fevereiro 11, 2011

«The Calf-Path» / «O trilho do Bezerro» - Sam Walter Foss

O meu irmão, Lourenço Moura, enviou-me este "poema de Sam Walther Foss (1858-1911), escrito há cerca de um século. É uma parábola à ausência de sentido crítico / inovação. Já o conhecia, mas ontem à noite deu-me na cabeça em tentar arranjar uma tradução, e acabei agora uns retoques «finais». Espero que gostes."
Gosto tanto que faço questão de partilhar convosco:
One day, through the primeval wood,
A calf walked home, as good calves should;
But made a trail all bent askew,
A crooked trail, as all calves do.

Since then three hundred years have fled,
And, I infer, the calf is dead.
But still he left behind his trail,
And thereby hangs my moral tale.

The trail was taken up next day
By a lone dog that passed that way;
And then a wise bellwether sheep
Pursued the trail o'er vale and steep,

And drew the flock behind him, too,
As good bellwethers always do.
And from that day, o'er hill and glade,
Through those old woods a path was made,

And many men wound in and out,
And dodged and turned and bent about,
And uttered words of righteous wrath
Because 'twas such a crooked path;

But still they followed - do not laugh -
The first migrations of that calf,
And through this winding wood-way stalked
Because he wobbled when he walked.

This forest path became a lane,
That bent, and turned, and turned again.
This crooked lane became a road,
Where many a poor horse with his load

Toiled on beneath the burning sun,
And traveled some three miles in one.
And thus a century and a half
They trod the footsteps of that calf.

The years passed on in swiftness fleet.
The road became a village street,
And this, before men were aware,
A city's crowded thoroughfare,

And soon the central street was this
Of a renowned metropolis;
And men two centuries and a half
Trod in the footsteps of that calf.

Each day a hundred thousand rout
Followed that zigzag calf about,
And o'er his crooked journey went
The traffic of a continent.

A hundred thousand men were led
By one calf near three centuries dead.
They follow still his crooked way,
And lose one hundred years a day,

For thus such reverence is lent
To well-established precedent.
A moral lesson this might teach
Were I ordained and called to preach;

For men are prone to go it blind
Along the calf-paths of the mind,
And work away from sun to sun
To do what other men have done.

They follow in the beaten track,
And out and in, and forth and back,
And still their devious course pursue,
To keep the path that others do.

They keep the path a sacred groove,
Along which all their lives they move;
But how the wise old wood-gods laugh,
Who saw the first primeval calf!

Ah, many things this tale might teach -
But I am not ordained to preach.
Um dia, através do bosque cerrado
Um bezerro ao curral voltava apressado;
Seguindo ao acaso por instinto,
Criando pelo mato um labirinto

Desde então, 300 anos decorridos,
Presumo que o bezerro tenha morrido.
Mas deixou o seu trilho afinal,
E com ele a base do meu conto moral.

O trilho no dia seguinte foi usado
Por um cão perdido e escanzelado;
Então uma mansa ovelha em viagem
Por lá seguiu também para a pastagem

Trouxe o rebanho atrás em procissão,
Como grandes líderes fazem à multidão.
A partir de então nesses montes de estevas
No velho bosque surgiu uma vereda,

E muitos homens já a calcorreavam
Mas com muito esforço quando passavam
E praguejavam em voz furiosa
Por a vereda ser tão tortuosa;

Mas ainda assim lá seguiam - que sarilho!
Daquele bezerro o primeiro trilho
Que no bosque fez quando lá passava
Porque ao caminhar ziguezagueava

E esta vereda tornou-se um caminho
Com curva após curva em desalinho
O torto caminho tornou-se estrada,
Em que pobres cavalos levavam carga

Sob o sol escaldante andavam sem jeito,
Três léguas para fazer uma a direito
E assim por um século e meio, se não erro
Trilharam os passos daquele bezerro.

Os anos passaram como no vento a areia.
A estrada tornou-se em rua de aldeia,
E sem que alguém notasse a novidade,
Foi rua agitada de uma cidade

E logo se tornou a rua central
De uma bem conhecida capital
E as gentes dois séculos e meio passando
O trilho de um bezerro seguiam pisando.

Cada dia cem mil almas - que Deus as guarde!
Vão como o bezerro em ziguezague
E no torto percurso segue essa gente
O tráfego de quase um continente.

