dezembro 30, 2007

Um pedaço de mim vai fechar...

... e é um bocadinho doce, que feito com aquele esmero só encontrava na pastelaria Lisbonense, no largo do Pelourinho da Covilhã.
Quem nunca comeu uma garganta de freira desta pastelaria não consegue entender a minha tristeza. Aqueles fios de ovos enrolados numa fina folha de hóstia... tão simples e, também por isso, genial. Quantas vezes fui lá de propósito mas já não havia...
Aprendi a gostar das gargantas de freira desde pequeno, quando a minha avó e os meus pais lá as compravam. E sempre fomos atendidos pelo senhor José Cunha, tão doce como os doces que vende. Vende... até daqui a dois dias, final do ano, porque depois disso a pastelaria Lisbonense fecha definitivamente, pois o senhor José Cunha vai ter a sua merecida reforma. Foi o que li no meu querido «Jornal do Fundão» desta semana.
Senhor José Cunha, bem haja por tudo. Muita saúde, é o que eu mais lhe desejo.


O senhor José Cunha



A notícia

dezembro 25, 2007

A minha sétima carta de trás da serra na revista Perspectiva

Olá,

Como vai isso aí pela capital? Ouvi dizer que fizeram um magusto na Assembleia da República. Não consigo imaginar um magusto sem ser no meio de um pinhal, com o frio a enregelar-nos o nariz e acompanhado com uma jeropiga que nos ponha a cantar a "Cana Verde dos Velhotes", terminando todos sempre com a cara enfarruscada pelas cinzas da caruma e dos paus onde se assaram as castanhas. Todos menos o Pinto, que nunca alguém teve coragem para lhe chegar as mãos encarvoadas à cara, sob risco de chegar a casa sem os dentes da frente. O Dadinho, esse, uma vez até lhe desapertámos as calças e pusemos-lhe a pilinha negra. Mas só a cor, porque de resto o frio do Outono na Serra não perdoa. Lembras-te?
Sabes que estive há dias aí em Lisboa? Fui a uma conferência de economistas. Chegámos cinquenta minutos atrasados porque estivemos parados na auto-estrada perto de Alverca, devido a um choque de viaturas em cadeia. Desabafei com um camionista parado ao nosso lado que na minha terra às vezes também temos que parar na estrada para deixar passar um rebanho, que deixa irremediavelmente tudo cheio de berlindes castanhos. Ele não ligou nada ao que eu disse, continuou com ar carrancudo e até me olhou com um ar desconfiado, mas eu já tinha ouvido dizer que nas cidades as pessoas não falam com estranhos. E na nossa terra, como sabes, não há estranhos.
Uma das pessoas que falou na conferência foi a Manuela Ferreira Leite. Apreciei especialmente quando alguém da assistência a confrontou com a discrepância do IVA entre Portugal e Espanha, originando nas zonas de fronteira idas de portugueses às compras ao lado de lá, "com a perda de receitas para o Estado que isso implica". Manuela Ferreira Leite respondeu que isso não a preocupava, já que as receitas de IVA das regiões fronteiriças representam algo como zero vírgula muito pouco por cento do total. Como a considero uma excelente economista e tem acesso a estes dados, tudo me leva a crer que é mesmo assim. Ora isto dá-me uma ideia: sendo as receitas do IVA residuais, que tal o Estado prescindir delas, isentando desse imposto os bens e serviços disponibilizados no interior? Pelo menos, que lhes fosse aplicada a taxa mínima. Aí sim, em vez de irmos a Espanha comprar aqueles caramelos solanos que se agarram aos dentes, os espanhóis que viessem cá. E até lhes podíamos pedir, depois de ganharmos alguma confiança, que nos trouxessem uns barris de gasolina sempre que viessem. E como vocês por aí estão sempre a alternar no poder (um "poder de alterne"?!), bem que poderiam fazer um pacto de regime, que me parece que até está na moda por esses lados.
Quando na mesma conferência se falou dos problemas que se colocam à economia portuguesa, ficou claro que o Estado português está em falência técnica. Isto é uma conclusão minha, que aquela malta não pode dizê-lo, sob risco de terem problemas com a entidade patronal. Aliás, quando depois das primeiras chuvas de Outono fui aos míscaros com a Rosita e o Alex Narigudo, ele viu um «peido da avó», como chamamos por aqui àqueles cogumelos cujo chapéu parece um balão. Como sempre fizemos desde pequenos, pisou-o e aquilo soltou o ar lá de dentro como uma discreta bufa. E o Alex comparou: "Estes peidos da avó são como a economia. Transmitem uma imagem que nos ilude, mas são ocos por dentro".
E agora tenho que terminar desejando-te muita saúde, que é hora da janta e tenho ao lume um arroz de míscaros numa panela de ferro, que vou acompanhar com um tinto da Quinta dos Termos do meu amigo João Carvalho, um dos miminhos da nossa terra.

Paulo Proença de Moura
Página on-line da revista «Perspectiva». Na secção das Crónicas estão disponíveis todos os meus textos anteriores.

dezembro 24, 2007

A sombra do Pai Natal - Raim | Um cabaz de luxo - por Pedro Laranjeira


A sombra do Pai Natal - Raim

"Nenhuma das grandes festas das tradições mundiais, como a noite das bruxas na américa ou ano novo chinês, consegue subverter tão profundamente os mais nobres princípios da humanidade como o Natal do ocidente.
Os festejantes parecem esquecer aquilo que eram supostos festejar: o nascimento de um Cristo pobre, humilde, pacífico, humano.
A comemoração do Natal na data romana da chegada do Inverno existe há dezasseis séculos. Tradições várias se lhe juntaram, como a figura do Pai Natal, inspirada no bispo turco Nicolau (os ingleses chamam-lhe Santa Claus), ou a simbologia do presépio, introduzida por S. Francisco de Assis no século XIII.
Já Vasco da Gama tinha chegado à Índia quando a Árvore de Natal foi inventada por Martinho Lutero, com velas a lembrar estrelas e algodão a imitar neve.
Hoje, tudo mudou. A árvore mantém-se, o presépio já só existe nos círculos religiosos, mas o Pai Natal multiplica-se por milhares de figuras que são mais promotores de vendas que símbolos de festa.
Talvez tudo tenha começado com a campanha publicitária da Coca-Cola que em 1881 deu às roupas castanhas do velhinho o seu vermelho actual.
Agora, o Natal já não é dos pobres, nem dos cristãos, nem dos humildes. É da sociedade de negócios, do consumismo desenfreado, do lucro a qualquer preço.
Somos inundados por campanhas publicitárias, apontadas a um “target” fácil, que cativa todos: as crianças.
A cada novo Natal aumenta a exploração fácil a troco do dinheiro abundante: este ano temos até bonecas que a criança pode maquilhar... e usar os cosméticos nela própria! – com poucos anos de idade! Parabéns!
O grande “boom”, porém, são os brinquedos das novas tecnologias, virados para lutas, combates, uso de armas, violência gratuita.
Um cabaz de lixo!
Estamos distraídos, ou somos já mutantes de nós próprios?..."
Pedro Laranjeira
Director Editorial
Artigo publicado na revista «Perspectiva» do passado sábado, em que saíu também a minha sétima «carta de trás da serra». Leram?

dezembro 19, 2007

Ainda a respeito da ASAE - a opinião do OrCa sobre 'normalização'

"Genericamente sou contra a 'normalização' do não normalizável. Por este andar, o ritmo de higiene diária - que, segundo consta, por exemplo nos ingleses é supostamente semanal - também virá a ser normalizada.

Já estou a ver-me, entrando no meu local de trabalho, com várias etiquetas confirmando:

1 - que me lavei hoje;
2 - que ontem já me tinha lavado;
3 - que os slips que uso hoje estavam lavados ontem;
4 - que não calquei merda de cão, nas últimas 24 horas, com os sapatos que trago calçados ;
5 - que a minha barba de três dias corresponde a um padrão estético definido pela norma comunitária XPTO e não a mero indício de desmazelo ou pressa matinal;
6 - que não sou portador de doença infectocontagiosa há, pelo menos, cinco anos;
7 - que sou casado com comunhão de adquiridos e não impende sobre mim nenhum processo litigioso de foro conjugal pela parte de cônjuge ou de terceiros;
8 - que estacionei devidamente a minha viatura, conforme documento comprovativo a exibir na portaria;
9 - que a dimensão do perímetro craniano está conforme a qualificação profissional que me está atribuída;
10 - que não me são conhecidas atitudes violentas ou actos atentatórios do pudor há, pelo menos, 20 anos;
11 - que a minha elevada estatura - para cima de 1m63 - é compatível com o nível de instalações que me estão disponibilizadas e, se tal não se verificar, se possuo curso pós-formação em horário pós-laboral que coadune o tamanho às instalações;
12 - que a normal inclinação do pénis para a esquerda não excede o normativo comunitário, tendo em vista eventuais derrames danosos nos mictórios disponíveis;
13 - que o meu inefável odor corporal não é susceptível:
a) de provocar delírios eróticos nas colegas;
b) de ocasionar vómito nos circunstantes;
14 - que as peúgas não comportam nenhuma conspícua 'batata' que possa colocar em causa o bom nome da firma;
15 - que sou detentor de um certificado que me identifica como utilizador do WC sem nunca ocupar tempo superior a três minutos e sem nunca deixar a tampa da sanita aberta;
16 - que o meu cesto de papéis contribui para o depósito de 250 gr de papel por dia, que encaminho para a reciclagem, conforme recibo comprovante;
17 - que os meus pais eram animais mamíferos,homem e mulher (de Lineu), heterossexuais e que fui concebido com ambos em vida...

