setembro 07, 2011

Uma questão de imagem

Uma questão de imagem

Às vezes, muitas vezes, passo por mulheres visualmente desaproveitadas. Desleixadas, com o penteado errado, o pior dos cortes de jeans, umas calças que nem a minha avó usaria, uma saia que lhe acrescenta dez quilos, uma maquilhagem que lhes dá mais dez anos ou uma postura de quem não gosta de si. Muito provavelmente por solidariedade feminina, se é que este não é um conceito que subsiste apenas na cabeça de tontas como eu, apetece-me aproximar-me e dizer-lhes para não terem medo de ser bonitas, já que as pessoas esteticamente interessantes são mais notadas e contribuem para o que é belo. E isso não é mau, raios, já Platão identificava o Belo com o Bom, nem sequer se trata de uma ideia nova, com os seus 25 séculos.

Este é o primeiro impulso, imediatamente refreado pela necessária racionalidade, imposta pela realidade como ela é. Elas é que a sabem toda: unidas pela mediocridade da e na aparência, fulminam quem se atreve a ir para além dela, espezinhando o intelecto de quem não chegam a conhecer.

Mal de quem, na sociedade grotesca em que vivemos, se atreva a desafiar a mediania que decidiu que ou se tem bom ar ou se brilha intelectualmente. A comunhão dos dois factores é, ao que parece, falta grave e (o mais assustador de tudo) impeditiva de ambições que estão reservadas aos que não acumulam .

Triste mundo, o nosso.

18 comentários:

  1. Mas quando alguém desafia a mediania, ahhhhhhhhhhhhh maravilha!...

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  2. Nem sempre, São. A mediania é mediana mas tem poder... E o poder mediano é o mais déspota.

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  3. Parecer diferente num mundo em que tem de se ter o mesmo aspecto para que a "tribo" nos aceite, é um exercício complexo. O desleixo pode ser um exercício de afirmação pela diferença. Tipo Régio se antes de escrever o cântico negro dissesse "não sei quem sou", e depois disparasse " não sei por onde vou, não sei por onde vou, sei que não vou por aí!"
    o observar de padrões estéticos, gira entre a fidelidade aos seus preceitos e o desafio criativo que consiste na exploração das suas fronteiras até ao limite da sua negação criteriosa. O sentimento de pertença a um grupo é assim exercido pela invidualidade nivelada pelo padrão colectivo. Afirmamo-nos na igualdade através da exploração da diferença e marcamos bem o nosso lugar no grupo. E se não se quiser fazer parte de nenhum grupo? E se quiser afirmar-se, em silêncio ruidoso, a não adesão aos padrões em vigor?
    Toca de parecer badalhoco.
    Da próxima vez que vir alguém assim paro um pouco e interrogo-me se é um intelectual. O mais natural será fazer como toda a gente e encolher os ombros ao concluir: "... pode ser.. mas o mais natural é ser mesmo badalhoco...."

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  4. Eu (porque de mim se trata) não quero ser diferente nem igual, pretendo apenas ser quem sou (o que já não é tarefa fácil) e que não me avaliem o aspecto mas o mérito.
    Creio que não será pedir muito...

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  5. Desculpa lá a maçada mas eu prefiro apreciar o teu mérito e o teu aspecto.

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  6. Vê-se mesmo que estás em ambiente de Direito, a inverter o ónus da prova (eu sei que não se aplica aqui, mas eu não sou de Direito).

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  7. ...e se fosse o Nelo a esgrimir argumentos estaríamos a falar de ânus de prova....

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  8. Querer ser quem somos implica sempre afirmar a diferença. Pois se somos apenas iguais a tantos, somos então um grão indiferenciado na grande mole. Mas como resolver o problema se um dos dados é imutável? A nossa condição básica de pertencermos à espécie humana que se atribui a ela mesmo o qualificativo de "sapiens", e dentro da qual pertencemos a um dos dois universos, pese embora as nuanças e fusões possíveis entre eles: o feminino e o masculino?
    O ser-se afirmativo é um extravasar do nosso interior. E corremos tantas vezes o risco de sermos um rio que corre, não para o mar, mas para o vazio. Vem-me à ideia os pregadores do fim do mundo em Nova Iorque, de campaínha e cartaz na mão, a anunciar a tragédia final e a chegada próxima dos quatro cavaleiros do apocalipse e a quem as pessoas ligam tanta importância como ao desempregado que transporta por dois dólares o cartaz ao peito com a ementa do restaurante ali à esquina.
    Contudo é imortal a imagem fugidia do mensageiro da desgraça quando olha para cima no instante em que o primeiro avião embate numa das torres gémeas, eram duas, 1 +1 a cabala que forma o número 11, 9+2 etc... Os sistemas de segurança passaram a dar mais crédito aos anunciadores das desgraças baseadas em arranjos numéricos. Das quedas das torres se fez tragédia mundial e no Iraque imolaram-se os cordeiros da paz em nome da ira divina e fez-se do país duas torres gémeas, uma Tigre, outra Eufrates, destrui-se o país, salvou-se o petróleo, mas lá não havia pregadores a anunciar a tragédia.
    Assim... quando nos afirmamos, fazemo-lo para quê? Para marcarmos a nossa cor no mosaico do qual fazemos parte? Para nos afirmarmos perante nós mesmos? Ou será a afirmação individual algo tão importante como respirar, mesmo que não afirmemos nada ou afirmemos importâncias absolutas a que ninguém dá importância?
    Afirmarmo-nos é algo...olha, assim como o que estou a fazer agora, escrever.... quase sempre para o boneco, mas tudo bem, isto afinal não passa dum teatro de fantoches e algures, lá em cima, há uns gajos de negro a puxar-nos os cordelinhos...

