Fósforo, lareira e Éssélbê
Na semana passada deixámos de ter (tanto) Relvas e voltámos a ter (alguma) Constituição. Mas calma. Não embarquemos em euforias: a felicidade é um fósforo, a infelicidade é uma lareira.
É que, à má imagem e pior semelhança do que se passa com a nossa dimensão político-económica, a invernia se prolonga Abril adentro, em escandaloso desrespeito pelo preceituado na sua/dela própria Constituição, vulgo calendário. Indiferente ao regulamentado na tábua das estações, das folias e das devoções, a Natura parece comprazer-se em vergar-nos ao peso de tanta água, ao ferro de tanto frio e ao exílio do bom sol português que sempre foi, até para o pobre, e a par da Lua fadista, o fanal gracioso capaz de nos salvar da tristeza profissional e da procela sem bonança da portugalidade mesma. Mas adiante.
Na segunda-feira, 8, a patusca Águas de Santarém, já chamuscada aquando daquilo da passeata à Coreia do Sul, ardeu um bocadito, obrigando à evacuação da sede e, talvez, a breve prazo, a um aumento do tarifário. Digo eu, que sou maldoso. Foi no mesmo dia da morte da Thatcher, essa espécie de raia seca muito mais malévola do que este Vosso criado. Amiga íntima do genocida Pinochet e inimiga confessa de trabalhadores e sindicatos, deixa-me tantas saudades quantas as que me deixaria o trânsito de cálculos biliares pela uretra. Mais pena tive da Sara Montiel, a diva de Espanha que nos bons velhos tempos (dela) semeou pruridos e borbulhas por quanta próstata havia em Hollywood, à excepção da do Rock Hudson.
Abril por Abril, já não falta muito para o 25, efeméride que é, por assim dizer, o Natal dos indignados-mas-quietos. Os altifalantes voltarão a roufenhar o bom Zeca Afonso – e até dia 30 o tutano do IRS vai ser esvurmado, que é como quem diz gasparilhado, a doer. Sem chaimites, sem cravos, sem poesia na rua e sem remédio.
Se Vos pareço negativo, sou aquilo que pareço, ó bons Aleixos. À hora a que componho a 304.ª das crónicas que há quase seis anos me suportais, a harpa da chuva fustiga de rijo cordame de arame a cidade e os campos que a emolduram. O vento é oblíquo como uma perfídia. O arvoredo parece um borrão de tinta contra o papel-manteiga do ar. Andam desorientadas as aves como operários de estaleiro naval. Os cães vadios ouriçam a pianola dos ossos em desvãos de pardieiros sem gente. E, como jamais, o País dá a ideia de os muros do Júlio de Matos irem do Minho ao Algarve, com refeitório na Madeira e dormitório nos Açores.
Falta falar do meu Benfica. Direi portanto nada, que ainda é cedo. Nada – ou apenas isto: que, a havermos de facto uma Constituição em vigor, este ano ninguém nos tira o título, essa outra Primavera que nem o Inverno da realidade há-de poder confiscar.