Basta que alguém se vá lembrando de cada uma destas coisas, que lhe passe pela cabeça que cada um dos items é relevante para qualquer causa mirífica... e que nós todos vamos dizendo amén.

A verdade é que a legislação comunitária apresenta os caracóis como 'peixes de água doce' apenas para favorecer o seu cultivo com acesso a subsídios a favor de agricultores franceses.

Depois, digam que é brincadeira...
e lembrem-se da história do macaco!"
________________________________________
"A ver:
- uma coisa, importante para todos, é o bom cumprimento de regulamentos existentes, consensualmente definidos como salvaguarda da saúde pública;
- outra, muito diversa, é a homogeneização (ou homogeneidade, talvez) em tudo quanto é produto.
Se ambas caem sob a alçada de um mesmo organismo, a confusão está instalada e a possibilidade do 'napoleonismo' também.
Quem regula a actividade do regulador?
Mas, bem no fundo, interessa acautelar o seguinte: quem, onde e como é que se dá voz ao consumidor, afinal o interessado?"

OrCa

dezembro 05, 2007

Ainda a ASAE - mais uma experiência pessoal de higiene (ou melhor, da falta dela)

"O António Barreto é um senhor. Concordo com ele na generalidade e contigo, Paulo, na especialidade. Quando fui comer leitão à BoaVista (recentemente) vi chegar o empregado que prepara os 'leitanitos'. Chegou com muita brilhantina no cabelo, chaves do carro e carteira na mão. Despiu o blusão, arrumou as tralhas e ala que se faz tarde, fez-se aos 'leitanitos' mesmo debaixo dos nossos narizes ligeiramente contorcidos. Perdoámos-lhe pelo bem que nos soube, mas..."
Guida

dezembro 01, 2007

A ASAE - a opinião de A. Vilhena

"Ainda se lembram de quando, muito preocupada com o nosso bem estar e a nossa boa forma física, a Dinamarca propôs a pasteurização das massas queijeiras?E houve quem embandeirasse em arco... santa ingenuidade e abençoada ignorância!"
A. Vilhena

Visitei o link que sugere (do blog Café Portugal) e de facto surpreendeu-me a «estratégia dos dinamarqueses»:
"Lembram-se quando, muito preocupada com o nosso bem estar e a nossa boa forma física, a Dinamarca propôs a pasteurização das massas queijeiras. O que eu li por aí de aplauso a uma medida que ia matar germens, combater infecções e trazer saúde a rodos. Ingénuos, não perceberam que a indústria de laticínios dinamarquesa pressionava esta medida, não por estar preocupada com a qualidade de vida de cidadãos e consumidores mas, apenas, porque através da pasteurização conseguia quase anular as características distintivas dos diversos queijos. E depois de serem todos idênticos, eles até podiam fazer Queijo da Serra, Serpa, Ilha: passava a ser uma questão de alquimia e de rotulação."

Se é como diz, seria algo de maquiavélico.
Outra coisa que refere um dos comentadores - e concordo - é a diferente postura dos espanhóis face a estas medidas de pseudo-homogeneização da UE:
"Os nossos (des)governantes deviam negociar com a UE a manutenção e as boas práticas do nosso mundo rural, tal como fizeram os espanhóis."

E faço minhas as suas palavras:
"Deixem-me com as açordas, não me obriguem a espargos de lata e não me retirem do mercado as mação com bicho. Que eu tenho medo é das outras, tão bonitas, tão calibradas, tão quimicamente tratadas."

Disto, já Miguel Esteves Cardoso escrevia num dos primeiros números do Independente!...

A opinião de António Barreto sobre a ASAE... e uma pequena observação final minha

"A MEIA DÚZIA DE LAVRADORES que comercializam directamente os seus produtos e que sobreviveram aos centros comerciais ou às grandes superfícies vai agora ser eliminada sumariamente. Os proprietários de restaurantes caseiros que sobram, e vivem no mesmo prédio em que trabalham, preparam-se, depois da chegada da “fast food”, para fechar portas e mudar de vida. Os cozinheiros que faziam a domicílio pratos e “petiscos”, a fim de os vender no café ao lado e que resistiram a toneladas de batatas fritas e de gordura reciclada, podem rezar as últimas orações. Todos os que cozinhavam em casa e forneciam diariamente, aos cafés e restaurantes do bairro, sopas, doces, compotas, rissóis e croquetes, podem sonhar com outros negócios. Os artesãos que comercializam produtos confeccionados à sua maneira vão ser liquidados.
A SOLUÇÃO FINAL vem aí. Com a lei, as políticas, as polícias, os inspectores, os fiscais, a imprensa e a televisão. Ninguém, deste velho mundo, sobrará. Quem não quer funcionar como uma empresa, quem não usa os computadores tão generosamente distribuídos pelo país, quem não aceita as receitas harmonizadas, quem recusa fornecer-se de produtos e matérias-primas industriais e quem não quer ser igual a toda a gente está condenado. Estes exércitos de liquidação são poderosíssimos: têm Estado-maior em Bruxelas e regulam-se pelas directivas europeias elaboradas pelos mais qualificados cientistas do mundo; organizam-se no governo nacional, sob tutela carismática do Ministro da Economia e da Inovação, Manuel Pinho; e agem através do pessoal da ASAE, a organização mais falada e odiada do país, mas certamente a mais amada pelas multinacionais da gordura, pelo cartel da ração e pelos impérios do açúcar.
EM FRENTE À FACULDADE onde dou aulas, há dois ou três cafés onde os estudantes, nos intervalos, bebem uns copos, conversam, namoram e jogam às cartas ou ao dominó. Acabou! É proibido jogar!
Nas esplanadas, a partir de Janeiro, é proibido beber café em chávenas de louça, ou vinho, águas, refrigerantes e cerveja em copos de vidro. Tem de ser em copos de plástico.
Vender, nas praias ou nas romarias, bolas de Berlim ou pastéis de nata que não sejam industriais e embalados? Proibido.
Nas feiras e nos mercados, tanto em Lisboa e Porto, como em Vinhais ou Estremoz, os exércitos dos zeladores da nossa saúde e da nossa virtude fazem razias semanais e levam tudo quanto é artesanal: azeitonas, queijos, compotas, pão e enchidos.
Na província, um restaurante artesanal é gerido por uma família que tem, ao lado, a sua horta, donde retira produtos como alfaces, feijão verde, coentros, galinhas e ovos? Acabou. É proibido.
Embrulhar castanhas assadas em papel de jornal? Proibido.
Trazer da terra, na estação, cerejas e morangos? Proibido.
Usar, na mesa do restaurante, um galheteiro para o azeite e o vinagre é proibido. Tem de ser garrafas especialmente preparadas.
Vender, no seu restaurante, produtos da sua quinta, azeite e azeitonas, alfaces e tomate, ovos e queijos, acabou. Está proibido.
Comprar um bolo-rei com fava e brinde porque os miúdos acham graça? Acabou. É proibido.
Ir a casa buscar duas folhas de alface, um prato de sopa e umas fatias de fiambre para servir uma refeição ligeira a um cliente apressado? Proibido.
Vender bolos, empadas, rissóis, merendas e croquetes caseiros é proibido. Só industriais.
É proibido ter pão congelado para uma emergência: só em arcas especiais e com fornos de descongelação especiais, aliás caríssimos.
Servir areias, biscoitos, queijinhos de amêndoa e brigadeiros feitos pela vizinha, uma excelente cozinheira que faz isto há trinta anos? Proibido.
AS REGRAS, cujo não cumprimento leva a multas pesadas e ao encerramento do estabelecimento, são tantas que centenas de páginas não chegam para as descrever.
Nas prateleiras, diante das garrafas de Coca-Cola e de vinho tinto tem de haver etiquetas a dizer Coca-Cola e vinho tinto.
Na cozinha, tem de haver uma faca de cor diferente para cada género.
Não pode haver cruzamento de circuitos e de géneros: não se pode cortar cebola na mesma mesa em que se fazem tostas mistas.
No frigorífico, tem de haver sempre uma caixa com uma etiqueta “produto não válido”, mesmo que esteja vazia.
Cada vez que se corta uma fatia de fiambre ou de queijo para uma sanduíche, tem de se colar uma etiqueta e inscrever a data e a hora dessa operação.
Não se pode guardar pão para, ao fim de vários dias, fazer torradas ou açorda.
Aproveitar outras sobras para confeccionar rissóis ou croquetes? Proibido.
Flores naturais nas mesas ou no balcão? Proibido. Têm de ser de plástico, papel ou tecido.
Torneiras de abrir e fechar à mão, como sempre se fizeram? Proibido. As torneiras nas cozinhas devem ser de abrir ao pé, ao cotovelo ou com célula fotoeléctrica.
As temperaturas do ambiente, no café, têm de ser medidas duas vezes por dia e devidamente registadas.
As temperaturas dos frigoríficos e das arcas têm de ser medidas três vezes por dia, registadas em folhas especiais e assinadas pelo funcionário certificado.
Usar colheres de pau para cozinhar, tratar da sopa ou dos fritos? Proibido. Tem de ser de plástico ou de aço.
Cortar tomate, couve, batata e outros legumes? Sim, pode ser. Desde que seja com facas de cores diferentes, em locais apropriados das mesas e das bancas, tendo o cuidado de fazer sempre uma etiqueta com a data e a hora do corte.
O dono do restaurante vai de vez em quando abastecer-se aos mercados e leva o seu próprio carro para transportar uns queijos, uns pacotes de leite e uns ovos? Proibido. Tem de ser em carros refrigerados.
TUDO ISTO, como é evidente, para nosso bem. Para proteger a nossa saúde. Para modernizar a economia. Para apostar no futuro. Para estarmos na linha da frente. E não tenhamos dúvidas: um dia destes, as brigadas vêm, com estas regras, fiscalizar e ordenar as nossas casas. Para nosso bem, pois claro."
António Barreto
«Retrato da Semana» - «Público» de 25 de Novembro de 2007


