lhe foi atribuído por corpos estranhos ao acto criativo.

Depois, se olharmos para a progressiva indigência em que vai mergulhando, por toda a parte, o mundo da arte e da cultura, onde o autor hoje miserável e a viver de amigos, tem a sua obra incensada e finalmente valorizada depois da sua morte, mais arrepiante se me depara aquela obscenidade...

Por fim, dir-se-á que tudo isto tem muito que ver com a «natureza humana», expressão com as costas largas de acolher os desmandos que passem pela cabeça e pelo poder de compra de cada um. Mas em que parte dessa «natureza» fica, depois, a destruição do património da humanidade a que estamos a assistir, quase impávidos, por parte de uma aberrante seita numa guerra insensata (como todas são, ainda que umas mais do que outras, se me perdoarem a contradição…) que foi suscitada e é alimentada por esta magnífica sociedade ocidental em que estamos e somos?

A obra de arte, como tal reconhecida, integra o nosso património e dela, numa sociedade da Utopia, apenas deveria colher benefício material imediato o seu autor, enquanto elemento fundador dessa sociedade.

Para todos os demais, mormente após a inexorável morte do autor, interessaria assumir a consciência de que a obra de arte pertence ao mundo e dela deveriam desfrutar todos e por ela todos deverem ser atentos responsáveis e os mais fiéis guardadores.  

Falta aqui Escola, muita Escola, claro, para que esta Utopia se materialize. E sobra, por outro lado, muita cegueira do lucro parasitário. Mas, já diria Galileu, contudo a Terra move-se e, assim sendo, o mundo pula e avança…

3 comentários:

  1. Isto há-de lá chegar... só não me parece que seja nas próximas 5 gerações...

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  2. Mas a continuar a depredação ambiental cada vez mais desenfreada, será que ainda nos restam cinco?

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  3. É preciso avisar toda a gente

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