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  9. Não creio que estejas a escrever para o boneco, Charlie...
    Eu creio que não tenho o mesmo entendimento de "afirmação pessoal". Para mim, existir é afirmarmo-nos, sob pena de sobrevivermos a negar-nos. Não para chocar, não para ultrajar, não para esgrimir mas para termos a certeza de que somos EU e não poderíamos ser nenhum outro. Porqwue há muita gente que morre sem saber quem é e, sobretudo, que não aceita que os outros sejam quem são e (a maior das afrontas!!) gostem disso.

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  10. Há mesmo muita gente que se "alimenta" da crítica aos outros.

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  11. Ana, minha querida... o nosso destino é ser a flor do desassossego. Brilhamos ao sol e enchemo-lo de cor, e por muito que brilhemos só para nós, nada brilha impunemente...

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  12. Charlie, minha flor... de Lotus...

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  13. - Olá, Charlie. Daqui mais um boneco agradece a escrita.. ;-)»

    Ana, tocaste aí num ponto altamente controverso... Na verdade, em profundidade, «o hábito faz o monge», afinal. Por afirmação determinada, por cópia preguiçosa, por desleixo propositado ou não - o que, desde logo, reflecte duas personalidades nos antípodas uma da outra.

    Ah, a sacrossanta diversidade!

    Eu tenho alguém muito próximo que faz da «não importância ao que se veste» uma bandeira - o que, se calhar, acaba por centrar no que se veste a transcendência de chamar a atenção para o facto de o que se veste não ser importante. Confuso, mas real. Aquilo que o Charile refere como o que se chamaria um «desleixado intelectual».

    Já o «badalhoco» - algo diferente - tende a ser isso mesmo, porque esteja onde estiver acaba por feder - conceito eventualmente subjectivo, mas bastante padronizado nos dias que vão correndo. E por mais que ele queira patentear a diferença, o que resulta mais é o facto de não ser agradável parar por perto de tal criatura.

    Agora, o que verdadeiramente me aflige e chega a assustar, é o padrão orwelliano uniformizado e cinzento dos jovens licenciados à procura de um lugar ao sol, que frequentam escritórios de advogados, assessorias, consultorias e outras bizarrias, onde eles vestem todos os mesmos fatos, com a mesma cor e quase-quase as mesmas gravatas, enquanto a maioria delas - ainda que algumas se vão já profundamente acinzentando - cultivam o ar de «podres de boas» (- apreciação que me tem criado sérias preocupações quanto à eventualidade de eu estar a ficar tarado ou balhelhas, o que irá dar no mesmo).

    Nem digo mais, para não monopolizar a conversa...

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  14. Aqui todos monopolizamos. É um multipólio.

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  15. Um multipólio de facto e todo feito das interacções dos monopólios. Na verdade somos todos em simultâneo espectadores e actores, martelo e ferradura, causa e consequência e nada do que fazemos é indiferente ao mundo. A teoria do bater de asas da borboleta que desencadea uma tempestade no outro lado do mundo, pela simples alteração de um dado numa complexa equação instável.
    Podemos imaginar uma mesa de bilhar cheia de bolas, e calcular a probalidade de uma delas em particular circular entre todas as outras, e todas em movimento, sem que toque em alguma. Podemos animar a nossa bola de vontade própria e fazer com que ela se desvie de todas as bolas que estão na sua trajectória, mas será possível ela desviar-se das intenções das outras? Sabemos como num jogo de xadrez a estratégia consiste em acontonar o rei adversário e conduzi-lo à posição de xeque mate. Duas ou três bolas em rota calculada e a nossa bola seria atingida sem qualquer hipótese de escapatória.
    Do mesmo modo, no nosso viver, e sendo nós agentes de mudança, sofremos as mudanças mesmo que em nada, mudar queiramos. As nossas posturas são sempre em relação ao mundo e nunca em relação a nada.
    Na verdade não existe coisa alguma no universo que não dependa da interacção. Todo o universo é um corpo único formado por miríades de células gravitando á volta umas das outras numa complexa sinfonía síncrona. Não há planetas vageando indiferentes embora haja os que se agarram ao sol e outros que embora o ignoremm lá longe, mesmo aí, à gravidade do astro se sujeitam, enquanto em simultâneo o fazem vacilar pelas mesmas leis que - ele sol- o planeta atrai.

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  16. Interacção, deveria ser o que as pessoas, entidades, países e «uniões» procurassem. Mas não. É competição. Mundo parvo este.

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