Hoje fui almoçar a um restaurante que mudou de gerência. Os novos donos falaram-me do que encontraram na cozinha, quando lá entraram pela primeira vez. E bastou-me ouvir isso para aceitar melhor o que a ASAE faz. E para não ser tão anti-ASAE como era até ontem...

novembro 21, 2007

Cientistas fazem luz sobre os efeitos da mudança de hora

Alguns excertos do artigo de Tom Paulson "Scientists shed light on effects of clock change" em SeattlePI.com:

"Cientistas defendem que a manipulação do tempo duas vezes por ano tem claramente alguns inconvenientes. Isto é devido em larga medida aos múltiplos relógios biológicos do nosso organismo, que evoluiram de modo a operar de acordo com o comportamento do sol.
«A luz da manhã é a luz mais importante para sincronizarmos os nossos ritmos circadianos», defendeu o Dr. David Avery, psiquiatra na Universidade de Washington especializado em estudar a ligação entre luz, sono e depressão. O ritmo circadiano diz respeito ao ciclo de 24 horas da vida na Terra.
Quando a mudança de hora é efectuada e reduz a luz matinal, diz Avery, o risco de depressão sazonal aumenta em algumas pessoas. Disse que se pode ainda esperar por aumento do número de acidentes de tráfego, à medida que as pessoas que se deslocam para os seus empregos lutam contra a biologia.
«De um ponto de vista biológico, realmente a mudança de hora não faz qualquer sentido», concordou Horacio de la Iglesia, um neurobiólogo da Universidade de Washington que estuda a forma como o cérebro governa alguns dos outros relógios biológicos do corpo.
A maioria das pessoas sabe que o cérebro funciona de acordo com um relógio biológico neste ciclo solar de 24 horas. De la Iglesia mostrou que o corpo humano depende de facto de muitos desses relógios biológicos, uma rede coordenada que precisa de funcionar em sincronia.
«Há relógios biológicos no fígado, pulmões e também em outros órgãos», disse. «Temos estes ritmos circadianos porque eles permitem ao corpo antecipar eventos cíclicos».
Por exemplo, disse ele, as glândulas supra-renais libertam a hormona de stress cortisona antes de você se levantar em cada manhã, para mover o açúcar, glucose acumulada, das células para a circulação sanguínea. «Isso ajuda-o», disse de la Iglesia. Alguns destes relógios biológicos podem ajustar-se razoavelmente rápido ao ciclo dia-noite (recuperando do jet lag, por exemplo) mas outros parecem necessitar de mais tempo, disse.
De um ponto de vista científico, a mudança de hora, tal como os mapas mostrando os fusos horários e o conceito de Tempo Universal Coordenado (anteriormente chamado Tempo Médio de Greenwich) não são em conceito menos arbitrários que a decisão de algumas comunidades de não aceitar estas regras."

Recomendo a leitura do artigo completo (em inglês).

Mudança de hora - estúpido desperdício de esforços

Adenda do OrCa em tempo (só não sei se pela hora antiga):

"Pois, meu caro, agradecendo o destaque, cá vou reiterando o que fica dito. Já lá vai um mês e o meu relógio biológico não me larga, nem condescende!
Uma hora antes de ser preciso, lá vem a hora da mija - e nem tenho problemas prostáticos, felizmente... -, lá me vem o chamamento das torradas e do leitinho, como prenúncio de mais um mergulho na fila de trânsito.
E, depois, tentar dormir para quê? Uma meia-horita? Só faz dores de cabeça. Ir para o trânsito mais cedo? Não vale a pena, pois chego ao emprego mais cedo mas não posso sair mais cedo... É só contrariedades e arrelias!
Quando, daqui a cinco meses, já tiver convencido o meu biorritmo da inevitabilidade legal, mudam-me a hora outra vez! E reinicia-se a saga, agora com a agravante de desconvencer quem tinha acabado de ser convencido.
Se isto não é um estúpido desperdício de esforços, é o quê?

Um grande abraço.
OrCa"

novembro 14, 2007

A mudança de hora é "a modos que uma passagem de escudos para euros semestral"

O OrCa é um lutador de causas. E esta é uma pela qual vale a pena lutar:

"Tu sabes que eu estou por ti neste combate. Já nem sei que mais argumento esgrimir para confirmar a grandiosidade do disparate...
A verdade é que, à medida que a idade vai entrando por nós adentro, pelas partes anatómicas mais conspícuas, tudo se nos torna de mais difícil adaptação e aconchego. É assim, que continuo com os sonos trocados e mais de dois terços dos relógios cá de casa continuam carentes de acerto.
Tem vantagens. Por exemplo, aos fins de semana nunca sei a quantas ando. Mas quando há compromissos é chato.
Os relógios é que já são tantos, por força das modernices, que os meus velhos dedos têm bem mais que fazer do que andar a acertá-los a todos, ainda para mais se daqui a seis meses volta tudo ao mesmo. É uma perda de tempo!
Depois, durante para aí um mês, um mês e meio, anda tudo aflito com as horas, não sendo raro ouvirmos alguém completar uma frase temporal com a funesta expressão 'pela hora antiga'. É assim a modos que uma passagem de escudos para euros semestral que nos destrambelha os neurónios e outras partes mais atreitas a rotinas biológicas.
Eu, se mandasse, mandava-os à fava... mas sempre pela hora antiga que era para chegarem mais cedo!