Cem mil homens por percurso torto
De um bezerro, há séculos morto
Seguem ainda a tortuosa via,
E perdem quase cem anos por dia,

Pois toda a reverência é prestada
Quando a tradição está bem instalada.
Uma lição este conto vem ensinar
Se me permitem que vo-lo possa pregar;

Os homens por vezes seguem cegos em frente
por caminhos do bezerro da nossa mente,
E a trabalhar de sol a sol todos os dias
Para fazer o mesmo que outros faziam.

Seguem o percurso que sempre se fez,
Por fora por dentro, para a frente e para trás,
E o seu curso tão tortuoso prosseguem,
Para manter o que os outros repetem.

Mantêm o caminho como via sagrada,
Ao longo do qual toda a vida é formada;
Mas ouçam os deuses do bosque gozar,
Pois viram o primeiro bezerro passar!

Ah, muito este conto poderia ensinar -
Mas ninguém mo pediu para pregar.

11 comentários:

  1. Bem haja o mano, e, é um prazer conhecê-lo através de Sam Walther Foss.
    De facto, atingir a imortalidade é esta coisa que se consegue pela intemporalidade da obra, do pensamento, do rasgo de génio. Na esteira do Sam diz lembro Einstein -ele imortal de igual modo- aplicado direitinho aos tempos que hoje vivemos: A maior prova de estupidez é querer obter-se resultados diferentes aplicando sempre a mesma receita como única solução.
    Nestes tempos em que se substitui a criatividade pelo "benchmarking" e todos fazem a mesma coisa quando deveriam desbravar caminhos diferentes (a solução é sempre navegar, e sempre navegando, novos mundos irão chegando), este poema de Sam Walther Foss tem todo o cabimento e a sua evocação não poderia ser mais oportuna.
    Abraço

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  2. Eu sabia que tu também irias gostar.

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  3. Belo esforço e muito prazenteiro resultado. Dir-se-ia, em plena assunção da expressão, que estamos perante uma partilha mano a mano.

    Quanto ao mais, uma bela e inspiradora filosofia.

    Não hevendo, à partida, mal nenhum em prosseguir por trilhos por outros percorridos, é sempre útil erguer os olhos do chão e descobrir novos caminhos.

    O bezerro percorre o seu caminho retouçando pelas ervas que o alimentam. Desbravou terreno, mas a motivação dele não terá de ser a minha, que se me dá pouco de ruminar - falando de ervas, claro.

    E, assim, se fica para aqui a pensar...

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  4. No caso, o caminho deste bezerro era bizarro.

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  5. Excelente... embora ache que "coisas" há que sempre houve e haverá a questão estará talvez em não nos esgotarmos no lado comezinho e repetitivo do "quotidiano" de qualquer Vida! Novos e rasgados horizontes nascem por vezes num qualquer ponto de um velho caminho! ;)

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  6. Claro. Basta lembrarmo-nos de erguer, de quando em vez, os olhos do chão e sentir o apelo viajante.

    Trilhámos sempre veredas pré-criadas no início da caminhada. Se elas foram criadas por algum bezerro, que de cornichos baixos, pastando e defecando, prosseguia o seu dia à procura do amanhã, ele não nos é muito diferente.

    Compete-nos, apenas, descobrir os novos caminhos em cada passo dado para o destino que sonharmos, mesmo atravessando algumas silvas. Muitas vezes compensa...

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  7. Laura, no meu livro «Persuacção» conto um episódio real que se passou com os horários dos comboios da linha da Beira Baixa.
    Aí também houve um bezerro...

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  8. Paulo Moura,
    No teu livro "Persuacção"?! Não sabia... e qual é o tema (ou temas) do teu livro? E já agora encontra-se à venda onde? De qualquer forma os meus parabéns! Pablo Neruda disse a certa altura que já teria realizado as 3 mais importantes "tarefas" da sua vida: "plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro!"... Imagino que tu tb! A mim só me falta o livro... :(

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  9. Pois é, Laura. O gajo tem esse livro «Persuacção», que cruza o mestrado dele (em Ciências Empresariais) com a experiência de gestão de empresas ao longo de vinte anos e o curso de Filosofia da mulher, que é professora.
    Lá em cima, no cabeçalho, tens um link para uma página do livro.
    Mas nada que se compare ao meu DiciOrdinário, digo-te já :O)

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  10. Pois... que ele há filosofias de gestão e gestão de filosofias... ;-)»

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  11. A São Rosas tem sempre a mania que o que escreve é mais interessante do que o que eu escrevo!

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