Um abraço.
OrCa"

novembro 03, 2007

A minha sexta carta de trás da Serra na revista Perspectiva

Olá,

Desculpa eu estar a escrever-te com o meu ânimo em baixo, mas só de pensar que no dia 28 de Outubro vai passar a ser a hora de Inverno, perco toda a vontade quer de pão, quer de circo. Aliás, é tanta a raiva de ter que me adaptar à força às mudanças de hora que, se estivesse a usar uma máquina de escrever das antigas, pelo menos os pontos finais aparecer-te-iam nesta carta como buracos na folha.
Talvez por isso me apeteça hoje falar-te de algo que nos preocupa muito desde há já alguns anos: a situação difícil em que está o sector dos têxteis e confecções, que emprega tantas pessoas aqui na nossa terra. E, ao contrário de regiões onde há mais indústrias e de diversas actividades, aqui por perto não há praticamente nenhumas alternativas à única fábrica de confecções que existe.
Lembras-te da minha carta quando, há uns quinze anos atrás, regressei de uma viagem de trabalho à Alemanha? Contei-te que, na região que visitei, dezenas de fábricas cerâmicas tinham encerrado há pouco tempo, devido à invasão do mercado por produtos mais baratos da Europa de Leste e da Ásia. Foi claro para mim, se te recordas, que a globalização, se não seria um bicho-de-sete-cabeças, teria pelo menos seis, como num desenho que o Lourencinho do Professor Rogério fez um dia sobre uma cadeira do curso de engenharia: grande pincel!
Mas temos o que merecemos, não achas? Como trabalhadores, queixamo-nos da concorrência desleal. Só que, como consumidores, compramos o que e onde é mais barato, «esquecendo-nos» da nossa revolta. Alguém deixa de comprar produtos numa «loja dos chineses», por exemplo, por não conseguir saber como é possível vender com aqueles preços e ter lucro? Ou alguém, antes de pagar, faz cálculos ao que poderá ser o salário de quem fabrica aquilo? Pois é, como trabalhadores queremos que as nossas empresas tenham sucesso, mas como consumidores a prática é outra.
Como sabes, durante vários anos aceitei desafios para tentar recuperar empresas em situação difícil, inclusivamente no sector têxtil. E sempre houve algumas coisas que me fizeram muita confusão. Os trabalhadores admiram-se sempre de haver encomendas e a empresa deixar de pagar salários, mas será que ninguém pensa que o problema está nos preços de mercado esmagados pela concorrência, muitas vezes também desesperada, e que não permitem cobrir os custos? Porque há sempre quem ache que o Estado deve apoiar empresas em situação difícil, sabendo que isso se torna uma forma de concorrência desleal para com outras empresas? Por que motivo os sindicatos acham que a melhor «forma de luta» numa empresa em situação difícil é a greve? Não conseguem antever o impacto negativo que quaisquer paragens têm em termos de prazos de entrega, agravamento de custos e deterioração da imagem da empresa perante os clientes, fornecedores e bancos? O que leva algumas pessoas a queixarem-se das condições de trabalho e da situação das suas empresas quando, entretanto, não cumprem parcial ou completamente as suas obrigações laborais, prejudicando os seus colegas e a empresa como um todo? É que, como sempre me ouviste dizer, uma empresa não pode ser a Santa Casa da Misericórdia!
Voltemos à nossa terra, que é onde se está bem. Sei que concordas comigo quando digo que esta gente tem uma capacidade de resistência fora de série, à imagem das giestas que crescem entre os penhascos de granito e resistem ao frio cortante da serra. É a nossa riqueza (do) interior. Despeço-me com votos de que nos consigamos sempre adaptar ao que o futuro nos trouxer.

Paulo Proença de Moura
Página on-line da revista «Perspectiva». Na secção das Crónicas estão disponíveis todos os meus textos anteriores.

ps - tenho que agradecer ao meu amigo Pedro Laranjeira a sugestão que ele me deu com o anúncio que colocou na página da minha carta na revista Perspectiva. É bom andar prevenido e isto não é de granito dente de cavalo, como o monumento fálico do Ferro.

outubro 26, 2007

Mudança da hora pode ser prejudicial a longo prazo para o relógio biológico natural


O semanário Sol publicou no dia 24/10 esta notícia on-line sobre a problemática da mudança de hora que, pela sua relevância, transcrevo aqui na íntegra:

Um estudo hoje divulgado revela que a mudança da hora legal, que acontece no próximo fim-de-semana, pode ter efeitos prejudiciais na saúde a longo prazo, porque o ritmo biológico não se ajusta imediatamente.
A descoberta, publicada na versão online da revista Current Biology, sugere que esta regular mudança de hora, praticada por cerca de um quarto da população mundial, representa uma significativa interrupção sazonal que pode ter efeitos em outros aspectos da fisiologia humana.
«Quando implementamos pequenas mudanças no sistema biológico que por si só parecem triviais, os seus efeitos, quando vistos num contexto mais vasto, podem ter um impacto muito maior do que tínhamos pensado», disse Till Roenneberg, da Universidade Ludwig-Maximilian em Munique, na Alemanha.
«É muito cedo para dizer se a mudança da hora tem sérios efeitos na saúde a longo prazo, mas os nossos resultados indicam que devemos considerar esta hipótese seriamente e fazer muito mais pesquisas» sobre a adaptação dos indivíduos a esta mudança, acrescentou.
Tal como em outros animais, o relógio natural do ser humano usa a luz do dia para permanecer em sincronia com o seu ambiente, quando as estações mudam.
De facto, diz Roenneberg, isto é tão exacto que o comportamento humano se vai ajustando progressivamente ao aumento da escuridão do Oriente para Ocidente, sem contar com as zonas de tempo estabelecidas por lei.
Apesar de aproximadamente 1,6 mil milhões de pessoas mudarem de hora, poucos estudos investigaram como é que os padrões de sono se ajustam com a alteração nos dias.
A equipa fez um vasto estudo que examinou os padrões de sono de cerca de 55 mil pessoas na Europa central e concluiu que o tempo biológico de dormir segue a progressão natural do amanhecer, segundo um tempo padrão que não é o estabelecido pela mudança legal da hora.
Num segundo estudo, foi analisado em 50 pessoas o tempo de sono e de actividade durante as oito semanas que seguem cada uma das duas mudanças de hora, na Primavera e no Outono, levando em conta as preferências de cada relógio biológico individual, ou 'cronotipos', das primeiras horas do dia ao horário nocturno.
Neste caso descobriram que os níveis de actividade e de sono se ajustam mais rapidamente à mudança da hora no Outono e que, ao início, o tempo em que o organismo está activo não se ajusta à mudança da hora na Primavera, especialmente naqueles que gostam de estar acordados até tarde antes de ir para a cama.
«Pensamos que a mudança de tempo forçada pelas transições da mudança da hora é 'só uma hora', mas essa alteração tem de longe efeitos drásticos, quando vistos no contexto da mudança sazonal nos relógios biológicos ou ciclos circadianos», disse Roenneberg.
«Esta aparentemente pequena mudança de hora repete-se todos os dias nas semanas que se seguem», causando um repentino desfazamento no ciclo natural de acordar e dormir, acrescenta, exemplificando que é como se toda a população da Alemanha fosse transportada para Marrocos na Primavera e voltasse outra vez no Outono.
«Depois de examinar estes ajustamentos periódicos nos participantes, os nossos resultados mostram que, de uma forma geral, o ciclo circadiano não se ajusta à transição da mudança da hora», disse Roenneberg.
«Isto é especialmente óbvio nos que se deitam tarde na Primavera, quando olhamos para os seus padrões diários de actividade. Essencialmente, o seu tempo biológico permanece dentro do padrão do tempo de Inverno, enquanto têm de ajustar as suas agendas sociais ao avanço da hora durante todo o Verão», conclui.
A equipa de investigadores inclui ainda Thomas Kantermann e Myriam Juda da Universidade de Ludwig-Maximilian em Munique e Martha Merrow da Universidade de Groningen, em Haren.
No próximo domingo, dia 28, os relógios em Portugal continental e na Madeira atrasam 60 minutos às 2h, com a entrada em vigor da hora de Inverno.
Nos Açores, a alteração acontece à 1h, quando nos relógios passa a ser meia-noite.
O contrário acontece após a entrada da Primavera, em Março, altura em que os relógios adiantam uma hora para cumprir a hora de Verão.
A Comunidade Europeia patrocina estudos regularmente em todos os países para avaliar da necessidade ou benefícios da mudança da hora.

Lusa / SOL

outubro 24, 2007

Mudança de hora - avançamos com uma petição?

Mais um comentário recebido sobre este assunto, agora que estamos a menos de uma semana da mudança para a hora de inverno:

"Sou a favor de uma petição contra mudança da hora. É simplesmente deprimente sair do trabalho ou da escola já de noite. Isto quer dizer que as consequências sao tao negativas para miúdos como para graúdos. Falo por experiência própria!
Sim, ficamos com mais horas de luz para produzirmos, e o tempo de lazer e de felicidade? Querem ver as estatísticas sobre as situações de stress, de depressões e de outras patologias dos nossos dias. Viajei muito pelo Europa e asseguro-vos que não temos nada a ver com eslavos ou nórdicos que adoram acordar cedo. Temos ritmos de vida culturais diferentes e isso reflecte-se a nível biológico. Penso que a maioria dos Portugueses concorda comigo. E desde já vos digo, não me importo nada de ir trabalhar de noite, desdamente que tenha uma hora luz que me permita gozar o descanso com outras pessoas e fora de casa."

Marco Rosa

Agradeço-lhe a achega que nos dá. E se me explicar como se pode avançar com uma petição, terei todo o gosto em iniciar esse processo.
Entretanto, remeto-vos para o link ali ao lado, com uma análise argumentativa desta problemática da mudança de hora.
PM

setembro 02, 2007

"as mentes brilhantes que servem o capital (ou será a capital?) entendem que se deve mudar a hora"

Mais uma opinião recebida sobre a mudança de hora.

"Em tempos enviei um e-mail para a página do Senhor Presidente, mas suponho que ainda estão a pensar na resposta que me devem dar...
Diz o povo e com razão que mudança de hora não... mas as mentes brilhantes que servem o capital (ou será a capital?) entendem que se deve mudar a hora. E se os empresários interessados nesta situação tiverem grandes negócios com o Oriente? Também corremos o risco de ter um horário semelhante? Será que é muito complicado fazerem turnos nas empresas por forma a terem horários semelhantes aos seus parceiros de negócios e deixar o resto do povinho (que é a maioria) dormir em função do relógio do sol?
Lourdes Antão"

setembro 01, 2007

A minha quinta carta de trás da Serra na revista Perspectiva

Olá,

Espero que as coisas estejam mais calmas aí pela capital, agora que têm um novo presidente da Câmara, pois já andávamos todos demasiado preocupados com tantos problemas que Lisboa apresenta. Nem conseguíamos dormir, a pensar nos radares da segunda circular, nos contentores entre a cidade e o Tejo, no endividamento da Câmara, nas contas das empresas municipais, nos indícios de corrupção, nos assessores dos vereadores, nas alterações do PDM,...
Mas o que mais me tira o sono são os ataques pessoais e polémicas constantes entre pessoas de partidos diferentes e o vergonhoso fechar de olhos – quando não há mesmo elogios públicos – às maiores boçalidades que possam ser ditas ou asneiras que possam ser feitas, quando se trata de alguém do mesmo partido. É por estas e por outras que dou razão aos meus Pais e à minha Avozinha, professores primários (agora seriam professores do ensino básico), que me ensinaram, quando eu era criança, a resposta a dar quando me perguntassem qual é o meu partido: "A minha política é a política do trabalho". E, de facto, há valores que parecem ser inconciliáveis, pelo pouco que me posso aperceber daqui, detrás da Serra.
Recordas-te quando o meu Pai voltava a pôr no ninho, nos beirais do telheiro da escola, os passaritos que de lá caíam e conseguiam sobreviver? De o ver ajudá-los a voar quando já tinham penas mas ainda não confiavam em si próprios? Lembrava-me depois dessas avezitas sempre que, ao longo dos anos, tantas pessoas o iam visitar a nossa casa, muitas vezes vindos daí, da capital, ou de França, ou de outros países para onde tinham emigrado... para o rever e lhe transmitir como foi importante nas suas vidas.
O meu Pai tinha sempre uma anedota ou uma história engraçada da sua vida para contar. Como aquele aluno que tinha cinco anos de escola mas não conseguia passar da primeira classe. Um dia, o meu Pai escreveu um "i" no quadro, esmerando-se em realçar com o giz a pintinha em cima. E chamou o Zé:
- Zé, vem ao quadro e vê se me dizes que letra é esta.
O Zé olhou para o quadro fixamente e afiançou:
- Eu sei... mas não me lembro!
- Vê lá, Zé, que até tem uma pintinha no cimo – recordou-lhe o professor.
- Ai, Jesus! Mas eu sei! – tornou a afirmar o Zé, metendo um dedo na boca, num esforço enorme para se lembrar. O professor tornou a ajudá-lo, com a paciência das causas perdidas:
- Ó Zé, então qual é a única letra que aprendemos a escrever até agora que tem uma pintinha?
Como um relâmpago, o dedo do Zé sai disparado da boca e aponta para o quadro, enquanto da sua boca orgulhosa sai a resposta tão esperada:
- Ah! Pois! É o que eu pensava: é um nove!
Um caso idêntico foi o de um moço que, após vários anos na escola, também não conhecia sequer as letras. Como estava muito alto, não podia continuar à frente, junto das crianças de sete anos. E por isso o meu Pai colocou-o nas carteiras de trás, onde estavam os alunos da terceira classe. Foi eufórico que o garoto chegou a casa nesse dia e disse para a Mãe:
- Ó Mãe! Hoje passei para a terceira classe!
Noutra ocasião, numa campanha de educação de adultos, uma colega do meu Pai reparou que, na prova de redacção, um aluno bufava, suava... enfim, estava apatetado de todo. E tentou animá-lo:
- Então, o senhor sente-se mal? Quer um copo de água?
Responde o adulto:
- Não, minha senhora, eu não estou mal. Estou preocupado com o palerma do meu irmão, que na redacção se foi meter com o boi e a vaca. Ora, eu já me vejo atrapalhado só com o boi, quanto mais meter a vaca também!
Se quisermos e se estivermos atentos, podemos aprender muito com estas histórias, não achas?
E é com os olhos rasos de saudade que me despeço e te mando um abraço que, mesmo distante, é bem apertado.

Paulo Proença de Moura
Página on-line da revista «Perspectiva». Na secção das Crónicas estão disponíveis todos os meus textos anteriores.
________________________
O meu colega e amigo dos tempos de faculdade, Fernando Bravo, enviou-me esta história idêntica, que se passou com ele:
"Embora tenha o privilégio de ter conhecido a história do Zé em primeira mão, fiquei muito contente de te ver (em fotografia não mudaste muito) e de te ler (não sabia que eras escritor, mas agora com a Margarida Rebelo Pinto...).
Relativamente ao teu artigo só lhe faltou o shotaque para ser perfeito, mas enfim, não se pode ter tudo.
Já agora aí vai uma que se passou comigo e podes usar: Uma aula de Ciências da Natureza, 6º ano, em que o professor (este humilde servidor público) já estava com os cabelos em pé com a quantidade de «Zés» que tinha na turma. De cabeça perdida digo: «Vocês são é burros!». Responde o Francisco, todo zangado: «Eu não sou burro. Não tenho cornos!» Fez-se silêncio e muito suavemente começam a ver-se sorrisos, depois risinhos e, por fim, gargalhada geral. Nisto há um dos outros «Zés» que corrige o colega: «Ó burro! Aquilo que tem na cabeça são orelhas!». Resposta do Francisco, um pouco encabulado: «Ou isso!»."

julho 21, 2007

A minha quarta carta de trás da Serra na revista Perspectiva

Olá,

Continuas sem responder às minhas cartas mas eu compreendo-te. Como se já não bastassem os nervos em franja dessa vida e trabalho na capital, ainda deves estar a recompor-te do terceiro salão erótico. Mas está descansado, que eu não conto nada à tua mãe. Ainda ontem estava eu na esplanada do Pielas, a conversar com o Manchinha e ela estava a sair da missa vespertina, com o senhor padre.
Há dias tivemos uma patuscada na quinta do Panasco com uns amigos nossos que vieram de Coimbra visitar-nos. Não conheciam o Dadinho e ficaram muito admirados com algumas das peripécias dele que lhes contámos. Como quando ele ainda era pequenino e ia com o pai (o saudoso ti'Manecas da mercearia) de carro, de Caria para a Covilhã. Ainda não havia a auto-estrada da Beira Interior e a recta de Lamaçais era, para os nossos olhos, enorme nos seus 700 metros. Para mais, a seguir a essa recta havia – e há – outra recta, mais curta. Pois o Dadinho, admirado com a extensão da recta de Lamaçais, disse:
- Ó pa-pa-pai, que recta tã-tã-tão grande!
- Pois é, filho – condescendeu o ti'Manecas, mais preocupado na lista de compras que tinha de fazer na Covilhã.
Quando o ti'Manecas fez a curva e entrou na outra recta, o Dadinho admirou-se ainda mais:
- E continuuuuuuua!...
Ou quando o Dadinho foi acampar com o Lourencinho Filho Mais Velho do Professor Rogério para a Nave de Santo António, que tu sabes, mas muitos não, que é um vale glaciário na Serra da Estrela. Estavam os dois a dormir, quando o Lourencinho ouviu o Dadinho a tentar abrir desesperadamente a tenda, procurando os fechos precisamente no lado oposto àquele em que estavam. O Lourencinho apercebeu-se que o Dadinho estava aflito e, com medo dos estragos potenciais no interior da tenda, lá lhe deu a indicação para conseguir abrir o fecho... e continuou a tentar dormir. Mas o Dadinho, ao assomar a sua cabeça da tenda, gritou para o Lourencinho:
- Ó Lourenço, anda ver que-que-que paisagem ma-ma-maravilhosa!
O Lourencinho achou tão estranho... mas como o Dadinho insistiu, lá foi espreitar. Um carro branco estava estacionado mesmo à frente da tenda. E o Lourencinho teve que lhe pedir que pusesse os óculos:
- Pensavas que era neve, era?
Mas o Dadinho esclareceu:
- Nã-nã-não. Pen-pen-pensei que era o luar re-re-reflectido nos Cântaros...
E quando o Dadinho estava a jogar futebol com os amigos? Tu deves lembrar-te, que também lá estavas. Aproximou-se isolado da baliza adversária, um companheiro passou-lhe a bola... e ele estatelou-se no chão, sem ninguém lhe tocar, com a bola incólume a escapulir-se sem qualquer perigo para o guarda-redes. Enquanto os adversários se riam da cena e de alívio, os companheiros de equipa acorreram, num misto de cólera por perderem um golo certo e de gozo pela figura triste dele:
- Então, Dadinho, escorregaste?
- Nã-nã-não foi nada disso – esclareceu – ê-ê-eu ia chutar a bo-bo-bola com o pé esquerdo, mas não cheguei lá-lá-lá. Por isso ten-ten-tentei com o pé direito. Só-só-só depois é que me apercebi que esta-ta-tava com os dois pés no ar!...
E lembras-te das festas de aniversário dele? Memoráveis! A mãe sempre nos serviu uns belos acepipes. Mas o maior sucesso sempre foi o chouriço, uma delícia. Lembras-te de cantarmos umas quadras feitas por nós e com a música do «Parabéns a você»? Numa delas cantámos todos assim: “Da-da-da-da-dadinho / és-és-és o maior / não deixas teu chouriço / ga-ga-ganhar bolor”.
Um abraço para ti deste que por cá vai andando,

Paulo Proença de Moura
Este artigo na revista (ficheiro jpg)
Página on-line da revista «Perspectiva»

junho 09, 2007

A minha terceira carta de trás da Serra na revista Perspectiva

Olá,

Então como tens andado? Pelas notícias que aqui nos chegam, tem sido uma grande lufa-lufa aí pela capital. Por cá "está tudo na mesma, como a lesma". Ou pior ainda: terras abandonadas, empresas que fecham, infra-estruturas que não aparecem e outras que desaparecem.
No domingo fomos para casa do Quatro Papos-secos, como sempre que há jogos de futebol dos nossos clubes que sejam transmitidos na televisão. Depois de tantos anos, ainda não nos fartámos e nunca tal acontecerá, porque aquilo funciona como o apito de uma panela de pressão: chamamos nomes à equipa adversária, ao árbitro e, claro, entre nós, porque «amigos, amigos, clubes à parte». Aliás, não é raro cortarem-se relações durante um período de tempo que pode ir de segundos a anos, como naquela vez em que o Chico Padeiro disse que a bola tinha entrado e o Betes negou: "ficou afastada mais de trezentos metros da baliza, carais". Ainda hoje não se falam... e às tantas já nem se lembram do motivo. A malta até comenta que isto faz lembrar os habitantes da Córsega, numa das aventuras de Astérix.
Desta vez, o jogo estava tão morno que a conversa derivou para a política. O Dadinho chamou nomes aos governantes como se fossem árbitros: "andam todos à mama, carais". O Lourencinho do Professor Rogério lá lhe disse que não se podia generalizar, já que "há coisas bem feitas e políticos que fazem um bom trabalho". E deu o exemplo de muitas das medidas de desburocratização da administração pública que estão a ser tomadas. "O Simplex, não é? Nem daqui a trezentos anos aquilo se endireita", refilou o Zé Léu entre um gole de cerveja e um arroto. Mas todos reconhecemos que isto precisava era de muitos Simplex, na administração central mas também na local. Como sugeriu o Careca, "algumas câmaras municipais precisavam era de uma barrela, carais".
"Gooooooooooooo...", começou a gritar o Zé Léu, mas o árbitro tinha marcado fora de jogo. Corrigiu a tempo: “Goooooooole de cerveja”. E pimba, que estava calor.
Fomos para intervalo.
Todos concordámos em duas coisas: os petiscos que a Ana do Quatro Papos-secos preparou estavam uma delícia; e os políticos sofrem do mesmo problema do pastor que tantas vezes gritava por brincadeira "Socorro! Um lobo!" que, quando estava mesmo a ser atacado por um lobo, ninguém acreditou nele e nenhum colega o foi socorrer. "Os políticos deviam ser responsabilizados, não só perdendo depois eleições, pelas promessas que fazem e não cumprem", como sugeriu o Careca. "E os partidos que estão na oposição não deveriam atacar os governos de forma gratuita, como muitas vezes o fazem", rematou à baliza o Zé Léu. “Até porque depois vão eles para o governo e é vira o disco e toca o mesmo, carais”. E a malta gritou “gooooooloooooooo”.
"E o nosso John?", perguntou o Dentes. De quem ele se foi lembrar. Foi como se estivéssemos a ver a selecção portuguesa a receber uma taça e a ouvir o hino nacional. Não sei se tens visto o John aí pela capital, agora que ele é secretário de Estado. Ele, que tecnicamente é reconhecido por todos como um dos melhores especialistas na sua área em Portugal, está a fazer um óptimo trabalho no Governo. O Dadinho perguntou-nos se nos lembrávamos de "quando a televisão ainda era a preto e branco e o John apareceu vários dias num programa, sozinho, a explicar o que iria ser o IVA", algo de que ninguém até ali tinha ouvido falar e iria passar a fazer parte das nossas vidas. Claro que todos se lembravam. Tu lembras-te?
O Careca disse algo bem visto: "Vê-se trabalho, há resultados e não há ondas". Seria tão bom se a política fosse toda e sempre assim...
As nossas mulheres estavam agora junto de nós, enquanto o jogo não recomeçava. Interromperam as suas conversas – ninguém compreende como conseguem estar horas a falar – para criticarem o John, que "está muito gordo".
"Já recomeçou o jogo", gritou o Quatro Papos-secos. E lá fomos todos chamar de novo nomes ao árbitro, revezando-nos conforme ele marcava faltas a uma ou outra equipa. Desde que a cerveja não acabe no frigorífico, isto é que é vida, carais!
Bem hajas pelo intervalo que fizeste na tua azáfama para leres esta carta.
E recebe um grande abraço deste que não joga nada e a quem por isso vós chamais Cruijff desde os tempos de juventude,

Paulo Proença de Moura
Este artigo na revista (ficheiro pdf)
Página on-line da revista «Perspectiva»

junho 05, 2007

PT que os... (3)

Sabiam que a forma de os clientes da PT acabarem com estes massacres das chamadas promocionais é ligar para o 16200, marcar 9 para falar com um assistente e dar-lhe instruções para deixarem de ser incomodados com chamadas de telemarketing?
Simples e eficaz. Pelo menos para já, deixei de receber chamadas da PT à hora de jantar, à noite e aos fins de semana.

maio 26, 2007

PT que os... (2)

Chamada anónima.
Normalmente não atendo, mas hoje foi uma excepção:
- Bom dia, daqui é a PT Comunicações, fala Xxxxxx Yyyyyy. Posso falar com o senhor João Paulo Calheiros Proença de Moura?
- Qual é o assunto?
- Posso falar com o senhor João Paulo Calheiros Proença de Moura?
- É esse o assunto?!
- É para lhe falar sobre Planos de Preços.
- Sim? Não precisa. Eu conheço... e já tenho um Plano de Preços.
- E que Plano de Preços tem?
- A senhora está-me a ligar da PT e não sabe que Plano de Preços eu tenho?!
- Não.
- Então vá estudar a lição e depois telefone!
E desliguei.

Razão tem um amigo meu, que quando atende estas chamadas pede para aguardar porque vai chamar o senhor Aaaaaaa Bbbbbbbbbbbb (ele próprio) e deixa o telefone em cima da mesa durante uns bons minutos, até do lado de lá se cansarem e desligarem a chamada.

Outro amigo meu prefere pedir a quem lhe liga: «Olhe, agora não posso atender, mas dê-me o seu número de telefone de casa e eu ligo-lhe logo que possa».

TV Cabo e telefone por internet

Já aderiram à campanha da TV Cabo para um telefone por internet? "Por apenas 9,99€/mês e sem qualquer custo adicional, pode realizar chamadas ilimitadas para a rede fixa nacional."
Achei uma maravilha, mas estranhei esta concorrência à PT, sendo ambas as empresas do mesmo grupo.
Pois é... mas as chamadas para as redes móveis são a € 0,25 por minuto, muito mais que na PT, em que custam € 0,1331 no primeiro minuto e até € 0,2240 nos seguintes.
Ou seja, façam bem as contas, já que hoje em dia um peso significativo das chamadas é para telemóveis e esta oferta, que parece à primeira vista uma excelente opção, pode não compensar. No meu caso, não compensa.

PT que os...

Como decerto toda a gente que subscrevia o Plano de Preços PT Noites 21h-9h, com a última factura recebi um folheto em que a PT informava que esse plano passava a ser gratuito. Finalmente via algo de concreto dos anúncios dos Gato Fedorento!
Óptimo? Não, porque na factura (eu e a minha mania de verificar tudo) estava de facto esse Plano com preço 0 €... mas um outro Plano PT Noites 19h-21h activado... e debitado. Reclamei para a PT. Ficaram de cancelar esse serviço que não requisitei e recebi uma carta a informar-me que me creditariam o valor entretanto debitado "por motivos meramente comerciais". Eis a minha resposta, que espero seja útil para quem tem uma situação idêntica:

"Estimado(a) fornecedor(a),

Agradeço a vossa carta 4605PP239443570/NEG25455809/DSPV/GRN de 5/5/2007 em que me informam que irão creditar o valor indevidamente facturado do Plano PT Noites 19h-21h.

Eu poderia ficar razoavelmente satisfeito, depois da surpresa agradável que tive em saber que o Plano PT Noites 21h-9h, que eu subscrevo há já algum tempo, passava a ser gratuito... e da surpresa desagradável e revoltante de verificar na factura que a PT me passou a debitar o Plano PT Noites 19h-21h, por sua iniciativa e sem qualquer autorização da minha parte.

Mas a PT borrou a pintura toda quando me escreveu que faz este crédito "por motivos meramente comerciais".
Motivos meramente comerciais?! Então a PT acha-se no direito de me inscrever num plano de preços sem minha autorização e ainda acha que isso é uma atitude comercial?! Nem sequer me informa desse facto e ainda acha que isso é uma atitude comercial?! Não se preocupa em saber se está a fazer algo que se adequa aos interesses do cliente e ainda acha que isso é uma atitude comercial?! Ninguém na PT pensou que entre as 19h e as 21h o cliente pode nem sequer estar em casa ou ser hora de jantar, pelo que nem haveria oportunidade de fazer chamadas grátis... pagando este Plano, e ainda acha que isso é uma atitude comercial?!

Em nome de todos os clientes que poderão não ter estado atentos a este vosso abuso, peço-vos que comuniquem esta situação a todos os clientes a quem fizeram o mesmo que me fizeram a mim. Sob risco de a PT ficar completamente descredibilizada com esta atitude. O mal já está feito. No meu caso pessoal, irão corrigi-lo com um crédito na próxima factura, como dizem e espero. Mas revolta-me pensar que tenham feito isto a outros clientes que não tenham reparado e, por isso, não reclamaram.

Cumprimentos,
Paulo Moura"

Responderam com um pedido de desculpas pelo teor da primeira carta. É muito pouco, tendo em conta que deveriam, depois da asneira feita, corrigi-la para toda a gente.

maio 12, 2007

Trutas regionalistas

Imagem: Trutalcoa

Foi uma surpresa muito agradável ver a minha segunda «carta de trás da serra» publicada no blog «Regionalização», cujo mote é «Descentralização - um imperativo nacional». As trutas do Côa e o pessoal de Caria agradecem. Ah! E eu também... mesmo não pescando nada...

maio 05, 2007

A minha segunda carta de trás da Serra na revista Perspectiva


Olá,

Não me respondeste à minha primeira carta, mas eu compreendo: os afazeres aí pela capital não deixam muito tempo livre para as coisas boas da vida.
A propósito, no domingo fui à pesca da truta no rio Côa, com a rapaziada do costume. Que pena não poderes ir! Como te deves recordar, para as nossas mulheres é um alívio, que ficam livres de nós durante o dia todo. Elas são as primeiras a querer que a gente vá: "Ide! Ide dar banho às minhocas". E riem umas para as outras, vá-se lá perceber porquê...
Lá fomos, bem de madrugada, para chegarmos ao Côa antes de começar a clarear. Ainda te lembras da delícia que é ver a natureza a acordar? E que pena não ter estado um calor abafado de trovoada ou não ter nevado, que seria ainda melhor. Sabes que nessas alturas as trutas ficam doidas e saem dos buracos nas pedras e raízes do fundo do rio?
Mas não nos estás a ver a contar com a pescaria para almoçarmos, pois não? Nem nós! Os petiscos vêm de casa. À hora em que nos deu fome, só tivemos que apanhar lenha para pôr a carne no grelhador. E o Pintainho, que continua um mestre da culinária, deu-lhe um toque de todas as estrelas do céu. A vinhaça, então, era de estalo. Enquanto o Regador nos relatava "a truta de meio metro" que picou mas conseguiu fugir, o Careca lembrou-se de ti e de como gostarias de estar ali connosco, "mas quis ir para a capital, para junto dos que mandam". O Pintainho, enquanto virava o entrecosto e o pincelava com o seu molho especial, disse o que todos pensávamos: "Isso de mandar é um saco cheio de nada. Quem busca o poder devia vê-lo como deve ser – responsabilidade perante os outros – e não, como é costume, um meio para obter benefícios pessoais". "É mesmo", respondemos em coro. "E ainda há quem defenda a regionalização e que se faça de novo um referendo", admirou-se o Manchinha, enquanto nos desafiava para jogar bolim. O Regador interrompeu a sua saga da truta de setenta centímetros – que fugiu quando já estava a um palmo da margem – para revelar o seu receio que, sem a regionalização, as trutas fossem todas para Lisboa. Imaginas a risada geral?
O Careca voltou a pôr o tema nos carris dos assuntos sérios: "Quem manda não quer perder poder. As regiões provavelmente não serviriam de nada, porque o poder central iria sempre alimentar-se de forma a não perder o seu peso". Mas o Quatro Papos-secos, que até aí tinha estado com a boca cheia, apresentou uma ideia brilhante. Anota aí e apresenta-a aos teus amigos da capital: "Criem regiões administrativas, mas não retalhem o país como estão a pensar. Olhem para Portugal (continente e ilhas) e imaginem uma pizza. Como o Terreiro do Paço é o centro emblemático do poder central, dividam o país em fatias, sendo o centro a pata direita do cavalo da estátua de D. José I, que como sabem é a esquerda, já que a outra está dobrada. Desta forma, cada região terá a sua fatiazinha de poder central... e ninguém se chateia".
Esta teoria do Quatro Papos-secos é tão interessante que até foi com algum pesar que lhe roubámos as trutas que tinha pescado, enquanto dormia a sesta.
Ao fim da tarde, como a faina não deu grande coisa, fizemos o que tínhamos a fazer, para não ouvirmos comentários cínicos sobre os nossos dotes de pescadores: subimos o rio e fomos ao viveiro entre Quadrazais e Vale de Espinho. Aí, foi só pescar o que quisemos, pesar e pagar, já que difícil ali é lançar a cana e não trazer nenhum peixe agarrado.
No carro, de regresso a nossas casas já com o sol posto, o Betes mostrou o seu receio: "Ainda nos descobrem a careca, porque no Côa há a truta arco-íris e estas do viveiro são trutas fário..."
O Quatro Papos-secos desdramatizou: "Informação é poder. Na nossa região, as nossas mulheres nunca poderão saber esses detalhes". E fizemos um voto de silêncio, na qualidade de pescadores.
Bem hajas pelo tempo que dedicaste a esta carta.
E recebe um abraço forte deste que não pesca nada,

Paulo Proença de Moura

Este artigo na revista
Página on-line da revista «Perspectiva»

Nota - na foto que enviei para a revista eu aparecia por trás da serra. Mas devem ter achado que eu sou mais fotogénico que a Serra da Estrela e que eu não poderia ficar em ponto pequenino. Quem adivinhar que zona da serra é esta recebe grátis a «Perspectiva» quando comprar o Público deste sábado:

abril 15, 2007

"O empregador marimba-se para o currículo escolar"

Esta frase foi proferida por Raul Machado, director de Recursos Humanos do Grupo Visabeira, no I Encontro Nacional de Estudantes de Engenharia Electrotécnica e de Computadores, que se realizou no passado dia 5 de Abril.
E justificou: "o que as empresas procuram nunca foi dito nas universidades". Referia-se a questões como a liderança ou a gestão das pessoas e da motivação, que definiu como "o saber ser, que não está nos currículos das universidades", que apenas ensinam o saber e o saber fazer.

Fonte: Diário de Coimbra, 6.4.2007


Estas declarações só podem ser consideradas polémicas para quem não conhece a vida prática das empresas. E podem ser perfeitamente extrapoladas para a área de gestão. Nas escolas de gestão - pelo menos que eu conheça - não se aprende de facto a «saber ser». Com prejuízo das empresas empregadoras... e obviamente dos próprios estudantes. A imagem da justiça (cega) poder-se-ia aplicar aos aprendizes de gestão que começam a trabalhar em empresas.
Até quando?

março 31, 2007

Carta de trás da Serra - o meu artigo no primeiro número da revista Perspectiva

Olá,

Espero que esta carta te encontre de boa saúde, aí pela capital. Nós por cá vamos indo, se não precisarmos de recorrer às urgências.
De vez em quando vejo-te na televisão, mas é claro que tu não me vês. Ser visto e não ver é um efeito do poder. Olha, isto podia até ser um provérbio popular.
O que me leva a escrever-te é que preciso de desabafar: houve agora a mudança de hora de Verão e faz-me sempre confusão. Com estas mudanças, durante os primeiros dias, no Inverno dá-me fome quando ainda não é hora de comer. No Verão, ao contrário, tenho que comer quando não tenho ainda fome. Os meus sonos ficam todos trocados. O mesmo acontece com os relógios: usamos tantos que há sempre algum que escapa, com as confusões que isso gera. Faz-me confusão, no Verão, ser de dia às tantas da... noite. Felizmente as minhas filhas – estão lindas, havias de as ver – já não são pequenitas. Mas quando eram bebés, tantas vezes desesperámos porque não entendiam que alterássemos os horários para a mãe lhes dar peito, para dormir, para mudar a fralda...
Ontem à noite foi o tema de conversa no café Pielas. A Mariazinha, que já é advogada, disse que tem de ser, porque a Directiva comunitária 2000/84/EC estabelece esse regime para todos os países da União Europeia. O Dadinho, que lê muitos jornais, explicou que a mudança de hora é para as empresas industriais pouparem energia, para ajustar as horas de ponta do consumo energético para iluminação aos períodos em que haja sol e para uniformização de procedimentos. Ninguém entendeu...
O doutor Salgueiro disse que o sono e o repouso são fundamentais para a saúde. E que as mudanças de horas provocam perturbações no ritmo biológico das pessoas. Concordámos todos com o Chico Padeiro: o que dizem que se ganha em poupança perde-se em produtividade. O Betes queixou-se logo que não eram só as pessoas: os animais também não entendem mudanças de horários de ordenha. Claro que há sempre quem brinque: o Alex Lampião acabava com a hora de Verão... "mas mantinha a de Inverno, que sempre durmo mais uma hora". O Diogo Nal defendeu que merecíamos um louvor, "porque num país em que ninguém cumpre horários isto da mudança de hora até devia passar despercebido."
O Zé Papas, que está a estudar em Coimbra e veio passar as férias da Páscoa, disse que foi Benjamin Franklin que começou tudo isto, quando em 1784 escreveu um artigo humorístico para o «Journal de Paris», em que criticava os parisienses por se deitarem tarde e não acordarem antes do meio dia. Sugeria que a vida começasse uma hora mais cedo, calculando uma poupança anual de 29 mil toneladas de cera de vela.
Como disse ontem lá no café o Jorge Orca, "interessa que o ser humano seja capaz de sentir o pulsar da Terra e, com ela, das estações do ano". Não achas que devia ser mesmo assim?
Bem hajas – por aqui, felizmente, ninguém agradece obrigado – pelo tempo que dispensaste a ler esta carta.
Manda cumprimentos meus a toda a malta que aí por Lisboa trata de nós com tanto esmero e carinho. É uma injustiça, o que se fala mal aqui pelos cafés a vosso respeito.
E recebe um abraço forte deste que te estima e se assina
Paulo Proença de Moura
jpcpmoura@gmail.comnatural de Caria, de trás da serra da Estrela,
é autor do livro «Persuacção – o que não se aprende nos
cursos de gestão», das Edições Sílabo
A última página da revista
Este artigo
Página on-line da revista «Perspectiva»

A partir de agora há uma nova Perspectiva...

... e eu tenho orgulho em participar nessa nova revista, dirigida editorialmente pelo Pedro Laranjeira.

Rita Egídio, João Malheiro e Alice Sousa, Directora Geral da revista, na festa de lançamento

Foto: César Soares /(numa excelente) Perspectiva

A «Perspectiva» foi apresentada no dia 30 ao público na Sociedade Portuguesa de Autores.
O press release descreve o que se passou lá... e justifica a minha ausência:
"É uma revista mensal de grande informação que conta com um quadro de colaboradores permanentes de grande experiência e reconhecido talento.
Destacamos algumas figuras bem conhecidas do público, como é o caso de Fernanda Freitas, do Programa Sociedade Civil, da RTP 2, Susana Fonseca, ambientalista e Vice-Presidente da Quercus, também colaboradora regular da RTP e que manterá uma página de perspectiva verde, Nuno Eiró, cronista regular com artigos de opinião, bem como três especialistas nas lides do futebol, eles próprios nomes polémicos dos media, que são Eduardo Madeira, a defender as cores do Sporting, Manuel Serrão, pelo azul Portista e João Malheiro a comentar em tons de vermelho-Benfica.
Cientistas, técnicos, médicos, escritores, artistas, professores e repórteres de muitas origens e saberes fazem também parte regular dos quadros de colaboradores da PERSPECTIVA.
Com carácter independente e generalista, aberta a todas as correntes de opinião, a nova revista sairá na última Sexta-Feira de cada mês, através do jornal «Público».
O número inaugural teve uma tiragem de 100.000 exemplares, o que faz deste título, à partida, um dos órgãos de maior circulação no panorama nacional da imprensa escrita.
A cerimónia de apresentação foi acolhida pela Sociedade Portuguesa de Autores, cujo Vice-Presidente, José Jorge Letria, louvou a iniciativa, que classificou como um acto de coragem e caracterizou como uma aposta destinada ao triunfo, num país «que vive uma situação de grande confusão em relação aos media, onde muito gato se vende por lebre» realçando «o que é dito no editorial como projecto de aposta na diferença». A terminar, José Jorge Letria afirmou que «o público passará a ter na sua mão uma publicação equilibrada, tanto do ponto de vista gráfico como dos conteúdos, que, portanto, vai certamente fidelizar leitores e cumprir a sua missão».
Todos os colaboradores estiveram presentes, com excepção de Manuel Serrão, que se encontrava na Rússia, e do cronista Paulo Proença de Moura, na ocasião em Paris.
Esteve ainda presente Pedro Mariano, que passará a assinar uma página sobre Turismo.
Fernanda Freitas e Susana Fonseca foram duas das muitas pessoas que ali deixaram o seu testemunho, num encontro que terminou com um momento muito apreciado por todos os presentes, oferecido pelo poeta José Fanha, responsável por uma página regular de Poesia e busca de novos talentos, já a partir do próximo número, que encerrou a apresentação com um poema que encantou a sala.
Intervieram também alguns dos protagonistas de artigos e reportagens que fazem o primeiro número, como um cientista português de renome internacional, uma especialista em tecnologia para deficientes e o Comandante Vicente Moura, Presidente do Comité Olímpico de Portugal. Atenta ao conteúdo de natureza desportiva prometido para este primeiro número, a Secretaria de Estado da Juventude e Desporto fez deslocar à cerimónia o Assessor do Secretário de Estado e o seu Director de Comunicação.
Foi servido um Porto de Honra e prometida a presença, a partir de hoje na Imprensa portuguesa, de uma nova PERSPECTIVA".

Recomendo especialmente no primeiro número a leitura do artigo sobre José Afonso e a sua canção «Grândola Vila Morena», num momento vivido e contado pelo próprio Pedro Laranjeira. Parece que estávamos lá...
E o Raim é, como já sabia há muito, um mestre da ilustração.
Entretanto, já regressei de Paris, Pierre Oranger ;-)

março 26, 2007

Sabem bem que sou alérgico às mudanças de hora...

... e, por mais que analise esta questão, mais me convenço que os argumentos economicistas a favor da mudança de hora não deveriam sobrepor-se aos argumentos de saúde e bem-estar das pessoas. Pois o meu amigo Pedro Laranjeira convidou-me para escrever um artigo para o primeiro número da nova revista «Perspectiva», da qual ele é Director Editorial e eu optei por esse tema. Isto até quando quatro confederações patronais querem que Portugal passe a ter a mesma hora que Espanha.


Não se esqueçam de comprar na próxima 6ª feira, dia 30, o número de lançamento da «Perspectiva», que terá uma tiragem de 75.000 exemplares e vai utilizar o «Público» como veículo de distribuição, em princípio na última 6ª feira de cada mês.
Partindo de quem parte, este projecto só pode ter sucesso!